Um marco jurídico de alcance mundial
No dia 11 de setembro de 1990, foi promulgada a Lei nº 8.078, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O diploma inaugurou no Brasil uma nova era na tutela das relações de consumo, conferindo centralidade à proteção do consumidor como parte vulnerável da relação contratual.
O CDC é reconhecido como uma das legislações mais avançadas do mundo em matéria consumerista, inspirando modelos normativos em outros países e servindo de referência em organismos internacionais. Seu caráter principiológico, aliado à objetividade de dispositivos sancionadores, fez com que o Brasil assumisse protagonismo global no tema.
Avanços consolidados
Responsabilidade objetiva do fornecedor, que transferiu ao mercado o risco da atividade e simplificou a reparação de danos.
Inversão do ônus da prova, ferramenta que corrige a desigualdade entre consumidor e fornecedor, deslocando para este último o dever de demonstrar a regularidade de sua conduta.
Repressão às práticas abusivas, como a venda casada, a publicidade enganosa e as cláusulas leoninas, hoje reconhecidas como ilegítimas.
Fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, com a estruturação dos Procons, a atuação incisiva do Ministério Público e a mobilização de entidades civis.
Direito à informação e ao arrependimento, que garantem escolhas conscientes e a possibilidade de desistência nas contratações fora do estabelecimento, cada vez mais frequentes no comércio eletrônico.
Proteção contra o superendividamento, com a Lei 14.181/2021, que instituiu mecanismos de prevenção e renegociação, enfrentando um dos maiores dramas sociais contemporâneos.
Essas conquistas conferiram densidade prática ao princípio constitucional da defesa do consumidor, transformando-o em instrumento de efetiva cidadania.
Gargalos e desafios atuais
Apesar dos avanços, persistem desafios estruturais:
Judicialização excessiva das relações de consumo: o volume expressivo de ações evidencia tanto a sobrecarga do Judiciário quanto a insuficiência de mecanismos preventivos e administrativos de resolução de conflitos.
Assimetria informacional: produtos e serviços financeiros e digitais tornam-se cada vez mais complexos, ampliando a distância entre consumidores vulneráveis e fornecedores altamente especializados.
Práticas abusivas sofisticadas: fraudes eletrônicas, golpes digitais e manipulações em plataformas online desafiam a eficácia dos instrumentos clássicos de tutela.
Desafios regulatório: Complexidade regulatória diante da consolidação da economia de dados, da utilização de inteligência artificial nos mercados de consumo e da crescente globalização do comércio eletrônico.
Perspectivas para o futuro
A evolução do direito do consumidor no Brasil tende a se articular em três eixos estruturantes:
Educação para o consumo consciente – promover políticas públicas e iniciativas privadas voltadas à formação cidadã, de modo a prevenir litígios e incentivar escolhas responsáveis.
Integração entre regulação e tutela coletiva – ampliar a efetividade de instrumentos como as ações civis públicas e os termos de ajustamento de conduta, garantindo soluções estruturais e de alcance social mais amplo.
Aprimoramento da proteção digital – harmonizar o CDC às exigências da sociedade em rede, em diálogo com a Lei Geral de Proteção de Dados e com marcos regulatórios emergentes em inteligência artificial e economia digital.
Essas diretrizes projetam um cenário em que o consumidor não apenas reage a violações, mas participa ativamente da construção de um mercado mais equilibrado, transparente e sustentável.
Conclusão
Passados 35 anos, o Código de Defesa do Consumidor segue como um dos maiores avanços legislativos do país, consolidando-se como referência internacional. Mas, diante da sofisticação das práticas de mercado e da revolução digital, é necessário redobrar esforços de atualização legislativa, atuação regulatória e conscientização social.
O aniversário do CDC, celebrado em 11 de setembro, é oportunidade não apenas de comemorar conquistas, mas também de refletir sobre os desafios e as perspectivas futuras para que o sistema continue a garantir equilíbrio, transparência e justiça nas relações de consumo.
ANDRÉ CAVALCANTE
Advogado especialista em Direito do Consumidor, com 17 anos de atuação na área.