A festa de aniversário conjunta do senador Eduardo Gomes (PL) e do pré-candidato a governador Ronaldo Dimas (PL) mostra que o Estado deixou para trás a política tóxica do ódio que sobreveio ao rompimento da União do Tocantins, em meados dos ano 2000. Um tempo em que todos parecem ter ficados cegos, como os personagens do gigante José Saramago no seu magnífico Ensaio sobre a cegueira. Como ainda ensinou outro gênio da humanidade, Mahatma Ghandi: “Olho por olho, e o mundo acabará cego”.
Experimentamos isso. O ódio e o desejo do poder pelo poder foram corroendo nossa capacidade de investimento com gastos não planejados, corrupção e concessões eleitoreiras. Assim, um Estado que emergia rapidamente rumo ao progresso, deixando para trás os baixos índices de desenvolvimento humano de quando norte goiano, submergiu numa crise fiscal sem precedentes. O resultado é que até agora ainda patinamos para superar o trauma deixado por aquela toxidade.
Fato é que naquela época os grupos se dividiram de tal forma que ninguém poderia sequer ter a mínima relação com outro que compunha o campo adversário. Um amigo sensível, exonerado por opiniões contrárias ao governador de plantão, me contou, com lágrimas nos olhos, que o ex-colega de repartição entrara bruscamente no banheiro do prédio do órgão em que trabalhavam para não cruzar com ele. Teria que cumprimentá-lo, alguém poderia ver e denunciar o inadmissível aperto de mão ao chefe, que, para fazer média com seu superior, entregaria a cabeça do “traidor”. Isso ocorreu.
Teve a servidora que ousou, durante um voo para Brasília, ir até um importante líder político e cumprimentá-lo. Alguém fotografou, furtivamente, enviou a imagem ao chefe da “infiel”, sumariamente exonerada no dia seguinte.
Nesses tempos de total desatino, recebi uma ligação de um oficial de um dos lados, que, mal atendi, veio inquisitorialmente:
— De que lado você está?
Não pestanejei ao responder:
— Do meu.
Creio que todos que vivemos aqueles anos temos histórias desse tipo para contar. Não eram divergências de ideias, diferentes visões de mundos ou de propostas para o desenvolvimento do Tocantins. Era ódio em essência.
Não quer dizer que hoje não existam as pessoas pequenas, que não veem o outro campo como adversário momentâneo, mas como inimigo a ser destruído. Estão por aí, com cargos ou em busca deles. Mas é diferente. O ódio daqueles tempos não era uma mera deturpação de caráter, resultante de uma pequenez de espírito, mas algo institucionalizado. Você tinha que odiar o outro para ser aceito por um dos lados. Foi uma época doentia, e que desembocou na derrocada do Estado por mais de uma década, numa luta fratricida que remete ao que foi dito por Ghandi: “Olho por olho, e o mundo acabará cego”.
Por isso, é com muita satisfação — e até um alívio espiritual, eu diria — que vejo numa conversa muito animada, fraterna, pacífica aqueles que até bem pouco tempo não se suportavam e até mesmo desviam de caminho para não se encontrar.
Um grande feito de um líder conciliador como Gomes colocar lado a lado o ex-governador Marcelo Miranda (MDB) e o deputado estadual Eduardo Siqueira Campos (União Brasil), que simbolizam aquela época, mas que tiveram a grandeza de dar um importante passo para sua superação dela. No último governo Marcelo, os dois se encontraram num evento e já conversaram amistosamente. O emedebista foi num tradicional aniversário do ex-governador Siqueira Campos e até gravou um vídeo para o especial dos 93 anos, com elogios à liderança inquestionável do antigo rival.
Nossa estrada para a definitiva superação dos efeitos colaterais da política do “olho por olho” ainda é muito longa, mas já demos passos importantes. A festa de aniversário de Gomes e Dimas foi prova disso.
CT, Palmas, 29 de abril de 2022.