Certa vez, um renomado Jurista, internacionalmente conhecido e reconhecido, com a humildade, no sentido mais valoroso possível, que pouquíssimas pessoas tem, por onde passava encantava, ensinava e principalmente parava para escutar e como se captasse no ar tudo que acontecia ao redor, dirigiu-me as seguintes e exatas palavras, após ter me escutado profundamente no contexto da nossa conversa: “…, mas não podemos contar o tempo de vida da mesma forma que contamos o tempo cronológico, são grandezas diversas …”.
O Jurista era o ex-Ministro Francisco Rezek, que por duas vezes integrou o Supremo Tribunal Federal, professor em inúmeras universidades ao mundo, ex-ministro das Relações Exteriores e Juiz da Corte Internacional de Justiça em Haia.
Na ocasião, esteve no Estado do Tocantins para uma importante defesa no interesse da carreira dos Procuradores do Estado, na qual juntamente com outros colegas, tive a honra de participar e dividir a tribuna na sustentação oral, mas incrivelmente a conversa mais importante que tivemos, no meu ponto de vista, foi sobre os olhares de vida e o tempo.
O título do artigo pode parecer estranho, mas vamos aos poucos tentar dar sentido a ele, com início pelo que denomino como tempo cronológico.
A noção do significado de tempo cronológico é advinda da mais simples, mas não menos importante, interpretação literal, que remete à ideia do quantitativo da fração do dia, que se traduz em vinte e quatro horas, que nos dedicamos a qualquer finalidade.
O tempo de vida, por sua vez, perpassa por meio da refinada interpretação sistêmica, isso porque tal como na interpretação jurídica, as questões postas à mesa, seja no campo pessoal ou profissional precisam levar em conta diversos vetores, tais como, valores, princípios, ética, custo-benefício, ganhos e perdas, potencialização de emoções e sentimentos, intensidade e equilíbrio entre trabalho de excelência e o tempo de vida.
A percepção de tempo de vida é fazer todo o possível dentro do espaço do tempo cronológico, mas com a visão voltada para esses vetores, tanto para si, seu trabalho e pessoas que nos cercam direta ou indiretamente.
Os dois tempos correm em paralelo, cada um com as suas finalidades e velocidades absolutamente distintas. O tempo cronológico, com todo o seu previsível, implacável e relevante compasso e o tempo de vida com os seus potentes propulsores, que por vezes nos fazem até mesmo torná-lo imperceptível, mesmo passando diante dos nossos olhos.
E o Direito? O que o direito teria a ver com essas duas noções particulares de tempo que compartilhada nas linhas anteriores?
Parecia obvio o que me fora revelado, mas até então não era e desde aquela conversa sigo pensando: tempo de vida é diferente do tempo cronológico em todos os aspectos. E o Direito?
No Direito, parece ser exatamente igual, isso porque as relações jurídicas merecem ser percebidas com essa sensibilidade, sobretudo com advento do processo eletrônico e das novas ferramentas de tecnologias que buscam tornarem a corrida entre o tempo cronológico e o tempo de vida menos desigual.
O processo pensado como tempo de vida e não apenas tempo cronológico proporciona a preservação dos bens jurídicos, a política pública ágil e pronta para atender às necessidades daqueles que contam as mesmas vinte e quatro horas e com os dois relógios à sua frente: cronológico e vida.
A chegada de novos sistemas, tecnologias e inteligências, indubitavelmente vai trazer para o campo jurídico um olhar mais acurado sob o ponto de vista do tempo de vida e isso é extremamente positivo se coaduna com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e a racional e razoável duração do processo.
Imaginem processos judiciais ou extrajudiciais, ou mesmo condutas na Administração Pública que sejam permeadas pelos dois conceitos de tempo. Exemplifico: Nos processos judiciais de aposentadoria, frequentemente em grande volume, há um tratamento de demandas de massa. No entanto, seria possível tratar em massa esses processos, mas com a utilização de sistemas, pessoas e tecnologias com olhares de tempo de vida para viabilizar não apenas o fluxo processual e o atingimento de metas, mas também identificar quais as demandas mais aptas ao sucesso, casos mais delicados, urgentes (mesmo que fora de metas) e consequentemente à implementação da aposentadoria.
Aliás, a maior parte das pessoas busca gastar bons anos cronológicos de suas vidas à espera da aposentadoria para fruir do tempo de vida, que foi deixado de lado, justamente por esquecimento ou mesmo desconhecimento dessa correlação.
A atitude com olhar de tempo de vida de cada um dos operadores do direito faz agregar esse grande valor ao próximo. Isso significaria uma utopia, na qual teríamos apenas pessoas do bem e que igualmente também desejam o mesmo para si? Parece-me que não, mas acredito firmemente ser um passo de evolução.
Naturalmente o fator humano, na sua essência comportamental é determinante para que no campo jurídico sejamos capazes de gerar mais tempo de vida com a utilização racional do tempo cronológico.
Nesse panorama, o erro mais delicado e que podemos evitar, é justamente esquecer do fundamental, ou seja, tempo de vida é diferente de tempo cronológico, mesmo que completamente dependentes um do outro, como uma genuína simbiose.
A gestão dessas relevantes mudanças de paradigmas, com especial olhar ao tempo de vida, na sua maior amplitude conceitual, tende a ser o passaporte para o alcance de grandes metas no ambiente jurídico, abarcando todos os seus vieses e atores: Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública ou Privada e Administração Pública em geral.
Com contribuição de Francisco Rezek [1]
BRUNO NOLASCO DE CARVALHO
É Procurador do Estado do Tocantins associado à Aproeto, Especialista em Direito Tributário, Mestre e Doutor em Direito.
ESPAÇO APROETO – Associação dos Procuradores do Estado do Tocantins (Aproeto)
[1] Artigo contou com a autorização formal e contribuição de Francisco Rezek quanto ao diálogo mencionado no texto. Professor Rezek aposentou-se como Ministro do Supremo Tribunal Federal em 6 de fevereiro de 1997, depois de eleito, pelo Conselho de Segurança e pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, Juiz da Corte Internacional de Justiça, sediada em Haia, com mandato de nove anos. Ao longo desse período ministrou na Universidade de Paris (Panthéon-Sorbonne) um curso de extensão (Le Marché Commun du Sud: origines, actualité, perspectives, 1998) e proferiu conferências em diversas Universidades brasileiras e centros de estudo do Direito, bem como em instituições de classe da Justiça e do Ministério Público. Conferenciouainda nas Universidades de Paris (Le temps et le droit: l’utilisation dutemps par le juge international, 2000; La Justice internationale face à la crise du Droit international, 2005), de Berlim, de Londres, de Milão, de Turim, de Roma, de Amsterdam, de Lisboa, de Vancouver e do Cairo. Associou-se, ao final deste mandato, à Advocacia Gandra Martins. Em maio de 2008, abriu seu próprio escritório em São Paulo.