Não se trata de questão de merecimento. Ninguém tem dúvida da importância para a sociedade de coronéis da Polícia Militar, delegados, auditores fiscais, médicos e outras pouquíssimas categorias que poderiam ser beneficiadas pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que eleva o subteto do funcionalismo estadual até o salário do desembargador, de R$ 30.471,11. Merecer, merecem, o problema é que o Estado não tem condições de pagar. Por isso, essa iniciativa é totalmente inoportuna e um absurdo que os líderes das categorias que seriam contempladas se embrenhem numa aventura dessas no pior momento da história do Tocantins. Total falta de sintonia com a realidade.
O discurso de que os deputados gozam de regalias absurdas é totalmente verdadeiro, mas não justifica a aprovação da PEC da Elite dos servidores do Estado. O auxílio-moradia é uma imoralidade e as emendas parlamentares são recursos públicos usados para financiar pré-campanha de parlamentar. É exatamente isso. Mas não dá direito a ninguém de aprofundar a orgia com dinheiro do contribuinte disseminada por este Estado.
[bs-quote quote=”Aprovar a PEC da Elite é de uma irresponsabilidade sem precedentes, que só vai macular a imagem da Assembleia” style=”default” align=”left” color=”#ffffff” author_name=”Cleber Toledo” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
O Tocantins precisa é de um freio de arrumação. Rever Planos de Cargos, Carreiras e Salários (PCCSs), feitos sem o mínimo lastro com a realidade orçamentária do Estado; chamar os Poderes à responsabilidade, que, como a coluna já disse algumas vezes, vivem como se estivessem na Suécia ou Dinamarca e seu reino encantado.
Na verdade, o correto não é elevar o subteto do funcionalismo, mas trazer o ganho do desembargador ao salário do governador, de R$ 24 mil. É um absurdo que nos Estados desembargadores tenham seus salários vinculados aos ganhos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Só mostra como este é um país da fantasia. Os recursos que pagam o salário dos ministros saem do Orçamento da União, de R$ 3,5 trilhões, enquanto a receita estimada para o Tocantins em 2018 é de R$ 10,7 bilhões. Como comparar?
Além disso, a PEC da Elite seria totalmente injusta com os demais servidores, que, como muito bem observou o relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputado estadual Ricardo Ayres (PSB), têm para receber do Estado quase R$ 500 milhões. O governo ainda não conseguiu cumprir a data-base de 2017, os retroativos da data-base de 2105 e 2016 e algumas progressões do quadro da Educação e da Saúde.
Veja: com os R$ 3,7 milhões mensais que o Tocantins adicionaria à folha dos mil servidores beneficiados com a PEC da Elite daria para pagar 8 mil dos quadros da saúde e da educação.
É preciso lembrar que o Estado ainda não dá conta de pagar o Plansaúde, o Igeprev e os consignados, só para ficar nos passivos que tem com os servidores. Já consome quase 55% da Receita Corrente Líquida com a folha, e sobra, se muito, 1% para investimentos. Ou seja, a sociedade contribui com pesadíssimos impostos para garantir apenas o pagamento do funcionalismo, sem nenhum retorno em investimentos, estradas esburacadas, serviços de segurança, saúde e educação precários.
A sequência de tragédias não para por aí. Ainda temos a pior de todas: o malfadado reajuste de 25% que o Estado foi condenado a pagar aos servidores, que tem o condão de quebrar o Tocantins. Em valores atualizados até agosto do ano passado, o Palácio Araguaia calculava que o pagamento desses retroativos representará um incremento em folha de R$ 20,8 milhões ao mês ou R$ 277,2 milhões ao ano. É uma folha a mais, um 14º salário. Lembrando sempre que o Estado só pagou o 13º de 2016 por causa da repatriação e o de 2017 foi dividido em duas ou três parcelas.
Diante desse quadro nefasto, aprovar a PEC da Elite é de uma irresponsabilidade sem precedentes, que só vai macular a imagem da Assembleia, que entra numa fase nova sob a presidência da deputada Luana Ribeiro (PDT), uma jovem e promissora parlamentar. Ela não vai querer carregar a pecha de ter contribuído para escavar um pouco mais fundo o buraco em que o Tocantins se encontra.
Se irresponsavelmente a AL ainda aprovasse essa aberração, não é possível crer que ela seria sancionada pelo governador interino Mauro Carlesse (PHS), que entrou com o alvissareiro discurso do enxugamento da máquina para lhe dar eficiência, sonho de todos nós tocantinenses. A economia que Carlesse faria com o anunciado corte de milhares de contratados, ele gastaria para pagar esse inoportuno e execrável benefício a classes já privilegiadas.
Por todos esses argumentos aqui expostos, só tenho que concordar com o deputado Ricardo Ayres: a PEC da Elite pode muito bem ser chamada de PEC da Vergonha.
CT, Palmas, 6 de abril de 2018.