As eleições municipais de 2024 acontecerão sob um contexto internacional e nacional muito tenso. Vivemos uma segunda edição daquilo que o cientista político norte-americano Loch Jonhson chamou de “hidden World War Three”, ou seja, Terceira Guerra Mundial Escondida, referindo-se à tensão de uma guerra fria que começa a esquentar.
Neste cenário internacional de tensão, fruto da disputa imperialista dos EUA com uma China cada vez mais forte no mercado mundial, espaços alheios aos seus territórios servem de palco para que estes países e seus aliados realizem demonstrações de força, tentando influenciar o tabuleiro da geopolítica internacional. Fatalmente, esse quadro conjuntural gera crises econômicas face a instabilidades do mercado, sanções e bloqueios, mas também gera crises políticas que se agravam no mundo inteiro em função de guinadas a posicionamentos extremistas, especialmente de direita.
Esse contexto político-econômico tenso retira a atenção dos líderes mundiais do pedido de socorro que o planeta Terra está fazendo às questões sociais e ambientais. Em todo o mundo houve um aumento substancial de pessoas em situação de pobreza nos últimos 5 anos e o distanciamento de renda entre os mais ricos e os mais pobres, num momento em que os primeiros aumentaram significativamente as suas riquezas. A fome e a falta de moradia têm sido fantasmas no mundo todo e nos EUA, o país mais rico do planeta, há uma grave crise sanitária por uso de opioides, o que tem fortalecido o contingente de moradores de rua e a escalada da violência urbana nas principais cidades do país, enquanto se gasta centenas de bilhões de dólares do orçamento nacional em guerras estrangeiras.
Do lado da questão ambiental estamos diante de um colapso mundial: o aquecimento global atingiu um patamar não visto há um século e o mundo inteiro vive neste ano um aumento médio de temperatura de 7 graus. Isso é suficiente para alterar de forma substancial as paisagens de todos os biomas do planeta, afetando diretamente a vida do ser humano. No Brasil, neste momento, por exemplo, vemos a grave crise ambiental vivida pelo estado do Rio Grande do Sul, que ao longo do último ano experimentou, em meses diferentes, quatro grandes e graves enchentes, sendo que esta última de proporções absolutamente alarmantes.
Por falar em Brasil, estamos diante de um governo federal que tenta retomar a agenda neodesenvolvimentista implementada no país desde o início do século XXI. Cabe ressaltar que este é o sexto governo eleito pelo voto popular no Brasil deste século, dos quais cinco são do Partido dos Trabalhadores, sendo que Lula é presidente pela terceira vez. Contudo, esse cenário internacional polarizado interfere diretamente tanto na economia quanto na política de nosso país e Lula tem sentido mais dificuldade nesse mandato para criar uma ambiência de governabilidade.
Logo, seguindo o mesmo raciocínio de “efeito cascata”, todos esses problemas batem também na porta de nossa cidade. Por isso, é muito importante que o eleitor palmense esteja atento às plataformas eleitorais que se apresentarão no pleito deste ano. A jovem capital do Tocantins tem muito a avançar em frentes de diferentes setores, o que seria a melhor forma de prevenção e previdência contra os efeitos dessa grande crise conjuntural. Porém, para tanto, é preciso garantir que se tenha uma FRENTE DEMOCRÁTICA constituída nesta disputa, com a atenção que contemple, minimamente, os seguintes elementos:
1. Gestão democrática e participativa. A gestão urbana de Palmas deve estimular a participação popular em seus processos decisórios, seja pelo incentivo, ativação e estruturação dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas; seja pela organização e realização de conferências e audiências públicas; seja pela edição do orçamento participativo.
2. Planejamento integrado. A otimização dos recursos financeiros, humanos e culturais de uma unidade administrativa se dá quando ela é capaz de planejar as suas atividades de forma integrada, articulando os setores diversos na definição das prioridades e das metas e definindo como elas serão atingidas em curto, médio e longo prazos.
3. Superação da pobreza e da fome. É mister que Palmas esteja em sintonia com os objetivos do Governo Federal Brasileiro, que entende que nesse período pós-pandemia é preciso resgatar a população empobrecida do mapa da fome, da pobreza e da extrema pobreza. Logo, esta ação deve surgir no quadro das prioridades da gestão da Frente Democrática.
4. Geração de emprego e renda. A superação da pobreza e da fome se dá imediatamente com medidas assistenciais, mas se resolve efetivamente com o estímulo à geração de emprego e renda. Assim, é preciso que a próxima gestão municipal de Palmas foque no fomento às pequenas indústrias, indústrias cooperativas, usinas de reciclagem, atividades autônomas, hortas comunitárias urbanas, atividades agrícolas comunitárias rurais, compra direta do campo às escolas e hospitais etc., mediando a relação das organizações empresariais e populares aos órgãos de fomento públicos e privados.
5. Fortalecimento do SUS. Diante do quadro de empobrecimento e de retorno da fome no Brasil e em Palmas, há a fragilização da saúde e se amplia a demanda sobre o SUS. É fundamental a concentração de esforços na atenção à saúde primária, com especial atenção no reforço do Programa Saúde da Família. Na mesma medida, a adesão à nova edição do Programa Mais Médicos e a reorganização dos editais de residência em saúde da FESP, permitindo a contratação de profissionais da saúde em forma de bolsas de estudos e pesquisas, de forma a garantir a ampliação da cobertura. Soma-se a tudo isso a necessidade de se avançar na construção do Hospital Municipal de Palmas, incorporando parte da demanda municipal represada na rede estadual de saúde.
6. Superação da desigualdade socioeducacional e fortalecimento da Educação Básica. Para se fortalecer a Educação Básica é necessário se compreender que o principal fator que inibe o seu pleno desenvolvimento nas redes públicas é a desigualdade, manifesta nas dimensões socioeconômica (pobreza, fome, moradia precária e distante, necessidade da criança ou do jovem dividir os estudos com trabalho, etc.); sociocultural (pais com baixa escolaridade, ausência de livros em casa, internet precária, poucos recursos auxiliares, etc.) e infraestrutura e recursos da escola (escolas desestruturadas, prédios disfuncionais, carência de reforma, falta de recursos auxiliares, etc.). O corpo gestor e docente precisa compreender como que essas dimensões da desigualdade agem sobre o comportamento de seus alunos e desenvolver metodologias apropriadas para minimizar o impacto destes fatores sobre a aprendizagem. Reformas das escolas, formação continuada de professores, bolsa para compra de livros (para alunos e professores) e valorização da formação lúdico-artística estão entre as ações fundamentais para o impulsionamento da Educação.
7. Meio ambiente e energias renováveis. Palmas é uma das três capitais mais quentes do país e é mais que sabido a necessidade de se ampliar a sua cobertura vegetal em Parques lineares (possível em todas as avenidas LO e NS) e em corredores ecológicos (possíveis ao longo dos mananciais que cruzam a cidade). Da mesma forma, a Prefeitura deve iniciar a substituição gradual da fonte de energia dos órgãos municipais, fazendo a transição da energia elétrica para a energia solar a partir da implantação de painéis fotovoltaicos nas escolas, unidades de saúde e prédios públicos.
8. Cultura e lazer. A população palmense, especialmente a juventude, tem um forte engajamento nos movimentos culturais, desportivos e de lazer: hip hop, batalhas de rimas, skate, ciclismos, corridas de rua e de trilhas, academias, capoeira, bandas musicais, teatro, produção audiovisual, literatura etc. É preciso garantir espaços adequados para todas essas práticas de forma descentralizada na cidade, com segurança, fomento e organização. Para as atividades culturais é preciso de políticas perenes, garantindo o fomento anual da economia criativa mediante editais.
9. Desenvolvimento urbano. Apesar de surgir de uma planta, o planejamento urbano de Palmas tem sido transgredido desde as ações iniciais de sua construção. O próprio poder público tem sido o grande responsável por essa transgressão: inicialmente, por provocar a segregação forçada da população empobrecida; depois, por não aplicar devidamente os instrumentos da política e de controle urbanos previstos no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor e também pela fragilização da fiscalização urbana. O resultado disso é uma cidade que se estrutura no tempo com profundas fissuras sociais, sendo gradativamente negada à população de baixa renda. É fundamental se aplicar os instrumentos que visam garantir a função social da propriedade e a justiça social na cidade.
10. Transporte e mobilidade. Reconhecemos o grande salto positivo no transporte público da cidade com a retomada pela Prefeitura de sua gestão e operação. Porém, ainda há que se avançar nessa pauta, garantindo aos estudantes o passe livre; ampliando o número de ônibus nos finais de semana e feriados, para permitir que jovens das periferias possam vivenciar espaços culturais no centro da cidade; criar os terminais de integração, com espaços cobertos, sanitários, quiosques de alimentação, farmácias e unidade da Guarda Metropolitana. A integração nesses terminais deve ser gratuita, permitindo ao usuário do transporte coletivo ampla mobilidade em todo o território do município.
11. Ciência, tecnologia e inovação. Palmas deve se constituir como uma cidade inteligente e o município deve se associar aos esforços de construção do Parque Tecnológico do Tocantins, visando garantir um espaço de diálogo ordinário entre as iniciativas empreendedoras e a cobertura científica e tecnológica permitida pelas academias. A Prefeitura da cidade, juntamente com o Governo do Estado, as universidades, o IFTO, a EMBRAPA, a FIETO, a FECOMÉRCIO, a FEMICRO, a FAET, o SEBRAE, mas também a CUT, a FETAET, o MST e tantas outras organizações e investidores terão nesse espaço a oportunidade de diálogo e interação visando negócios eficientes e sustentáveis.
ADÃO FRANCISCO DE OLIVEIRA
É historiador e sociólogo, doutor e pós-doutor em Geografia, coordenador do Observatório de Políticas Territoriais e Educacionais (OPTE-UFT) e ex-secretário de Educação do Tocantins.
DONIZETI NOGUEIRA
É graduado em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão de Políticas Públicas em e ex-senador da República.