Ícone do site Cleber Toledo – Coluna do CT

THIAGO BARBOSA SOARES | O clichê em doramas: um acesso à sociedade brasileira

(Foto: Divulgação)

Atualmente, as produções audiovisuais sul-coreanas, comumente chamadas de doramas, ganharam um espaço significativo nos catálogos de streamings no Brasil. Dificilmente alguém não tenha assistido a uma dessas. Suas personagens são, em sua maioria, fáceis de entender, pois vivenciam as dificuldades mais prosaicas. Os enredos são bastante envolventes, pois se aproveitam das próprias narrativas já diluídas no imaginário coletivo: o pobre que quer ser rico; a moça que tem um grande amor impossível; a luta do bem contra o mal, entre tantas outras.

Não se pode furtar à observação de que alguns doramas abordam temáticas muito contemporâneas e relativamente sensíveis, como, por exemplo, Uma advogada extraordinária, no qual a protagonista é uma moça extremamente inteligente com autismo, trabalhando com colegas em um escritório de advocacia e enfrentando inúmeras dificuldades, inclusive a descoberta do amor. Para além do contemporâneo e sensível, há o sobrenatural e o histórico como pautas no interior das quais as produções sul-coreanas desenvolvem narrativas cativantes.

Contudo, o que realmente chama a atenção para essa indústria cultural sul-coreana? Se os filósofos Adorno e Horkheimer fossem responder a tal indagação, provavelmente diriam que a massificação da própria sociedade norte-americana foi implantada na sociedade asiática em questão de tal maneira que essa “nova” indústria cultural de entretenimento não passa de uma replicação da alienação norte-americana. A maior parte da intelectualidade ovacionaria uma explicação que se pretende elucidativa, mas que pouco diz sobre o sucesso concreto dos doramas.

ANÚNCIO

Para muitos críticos da indústria cultural (seja norte-americana, seja sul-coreana), o cineasta Jean-Luc Godard e suas produções são as únicas que merecem público. Ora, são as mesmas mentes, ou parentes delas, que se escandalizam ao saberem, e depois esconderem, o fato de que Paulo Coelho é o autor brasileiro mais lido no mundo. Para a academia, Paulo Coelho está para o dorama como 1 mais 1 são 2. Vejamos algumas razões para tal equação: são fáceis de ler; há pouca profundidade; possuem problemas de construção, Paulo Coelho na sintaxe e alguns doramas na arquitetura narrativa; e o grande público gosta de ambos.

Se alguém deseja uma leitura rápida, que trate de assuntos variados, com uma escrita espontânea e atual, encontra em O diário de um mago e em O alquimista um percurso literário formativo razoável, além de diálogos transcendentes e paisagens deslumbrantes. Se alguém quer, depois de um dia cheio de trabalho e atividades cansativas, uma série sem violência e com alguma harmonia hierárquica entre as personagens que anseiam superar suas dificuldades, busca, então, Pousando no amor. Problemas nas escolhas? Certamente não.

Todavia, as seleções que assistimos, ouvimos e lemos estão, em um plano sociocultural, diretamente vinculadas às necessidades tanto coletivas quanto individuais. As emoções mais fáceis, mais nítidas e mais doces estão embutidas nos dorama, assim como estão nos livros de Paulo Coelho (salvo ao esotérico que consegue extrair deles lições místicas).

Se tem sido difícil relacionar-se amorosamente, por que não aproveitar um dorama no qual tudo acaba bem? Se o colega de trabalho ou o chefe sempre puxam o tapete, há problemas em apreciar uma série na qual isso seja resolvido de maneira astuta? Como os problemas políticos são sempre insolúveis, já que sempre se lida com eles e seus reflexos, achar conforto fugaz em narrativas menos complexas e previsíveis pode ser a alternativa à dificuldade cotidiana. Se a concretude da vida é tão pesada, volta-se aos pequenos prazeres imediatos, cujo encontro é um alívio para a alma.


THIAGO BARBOSA SOARES
É analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Sair da versão mobile