O Pix transformou a forma de movimentar dinheiro no Brasil. Criado pelo Banco Central em 2020, o sistema se popularizou rapidamente pela velocidade, gratuidade e praticidade, sendo utilizado por mais de 150 milhões de brasileiros. Hoje, é impossível falar de economia cotidiana sem mencionar o Pix.
Porém, ao mesmo tempo em que trouxe comodidade, o sistema abriu espaço para o crescimento de uma prática criminosa que vem afetando milhões de pessoas: o golpe do Pix. Segundo pesquisa do Datafolha/Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2025), cerca de 14% da população já foi vítima de algum tipo de fraude envolvendo o Pix ou boletos falsos, o que representa 24 milhões de brasileiros e prejuízo estimado em R$ 29 bilhões.
Como funcionam os golpes
Os golpes acontecem de diferentes formas, mas todos exploram confiança e vulnerabilidade da vítima. Entre os principais:
– Engenharia social: criminosos se passam por parentes, amigos ou empresas para induzir a vítima a transferir dinheiro;
– Links e mensagens falsas: simulam promoções ou urgências, levando o consumidor a agir com pressa;
– Contas “laranjas”: abertas sem rigor bancário, usadas para receber e esvaziar rapidamente os valores;
– Sequestro-relâmpago e coação: a vítima é obrigada a transferir quantias sob ameaça física;
– Fraudes digitais sofisticadas: uso de vírus, clonagem de aplicativos ou invasão de contas.
Quem responde pelo prejuízo?
É comum ouvir: “quem mandou o Pix perdeu”. Essa visão, porém, não é correta do ponto de vista jurídico.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê que o banco ou instituição financeira responde objetivamente pelos prejuízos, isto é, independentemente de culpa, sempre que houver falha na prestação do serviço. Isso inclui:
– abertura descuidada de contas falsas;
– fragilidade no sistema de segurança;
– demora ou ineficiência em bloquear valores após comunicação de fraude.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforça esse entendimento em sua Súmula 479: ‘As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias’.
Além disso, o Banco Central do Brasil impõe às instituições financeiras a obrigação de adotar políticas rígidas de KYC (Know Your Customer – Conheça Seu Cliente)e de PLD/FT (Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo).
Essas políticas não são meramente formais: consistem em procedimentos de verificação da identidade, análise do perfil e monitoramento das operações dos clientes, justamente para impedir a abertura e utilização de contas por pessoas interpostas (“contas laranjas”) destinadas a práticas ilícitas.
Quando o banco falha nesse dever de diligência e permite a abertura ou manutenção de contas sem a devida checagem de dados e origem dos recursos, incorre em descumprimento de normas regulatórias e de segurança. Nesses casos, pode ser responsabilizado civilmente pelos prejuízos causados a terceiros de boa-fé que foram vítimas de golpes, como ocorre nos casos de transferências via Pix para contas fraudulentas.
O MED e a devolução de valores
Em 2021, o Banco Central criou o Mecanismo Especial de Devolução (MED), operacionalizado pelo DICT (Diretório de Identificadores de Contas Transacionais). Esse sistema permite o bloqueio cautelar de valores transferidos em golpes e, em certas situações, a devolução ao consumidor.
Na prática, porém, ainda há limitações: bancos muitas vezes alegam necessidade de investigação, criminosos fracionam os valores em várias contas, e a comunicação entre instituições ainda é falha. O MED representa um avanço, mas não é suficiente. Por isso, a via judicial continua sendo o principal instrumento para garantir reparação.
Como deve agir a vítima de golpe com Pix
Diante de uma fraude envolvendo o Pix, a reação imediata é fundamental para aumentar as chances de recuperação dos valores e de responsabilização dos envolvidos. As principais medidas são:
1-Comunicar o banco e solicitar o acionamento do Mecanismo Especial de Devolução (MED), exigindo o bloqueio cautelar das quantias transferidas;
2-Registrar boletim de ocorrência (B.O.) de forma imediata, detalhando circunstâncias, valores e informações disponíveis sobre os criminosos;
3-Preservar todas as provas, como comprovantes de transferência, prints de conversas, e-mails, áudios e quaisquer registros que demonstrem a fraude;
4-Formalizar reclamação administrativa junto ao Procon, ao Banco Central, bem como em plataformas de solução de conflitos (Reclame Aqui e Consumidor.gov.br), que registram a conduta da instituição e pressionam por solução;
5-Ingressar judicialmente, quando necessário, para requerer a restituição integral do valor subtraído, acrescida de correção monetária e juros.
Além disso, a Justiça tem entendido que, além da devolução do dinheiro, há hipóteses em que cabe dano moral, especialmente quando a fraude gera sofrimento que vai além do prejuízo financeiro: impossibilidade de pagar contas, sensação de insegurança, angústia.
Precauções do consumidor e limites da responsabilidade dos bancos
Embora os bancos tenham responsabilidade objetiva, o consumidor também deve adotar medidas de segurança, já que algumas práticas são de responsabilidade exclusiva do usuário. Entre as principais:
– Não confiar em mensagens inesperadas;
– Conferir os dados do recebedor antes de confirmar a transferência;
– Desconfiar de promoções fora do comum;
– Ativar limites de valor e horário para transferências;
– Evitar usar redes públicas para operações bancárias.
O STJ também já reconheceu situações em que o banco não é responsável, por exemplo:
– quando o consumidor fornece senha ou token a terceiros;
– quando ignora alertas de risco do aplicativo;
– quando há negligência extrema do cliente.
Nesses casos, entende-se que o ato é de responsabilidade exclusiva da vítima (consumidor).
Análise individual: fator decisivo nas ações judiciais sobre o Pix
No exercício diário da advocacia, é comum receber relatos de consumidores vítimas de golpes via Pix. São situações variadas: transferências feitas sob coação, mensagens falsas, contas laranjas. Não existe fórmula única. Cada caso deve ser analisado de forma isolada: verificar se houve falha do banco, se o consumidor tomou precauções mínimas e qual o prejuízo real.
Essa análise individual é crucial porque a decisão judicial pode variar conforme as provas. Em alguns processos, o banco é condenado a devolver valores e pagar indenização; em outros, reconhece-se a culpa exclusiva da vítima.
Conclusão
O golpe do Pix não é apenas consequência de distração do consumidor: ele também reflete falhas no sistema bancário e nos mecanismos de fiscalização. As instituições financeiras têm o dever de investir em segurança e responder sempre que deixam brechas que possibilitam a ação de criminosos.
Para o consumidor, a principal mensagem é: não se culpar, mas também não abrir mão da própria vigilância. A lei garante proteção e responsabiliza os bancos quando há falha, mas o usuário deve adotar cautelas mínimas, como desconfiar de contatos inesperados, verificar dados antes de confirmar transferências e utilizar os limites de segurança disponíveis nos aplicativos.
O caminho é agir rápido, reunir provas e, se necessário, recorrer ao Judiciário para buscar a reparação dos prejuízos.
Enquanto a tecnologia avança, consumidores, bancos e autoridades precisam atuar de forma conjunta. O Pix veio para ficar, e sua segurança depende tanto da diligência das instituições quanto da atenção diária dos usuários.
ANDRÉ CAVALCANTE
Advogado especialista em Direito do Consumidor, com 17 anos de atuação na área.