A notícia de um assassinato ocorrido em nossa rua nos causa mais impacto do que a de um bombardeio russo em Kiev, responsável pela morte de centenas de ucranianos.
Tanto é assim, que os mais importantes teóricos da Comunicação definem a proximidade do fato noticiado – em relação ao leitor-ouvinte-telespectador – como um dos principais critérios de noticiabilidade.
Nesse sentido, a violência como – as doenças – nos preocupam porquê de uma hora para outra podem bater à nossa porta, isto é, alcançar nossos ente queridos.
No caso da violência, em forma de assalto, sequestro relâmpago, tiroteio, bala perdida, homicídio ou uma simples briga de trânsito.
Já as doenças – como a pandemia da Covid-19, que parecia tão distante -, de repente nos tirou amigos, vizinhos, pais, filhos, irmãos, avós.
E tanto as doenças quanto a violência são democráticas: atingem pobres e ricos. Mas o mesmo não se pode dizer do acesso aos tratamentos e à segurança.
Engana-se quem acha que está de fato seguro por morar em prédios luxuosos, com seguranças armados nas portarias, ou em condomínios fechados. Uma hora ou outra, todos precisam sair à rua…
Eu moro em um edifício; não tem todo esse aparato, mas há certa segurança e está localizado em uma “região nobre” da cidade.
Às vezes, após as cinco da manhã, ainda escuro, da minha varanda vejo mulheres, sozinhas, fazendo caminhada. Despreocupadas, a todo momento conferem em seus celulares (possivelmente daqueles com o símbolo da maçã) o percurso percorrido ou a playlist apropriada para atividades físicas.
Pois bem, exatamente nesta “região privilegiada”, recentemente me aconteceu o seguinte: entrei em um estabelecimento comercial – um café, onde pretendia tomar um capuccino e ler um livro.
No momento não havia outros clientes. Apenas dois homens, que aparentemente se conheciam, estavam conversando. De repente, o que parecia uma simples conversa virou discussão acalorada, que evoluiu para bate-boca e finalmente uma briga.
Com dedo em riste, um deles ameaçou: “você vai me pagar ou vai morrer”. O outro respondeu com um soco violento, derrubando seu oponente. Em seguida, cadeiras voaram, mesas foram quebradas, copos de vidro se espatifaram no piso.
Saíram para rua. Lá, uma moto foi derrubada, os para-brisas de carro foram quebrados; houve xingamentos, socos, quedas, sangue.
Enquanto isso, eu continuava sentado, imóvel. Seja pelo efeito dos remédios controlados, dos quais fazia uso na época, seja por falta de costume de presenciar cenas de violência física, não tive qualquer reação.
Enquanto funcionários e clientes de lojas vizinhas saíam à rua para assistir às cenas que se seguiram, “despertei”, peguei meu livro, coloquei-o embaixo do braço, saí do local e liguei para o meu psiquiatra.
Após me perguntar como eu me sentia, me recomendou mais um comprimido, do qual eu tomava apenas um por dia. Antes de encerrar a ligação, comuniquei-lhe que, após o tratamento, voltaria a frequentar os bares, de preferência os da periferia.
– “Afinal, doutor, os cafés – localizados na região nobre da cidade – andam muito violentos”, expliquei.
RUBENS GONÇALVES
É jornalista em Palmas
rubensgoncalvessilva@gmail.com