Caro prefeito Josemar Kasarin,
Era previsível que sua fala estapafúrdia dirigida à vereadora Naiara Miranda no dia 3 extrapolaria em muito os limites de Colinas e as divisas do Tocantins. Você é uma pessoa que procura ser divertida para agradar seus eleitores, mas o local em que proferiu a frase “Tu te prepara que aqui a bala pega” não era para brincadeiras nonsense — a tribuna da Câmara — e o contexto em que foi proferida exigia, sim, preocupação da sociedade com a parlamentar.
Veja, prefeito: você ficou visivelmente irritado quando a vereadora pediu o aparte e ainda tentou impedi-la de falar, questionando a intenção dela ao querer se manifestar, o que não lhe cabia. Ali o prefeito é mero convidado, não membro do Parlamento. Por isso, como podemos ter certeza de que a frase “Tu te prepara que aqui a bala pega” não passava de uma “brincadeira” como alegado no vídeo em que procurou se defender?
Como levar uma frase dessas “na brincadeira” num Estado em que o feminicídio cresceu 40,74% só nos primeiros sete meses do ano passado? Podemos desconsiderar os riscos à Naiara num país com casos de assassinatos de representantes populares que chocaram o Brasil, como o da também vereadora Marielle Franco, no Rio? Não que estou dizendo que você faria isso, não acredito. O que digo é que o histórico do País e do Estado exige precaução. Para você ver o tamanho da inadequação de sua fala e como lhe faltou a dimensão do peso político do que disse.
E precisamos, prefeito, valorizar a participação das mulheres na política. Elas representam mais da metade do eleitorado, mas detêm irrisórios 21% dos cargos de prefeito, vice e vereador. As mulheres foram apenas 7,46% dos eleitos para comandar prefeituras tocantinenses no ano passado, somente 10,75% delas conquistaram vaga de vice-prefeita e só 20,8% se tornaram vereadoras, conforme o Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO). Em 2022, não elegemos nenhuma mulher deputada federal, a primeira vez que isso ocorreu no Estado desde 1998; e, na Assembleia, o número de cadeiras do bloco feminino caiu de cinco para três.
Diante da necessidade de aumentarmos essa representatividade feminina, no que contribui o tratamento que dispensou à vereadora Naiara no fatídico dia 3, tendo sido intencional ou não, para usar a justificativa de seu vídeo? Como garotas como ela, talentosas e vocacionadas à vida pública, receberam esse episódio com o prefeito de sua cidade fazendo uma “brincadeira” tão agressiva a uma igual? Viram-se mais estimuladas? Ou pensaram que é melhor ficarem recolhidas, não se exporem a tamanho constrangimento e a ato, claramente, intimidatório?
Por isso, inclusive, a importância de Naiara reagir como reagiu: com altivez, firmeza e demonstração de que está disposta a seguir em sua missão de servir a comunidade. Essa coragem dela, como o mau exemplo de sua fala, afetam diretamente garotas e mulheres que sonham em ingressar na política.
Não tenho condições, prefeito, de dizer se sua frase despropositada foi “brincadeira” ou não, porque seria um palpite muito subjetivo. Contudo, os dois fatos elencados no início desta missiva podem ser analisados objetivamente: o local em que foi dita — a Câmara — não é para divertimento, entretenimento ou qualquer coisa do gênero; e sua visível irritação ao proferir as lamentáveis palavras exigia que elas fossem, sim, levadas a sério.
Você pode, prefeito, estimular ou desencorajar as pessoas a ingressarem na vida pública, sobretudo as mulheres. Sendo um ser humano extrovertido e, como afirmou em seu vídeo, com um “coração cheio de boa intenção, que não tem maldade nenhuma”, opte pela primeira postura: procure animar nossas jovens de vocação a escolherem a política. Mostre que é um lugar seguro, em que elas são muito bem-vindas, onde poderão ser extremamente úteis para o desenvolvimento de suas comunidades.
Estou convencido de que precisamos de centenas de Naiaras espalhadas pelas câmaras, prefeituras, Assembleia, Palácio e Congresso Nacional. Elas fazem a diferença na política. Não tenho a menor dúvida.
Saudações democráticas,
CT