Contavam meus antepassados que nos idos de 1900, meu avô paterno, Benedito Pinto de Cerqueira Póvoa, um comerciante que estava à frente da sua época e que foi covardemente assassinado no tronco, como pode ser constatado nos fatos inseridos nos livros O Tronco, de Bernardo Elis, escritor goiano, ou Quinta Feira Sangrenta, de autoria do escritor e historiador dianopolino tocantinense Osvaldo Póvoa, este o mais fiel aos verdadeiros e lamentáveis episódios ocorridos naquela época. Meu avô como citei acima, mantinha um intenso comércio com o Estado da Bahia, vendendo grandes boiadas e trazendo gêneros de primeira necessidade, tais como sal, açúcar, café, querosene, gasolina, etc, e outros apetrechos, entre eles o delicioso vinho do porto em barris de dezoito litros, que originários de Portugal eram adquiridos em Salvador, capital da Bahia e de lá, por navegação fluvial através do Rio São Francisco depois Rio Grande, chegavam em Barreiras, cidade baiana mais próxima do então nordeste de Goiás, hoje sudeste do Tocantins.
Raro era o final de semana que os amigos e parentes do meu avô não se deslocavam para a fazenda Prazeres, onde ele residia e que distava cerca de seis quilômetros da cidade, para um bom bate papo, regado pelo delicioso néctar das videiras portuguesas. Com a morte dos nove homens no massacre do tronco, a história de várias famílias sofreu uma interrupção, lamentavelmente, banhada de sangue, crueldade e injustiças.
Essas famílias sofridas e desagregadas partiram para lugares e cidades diferentes em busca de paz. Passaram-se os anos. Com o retorno de muitos filhos da terra, o comércio com a cidade baiana reacendeu-se. Das gerações mais próximas, lembro-me dos irmãos Póvoa: Tio Benedito, Tio Liberato e Pery, este, meu pai, que formavam uma sociedade e eram proprietários do maior ponto comercial da época, denominado “Casa Póvoa”, aliás a primeira construção de dois andares da nossa cidade. Os três irmãos faziam negócios e transações com os Braga, detentores de grande armazém naquela cidade baiana. Depois vieram os irmãos Zeca Póvoa e Ditinho, ambos sobrinhos dos primeiros Póvoa, filhos da saudosa Tia Quininha e que continuaram esse intercâmbio através da pessoa de sua confiança, Péricles José Cândido Póvoa e de muitos outros.
Com o advento da criação de Brasília, grande parte do eixo de negócios para ali foi transferido, bem como para outras cidades do Centro Oeste, Sudeste e Sul, a exemplo de Goiânia, Belo Horizonte, São Paulo e outras, mesmo porque a situação das estradas para a Bahia não era das melhores, fazendo com que aquele Estado passasse a ficar um pouco esquecido. Para lá, mais precisamente Salvador, capital da Bahia, não se deslocavam mais os filhos da nossa terra em busca da continuação dos estudos, bem como de negócios, que foram quase que totalmente interrompidos.
Anos depois, 1989, acontece a criação do Estado do Tocantins, foi a integração do antigo corredor do esquecimento situado no nordeste do Estado de Goiás, com o resto do mundo. E dentre esses benefícios, um dos principais, as estradas asfaltadas, oferecendo opções para um povo antes abandonado.
Vemos, agora, o resgate dessa ligação com o Estado da Bahia e fico feliz em saber que em breve, principalmente pela implantação do projeto de fruticultura entre Dianópolis e Porto Alegre, surgirão novos horizontes para a Região, hoje Sudeste do Tocantins, pois aquele empreendimento estabelecerá o marco do antes e depois do seu início. Tenho plena certeza de que o interrompido intercâmbio comercial e cultural será reativado, mas, ao mesmo tempo desaponto-me em saber que os tempos mudaram, pois a sociedade contemporânea enclausurada no egoísmo do ter mais, ou sobre um pedestal de falsa e passageira glória, não nos permite aqueles bate-papos desinteressados entre amigos, regado a um bom vinho do Porto. Tudo isso comprovando que na história nem tudo se repete.
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado; membro-fundador da Academia de Letras de Dianópolis.
candido.povoa23@gmail.com