O processo de transição de governo, em nível federal, está previsto na Lei nº 10.609, de 20 de dezembro de 2002. Conforme o próprio nome já diz, trata-se de um processo que ocorre sempre que um novo governo é eleito.
No Município de Palmas tal processo é oriundo da Instrução Normativa TCE/TO nº 2, de 28 de setembro de 2016, tendo como objetivo assegurar transparência e continuidade dos serviços públicos municipais.
Em Palmas a sucessão será entre prefeitos que caminharam juntos na campanha eleitoral, sendo que, mesmo se não tivesse sido previsto no ordenamento jurídico, provavelmente o processo de transição ocorreria devido à amizade entre a gestora que sai e o gestor que entra.
Deve ser observado que no Diário oficial de 14 de novembro de 2024 constou que “a transição governamental envolve o repasse de dados e informações essenciais da gestão municipal ao Prefeito do Município de Palmas, eleito no pleito de 2024.”
É importante que o novo prefeito esteja ciente de todas as informações sobre a contas públicas do município, as atividades de órgãos e entidades da Administração Pública, bem como programas, projetos e ações em andamento no governo vigente, dentre outros pontos.
Alguns detalhes devem ser mencionados. No plano federal, a equipe de transição começa os trabalhos dois dias úteis após a divulgação do resultado das eleições presidenciais e se encerra 10 dias após a posse. Em Palmas, o segundo turno das eleições ocorreu em 27 de outubro de 2024, sendo que a Comissão de Transição foi instituída no dia 14 de novembro e 2024 e sua efetiva instalação ocorreu em 19 de novembro de 2024.
Alguns podem dizer que tal prazo é mais que suficiente para o novo governo inteirar-se da situação da administração. Contudo, o escopo basilar da equipe de transição é ajudar a planejar e organizar a transição, garantindo que as novas autoridades estejam preparadas para assumir suas funções de forma eficiente. E isto demanda tempo!
Constam algumas situações no Decreto que instituiu a Comissão de transição que merecem algumas considerações. No art. 9º, § único consta que
Para fins do disposto no caput deste artigo, documentos e informações considerados sensíveis ou excessivos poderão ter acesso restrito ou negado, nos termos do Decreto nº 462, de 16 de maio de 2013, a fim de resguardar a segurança da informação, mediante decisão fundamentada do Coordenador-Geral de Transição.
Deve ser observado que o art. 39 do Decreto nº 462/2013 dispõe que:
Art. 39. A classificação de informação é de competência:
I – no grau ultrassecreto, das seguintes autoridades:
a) Prefeito;
b) Vice-Prefeito;
c) Secretários Municipais ou equivalentes; (…) (grifei)
Decisões tomadas que possam impactar a futura gestão devem ser informadas ao futuro gestor. Além disso, caso haja tomada de decisão com prazo constitucional ou legal, há de se informar, igualmente, à nova gestão quais são esses prazos e quais as consequências de não cumpri-los. Além disso, informações protegidas por sigilo deverão ser fornecidas pela atual administração na forma e condições previstas em lei.[2]
Como então alguns documentos poderão ter acesso restrito ou negado à comissão de transição, se o novo Prefeito e sua equipe são os responsáveis pelo sigilo dos documentos do município? No meu entender, nada deve ser negado ou restringido aos integrantes da Comissão de transição.
A gestão atual parece querer dar pitáculos naquilo que caberia ao novo prefeito. Indicação de diretores de escola, Programa de Recuperação de Créditos Fiscais (REFIS), eleição da presidência da Câmara Municipal, tudo isso deve ser da alçada do novo prefeito.
Muitos criticam o fato de o governo estadual ter tomado parte no debate das eleições ocorridas na Assembleia Legislativa. Tirando as ilegalidades e possíveis constitucionalidades, o Governador Wanderlei Barbosa agiu certo, pois é de interesse dele ter uma relação harmônica com os deputados estaduais, assim como é do interesse do novo prefeito ter uma relação de boa convivência com os novos parlamentares municipais. Ademais, frise-se, é uma nova legislatura que irá tomar posse no início do ano de 2025, já com outro gestor municipal.
Ademais, qual o interesse do gestor que deixa a Administração Pública em influir em atos interna corporis de um outro poder? Deixa isso para o novo gestor! Apesar de que meu entendimento é que a Câmara Municipal é que deve ditar seus rumos, se alguém tem interesse na composição da mesa diretora da Câmara Municipal é o novo prefeito. Ele é quem vai conviver com os parlamentares e é ele quem será investigado por eles.
Alguns podem dizer que é do interesse do gestor que sai uma Câmara Municipal amiga, que ao debruçar sobre suas contas passadas, exare um parecer favorável… Ora, isso não é democracia, mas sim um compadrio! Isto porque cabe ao gestor fazer uma boa administração independentemente de quem está fiscalizando.
A discussão sobre os rumos da eleição dos integrantes da mesa diretora da Câmara Municipal deve ser realizada entre o prefeito eleito e os novos vereadores. Com isso, o novo governo e os novos vereadores promoverão uma troca de conhecimento e experiências. Qualquer solução diferente dessa, seria submeter o prefeito eleito em segundo turno a um terceiro turno!
Sobre o REFIS, apesar de alguns colegas juristas acharem que o ato levado a cabo no último mês do ano seja legal e constitucional, sempre vi tal situação, feita no apagar das luzes, como algo que poderia prejudicar o jogo democrático. Tal entendimento foi aceito pelo Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO). Se tal REFIS tivesse sido realizado anteriormente, não haveria qualquer problema. Entretanto, como o gestor que sai toma a iniciativa de antecipar ativos futuros, se daqui a menos de 30 (trinta) dias um novo gestor será o timoneiro da Administração Pública municipal?
No meu entender essa medida deveria ter tido o aval do novo prefeito, pois será ele que aplicará esses ativos futuros.
Sobre a eleição para diretor de escolas, entendo que não é o momento apropriado. Os participantes concorrerão a uma lista tríplice, cuja escolha será feita pelo novo prefeito. Ora, já que estamos no final do ano de 2024, porque não deixar isso para o ano que vem?
São muitas as atividades a serem exercidas pela Comissão de Transição. Destaco que os órgãos e entidades da Administração Pública municipal deverão elaborar e estar aptos a apresentar à equipe de transição os seguintes relatórios[3]:
• Relatórios sobre a situação financeira do Município, com números das contas, das agências e dos bancos; dos demonstrativos dos saldos disponíveis, dos restos a pagar, da relação dos documentos financeiros de longo prazo; dos valores médios mensais recebidos a título de transferências constitucionais; inventário de dívidas e haveres, e da comprovação de regularidade com a previdência;
• Relatórios referentes aos contratos, com todos os contratos de execução de obras, consórcios, convênios e outros, pagos e a pagar;
• Relatórios com os bens e patrimônios, que devem trazer relação atualizada dos bens patrimoniais e o levantamento dos bens de consumo existentes no almoxarifado;
• Relatório atualizado da estrutura funcional, contendo demonstrativo do quadro de servidores, incluindo lotação e descrição das atividades realizadas;
• Levantamento de assuntos que sejam ou possam resultar em processos judiciais ou administrativos;
• Principais ações, projetos e programas em execução, interrompidos, finalizados ou que aguardam implementação também devem constar de relatório;
• Deverão fazer parte de relatório específico os atos expedidos no ano eleitoral que tratem de reajuste de vencimentos, nomeações, admissões, contratação ou exoneração de ofício, dispensa, transferência, designação, readaptação ou supressão de vantagens de qualquer espécie do servidor público.
Por fim, não podemos deixar de mencionar a importância da existência da estabilidade administrativa e política. A Comissão de transição deve agir para diminuir incertezas e garantir que a governança continue a funcionar de maneira adequada durante o período de transição. Se queremos ser uma grande uma grande entidade federativa (seja Estado ou Município), temos que parar de agir como provincianos!
LUIZ FRANCISCO DE OLIVEIRA
[1] Advogado; Doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT, 2019); Especialista em Direito em Administração Pública; Especialista em Direito Processual Civil; Especialista em Direito Político e Eleitoral; Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico; Ex-Advogado da União (AGU); Promotor de Justiça Aposentado do Ministério Público do Estado do Tocantins; Ex-Integrante do Grupo de Trabalho Racismo e Igualdade Racial da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC/PGR; Fundador do Escritório Luiz Francisco Advogados. https://luizfranciscoadvogados.com.br/.
[2] Manual de Transição Municipal – Parte 1. Disponível em: https://www.gov.br/planejamento/pt-br/assuntos/articulacao-institucional/publicacoes/manual-de-transicao-municipal/manual-de-transicao-municipal/.
[3] Manual de Transição Municipal – Parte 1. Disponível em: https://www.gov.br/planejamento/pt-br/assuntos/articulacao-institucional/publicacoes/manual-de-transicao-municipal/manual-de-transicao-municipal/.