É comum ouvir falar que as civilizações greco-romanas foram o berço do sistema representativo. Alguns historiadores acreditam que o período e o lugar de origem da votação foram outros. Relatos celtas e hindus falam sobre a participação dos druidas e sacerdotes na escolha de seus líderes políticos. Quando a prática surgiu na cidade-Estado de Atenas, no século 5 a.C., apenas cerca de um quinto da população poderia participar das eleições. O voto, enquanto ato político, surgiu no Brasil junto com o processo de colonização, a partir de 1530. Mais precisamente, em 1532 que ocorreu a primeira eleição para a Câmara Municipal de São Vicente.
Da nossa história colonial ao momento atual, o voto sofreu grandes transformações, na busca de garantir autenticidade e legitimidade na escolha dos representantes políticos, o processo de evolução do voto formou-se sedimentado no sigilo e segurança do voto, tal combinação resulta no exercício da liberdade de escolha. Por outro lado, se faz necessário acrescentar outro atributo do voto, qual seja a maior amplitude de participação popular no processo de escolha, houve um tempo que o voto no Brasil era restrito por classe econômica (Voto censitário), por classe social, discriminatório (proibido pra mulheres, escravos, analfabetos e mendigos), direcionado (Voto de cabresto) até chegarmos ao sufrágio universal ao qual permite a participação a partir dos 16 anos, seja homem ou mulher, o voto no Brasil é obrigatório aos maiores de 18 anos e menores de 70 anos, assim universal na amplitude, porém não absoluto, visto que os menores de 16 anos não podem participar do processo de escolha. Contudo, em todas as fases do processo evolutivo eleitoral brasileiro, a sombra que paira e ameaça soberania popular ainda é a chamada fraude eleitoral, entregar o poder a representantes que de fato não venceram as eleições, que não receberam o autorizo nobre e sagrado do povo é certamente o maior carma que uma nação pode se sujeitar, é ser vítima do maior de todos os estelionatos e sucumbir às decisões de um impostor. Neste formulado pretendemos afastar o viés político-partidário que desvirtua e reduz o pensamento sobre o tema, propomos um posicionamento esclarecedor e conciliatório no sentido de aprimorar a ideia.
Com a modernização e advento da urna eletrônica em 1996, o processo eleitoral brasileiro insere a agilidade na apuração, onde a totalização dos votos é processada eletronicamente, permitindo o resultado final e consequente anuncio do vencedor em questão de horas após o termino da votação. Ao longo dos 25 anos da implantação da urna eletrônica e sua inquestionável agilidade, surge questionamentos sobre a segurança, as vulnerabilidades que permitam violar o software e alterar os dados inseridos. Não é de hoje que essa discussão ganha repercussão, partidos, candidatos e parlamentares já levantaram o tema em diversos momentos, entretanto, depois da ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da Republica, o tema adquire a robustez necessária com a formulação da PEC 135/2019 em tramitação no Congresso Nacional. O Presidente por força do cargo que ocupa conseguiu entoar e despertar o interesse nacional sobre o assunto, levantando suspeitas de fraudes em eleições anteriores, dessa forma, o que seria uma pauta comum no processo de evolução do processo eleitoral, torna-se uma disputa político-ideológica, faccionado em duas alas distintas e extremas, onde dizer que é a favor do voto impresso é dizer que é a favor do Presidente e ao contrário é ser opositor a este.
Os argumentos político-ideólogicos proferido por ambos os lados ofuscam a real e verdadeira discussão sobre o tema, defender que haverá fraude ou que ouve fraudes em eleições anteriores, sem a devida prova, é lançar suspeita injusta sobre o sistema eleitoral, por outro lado, contrapor com a ideia de que a voto impresso remete ao passado e que será um retrocesso do sistema, configura também como ato de injustiça e desinformação.
Em nossa análise, o argumento que deve ser defendido, sob uma ótica acadêmica e evolutiva é que, as urnas eletrônica representam um inequívoco avanço no processo de apuração, cujo o marco principal é a agilidade, e que até o momento não se detectou indícios evidentes de fraude. Entretanto, dado as novas tecnologias e desenvolvimentos dos hackers, inserir mais um dispositivo de segurança que permita tirar a prova daquilo que se está sendo digitado na urna eletrônica, configura-se nesse caso, como uma medida evolucional de prevenção e ampliação da segurança ao voto. Por óbvio, não se deve propor voto impresso que sugira após a votação passa-se a contagem destes para validação do resultado, como aqui dito, se trata de dispositivo de segurança onde a sua conferência se dá motivado por anomalia que instigue dúvidas na votação e limitado a seção na qual se deu tal inconsistência . Não há que se falar em recontagem nacional, estadual ou municipal, até porque se perderia aqui a razão precípua da existência das urnas eletrônicas. Outro ponto a considerar é que a eventual implantação do voto impresso não se limita a aprovação da PEC 135/2019 por si só, há de se computar o tempo de desenvolvimento e fabricação de impressoras, alteração do sistema, distribuição e implantação do novo modelo, a um custo estimado de 2 bilhões de reais, um preço relativamente baixo pela relevante defesa da democracia, talvez inoportuno pelo momento econômico que vive o Brasil e o mundo reprimido pela pandemia do Covid-19, mas como no dito popular “as vezes o barato sai caro”, o que se economizaria agora poderia nos causar grandes prejuízos futuros, esse dilema caberá ao Congresso Nacional decidir, ironicamente terão que resolver se serão legitimamente reeleitos ou não.
As narrativas impostas pelos dois extremos prejudicam, sobremaneira, a formação da consciência popular sobre o assunto, perfaz grave agressão a manutenção da democracia. A liberdade e autenticidade da vontade popular materializa-se no voto, a garantia da soberania popular e sua legitimidade é parte essencial do Estado Democrático de Direito carecendo de discussões sérias e responsáveis. A sociedade brasileira desde o inicio da sua formação sofre por falta de oportunidades, no qual o acesso a informação e a instrução entendo ser a mais ausente, espera-se das instituições e seus representantes ajam com a responsabilidade pública que seus cargos impõem. Reduzir um tema de tamanha relevância nacional à mera disputa partidária é afrontar a consciência do povo brasileiro, é corromper nossas expectativas, é violar nossa esperança de dias melhores.
Portanto, defendemos que conquistas obtidas ao longo da história das eleições devem ser mantidas, a agilidade na apuração no processo eleitoral, por meio das urnas eletrônicas é algo que não se pode negar, sendo absurda e inimaginável qualquer proposta no sentido de sua abolição. Contudo, não julgamos desmedido qualquer mecanismo de segurança e aprimoramento que visa maior autenticidade e garantia da vontade popular dentre eles o voto impresso. Em uma democracia se faz necessário e essencial se posicionar com liberdade sobre os assuntos de interesse nacional. Entretanto, exige-se para tal posicionamento, o conhecimento real e com a devida profundidade, de outra forma, sua posição será ingênua e sua manifestação será manobra. Se posicionar a favor ou contra o voto impresso faz parte do exercício democrático, defender quaisquer dos lados da ideia requer análise própria na formação de uma postura convicta.
RAUCIL APARECIDO
É professor universitário e mestre em Direito Constitucional
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