Caro ministro Flávio Dino,
Gostaria de cumprimentá-lo pela lúcida e republicana decisão sobre o caso das emendas parlamentares. É inadmissível que tamanho volume de recursos públicos — e ainda que fosse apenas 1 real — seja destinado a municípios e entidades sem claramente sabermos, no caso da chamada “emenda PIX”, o objetivo e quem está enviando. O Congresso Nacional — que vive a pior e mais baixa legislatura de toda a história brasileira desde o império — desdenha da população ao manusear a seu bel-prazer tanto dinheiro retirado do suor dos contribuintes. Como o senhor escreveu em sua decisão, coberto de razão, “é de clareza solar que jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público, em tão poucos anos”.
Na verdade, ministro, essa questão das emendas virou um fim em si mesmo de toda a atividade parlamentar do País, seja em Brasília, nas assembleias ou nas câmaras municipais. Esse Congresso — repito: o mais desqualificado de nossa história — dá exemplo claro do câncer em metástase em que se transformaram as emendas ao ameaçar parar matérias de interesse nacional a qualquer tentativa de se moralizar sua utilização, de dar transparência, de mostrar quem é o “padrinho” e qual a sua finalidade. É como se Câmara e Senado tivessem tomado o País de refém. Ou faz-se o jogo antirrepublicano dos congressistas, ou eles emperram o Brasil.
Assistimos esse mesmo filme na Assembleia do Tocantins no último governo Marcelo Miranda (2015-2018). O Estado se tornou refém: ou o Palácio pagava as emendas, ou nenhuma matéria tramitava. E isso ocorreu num momento em que servidores tinham datas-base e progressões represadas, folha sendo liquidada somente no dia 12, Plansaúde volta e meia suspenso por falta de pagamento e fornecedores sem receber. Mas nossas Excelências exigiam o resgate das emendas — a maioria delas para shows — para liberar projetos de fundamental importância o para o Tocantins.
Caro ministro Dino, o pano de fundo deste debate não são os interesses nacionais, estaduais ou municipais. Até porque o objetivo não é atender nossas grandes demandas, mas, simplesmente, satisfazer os redutos eleitorais para amarrar prefeitos para as próximas eleições. É a lógica do funcionamento das emendas no Congresso e nas assembleias legislativas. Cada centavo desses recursos que pertencem aos contribuintes deveria ser usado de forma planificada, de acordo com as prioridades do País, objetivando, primeiro, o desenvolvimento regional e nacional; e, depois, suprir as carências municipais, conforme um planejamento estratégico que definiria, segundo a real necessidade, onde e quantas escolas, creches, unidades de saúde, entre outros, seriam construídas.
Já ouvi prefeito me dizer que não queria mais receber creches impostas por parlamentares porque não teria como mantê-las. Assim, não estranha que prédios construídos estejam abandonados por todo o território nacional. Muitas vezes se deve exatamente à falta de planejamento. Sem falar dos esquemas mil, em que parlamentar chega à prefeitura com a emenda numa mão e a empreiteira que deve ganhar a licitação na outra. E o que dizer de senador ou deputado que envia recursos para outros Estados? No mínimo caberia na hora uma profunda investigação.
Enfim, ministro, parabéns ao senhor e seus colegas por essa decisão republicana, ainda que saibamos todos que o Congresso vai exigir resgate do Executivo, ou vai parar o País para continuar fazendo sua política eleitoreira à custa dos interesses nacionais. Mas, sinceramente — e repito com profundo pesar –, deste que é o pior Parlamento desde o império não espero absolutamente nada de bom.
Saudações democráticas,
CT