A violência contra as mulheres está presente em todas as classes sociais e em épocas distintas. Mulheres que muitas vezes optam por abandonar tudo, inclusive família, para não denunciar seus agressores. Nessa cultura extremamente machista, Maria José Batista, 93 anos, foi mais uma vítima e teve que viver a pior de todas as dores: separar-se dos filhos.
Contudo, uma outra mulher, Maria Aparecida Cordeiro dos Santos, 39 anos, amiga da idosa, se sentiu tocada com sua história e resolveu aquietar o coração dela, que há 63 anos sonha reencontrar os dois filhos e familiares.
Maria Aparecida contou que, conforme o relato de dona Maria José, ela fugiu de casa, em 1955, com seu cunhado Felipe Carlos de Oliveira, ex-marido de uma irmã dela. “Na época, ela tinha 30 anos e trabalhava na roça da Fazenda São Joaquim e ele, que era vaqueiro na Fazenda Maribondo, tinha 53 anos. Ambas localizadas em Formoso (MG)”, contou.
Apesar da fuga em companhia do vaqueiro, Maria José, ainda muito lúcida, afirma que não se tratou de um caso de amor, mas pelos maus-tratos que sofria por parte do, então, marido Salviano Xavier. “Dona Maria conta que não foi um caso de amor, ela relata que sofria maus-tratos por parte do esposo. Então, decidiu fugir por conta própria, aproveitou uma oportunidade quando teve que viajar para retirar dentes do qual sentia muita dor e fugiu da sua casa. No caminho, ela encontrou com o cunhado, que estava indo para Goiânia visitar os filhos. Porém, ela conta que sabia que ele mantinha sentimentos por ela e, quando ainda era solteira, queria desposá-la, na época, ela rejeitou”, contou.
Pousadas
Segundo relatos de Maria Aparecida, na fuga, Maria José e Felipe pousaram primeiramente no município de Arraias do Tocantins, na fazenda Boa Nova, onde ficaram sendo vaqueiros por um ano. “Além dessa fazenda, eles passaram por outras na mesma cidade. Depois foram para a Fazenda Buriti Alegre, em Taipas, Tocantins, e ficaram nessa região por muito tempo até chegar no município de Dianópolis e morar na cidade. Eles ficaram juntos por 40 anos”, disse.
Novo relacionamento
Ainda que Maria José tenha afirmado que não havia sentimento entre eles na época da fuga, o tempo se encarregou de brotar uma semente e dela germinasse uma vivência compartilhada por quatro décadas. “Sim, segundo dona Maria, eles tiveram um relacionamento lindo. Ela conta que o senhor Felipe era muito bom para ela, que era carinhoso, que cuidava dela como ninguém e que ele era apaixonado por ela. Eles não tiveram filhos. Amigos do casal relatam que, como ele era mais velho que ela, dona Maria não mediu esforços para ajudá-lo em seus afazeres. Ela trabalhava ao lado dele como vaqueiro. Campeava gado e tirava leite. Dona Maria trabalhava ao lado dele como se fosse um homem mesmo. Foi companheira mesmo até o final da vida dele”, enfatizou Maria Aparecida.
Arrependimento
Sem esconder as lágrimas que fazem brilhar seus olhos a lembrar da sua história, Maria José afirma que está arrependida de ter abandonado os dois filhos. “Na época, ela deixou dois filhos, um de 7 anos e outro de 10 anos. Dona Maria relata que se arrependeu muito de tê-los deixado, por muitas vezes chorou e pensou em voltar, porém tinha medo que seu ex-marido a matasse, pois quando estava com ele e manifestava o desejo de se separar dele, ele dizia que a mataria caso isso acontecesse. Também tinha vergonha de seus familiares e medo que seus filhos não aceitassem ela”, relatou.
Maria Aparecida foi questionada com quem as crianças ficaram. “Ela conta que os filhos ficaram na companhia do pai deles na Fazenda São Joaquim, mas ela sabia que sua mãe e familiares logo pegariam eles para criar. Ela afirma que sonha reencontrar seus filhos. Queria vê-los e saber como estavam, porém, tinha receio de não ser aceita”, disse a amiga lembrando que um deles já faleceu.
Localização da família
Maria Aparecida relatou como localizou a família da idosa em Formoso (MG). “No dia 7 de julho desde ano, minha sogra me ligou pedindo para ir em sua casa, pois dona Maria não estava bem. Dona Maria vive em uma quitinete nos fundos da casa da minha sogra. Disse que dona Maria queria localizar os filhos pois estava com medo de morrer sem notícias deles. Fui ao seu encontro, anotei o nome deles, de alguns se seus irmãos e o da cidade dela. Decidi não procurar nas redes sociais por que o filho dela já está com mais de 70 anos e talvez não tivesse rede social. Fiz então uma busca na internet pela prefeitura de Formoso (MG) e peguei o contato da prefeitura. Conversei com uma assistente social e contei toda a história, logo ela disse que tinha um caso idêntico na cidade e que desde criança ela sempre ouviu a história de uma mulher que fugiu com o cunhado deixando dois filhos com os mesmos nomes que eu estava procurando. Daí a assistente social entrou na mesma hora em contato com o neto de dona Maria e me passou o telefone dele. Com isso a história se confirmou”, narrou a amiga.
Ela garantiu que a família, quando soube de Maria José, ficou feliz. “Logo toda a família ficou sabendo e ficou feliz. Eles me ligaram. Conversaram com ela. A irmã dela desmaiou de tanta alegria e estão se organizando para virem ao encontro dela. Dona Maria tem apenas um filho vivo, três irmãos vivos, netos, bisnetos e sobrinhos. Uma família enorme que sempre a procurou e que está ansiosa para reencontrá-la”, afirmou.
Reencontro
Segundo Maria Aparecida, está previsto um reencontro para a última semana de julho. “Mas não descartamos que seja realizado antes, pois o filho dela está resolvendo uns problemas pessoais no Rio de Janeiro e, caso termine antes, ele provavelmente virá vê-la. Dona Maria não tem condições hoje de realizar uma festa, porém nós, que a conhecemos, estamos disponibilizando nossas casas para receber a família dela e confraternizar com ela esse momento”, contou emocionada a amiga considerada o anjo responsável pela realização do sonho de Maria José.
Residência
Atualmente Maria José Batista reside sozinha em uma quitinete na cidade de Dianópolis, Tocantins. “Mas ela conta com a vizinha que é sua comadre, amigos que sempre estão visitando e ajudando em sua casa. A fonte de renda dela é uma aposentadoria como lavradora. Sempre que posso, faço uma visita a ela e também vou com ela ao banco para ajudá-la”, concluiu.