A criação de um grupo denominado “Grupo dos 100 anos do Barulho” composto por alguns conterrâneos lá da minha Dianópolis (GO/TO), agrega pessoas de todas as tendências, opiniões e níveis acadêmicos, desde membros da Academia de Letras como de outros segmentos, e foi criado com o intuito de resgatar para a história atual e futura os verdadeiros motivos que levaram ao lamentável episódio ocorrido em 16 de janeiro de 1919, quando foram ceifadas tantas vidas, em especial dos nove mártires que foram sacrificados tão somente por manterem um elo de amizade e parentesco com uma das partes envolvidas nas desavenças da época.
Buscando esclarecer ou mesmo trazer uma luz mais evidente sobre os fatos, vários pesquisadores saíram à campo em busca de informações e registros bibliográficos.
Embora o livro o “Tronco”, do incomparável escritor goiano Bernardo Elis aborde o assunto, ele não traz em sua narrativa o que na realidade ocorreu, vez que se trata mais de um romance do que um documentário sobre aquele dia fatídico. Mesmo reconhecendo o alto valor literário da obra, como não poderia deixar de ser, o referido autor, quando em vida, nunca se dignou a conhecer a região onde se originaram todos os fatos, contentando-se, tão somente em ouvir uma das partes envolvidas que à época da produção do livro residia em Goiânia, Capital de Goiás e por pesquisas em arquivos na Biblioteca Nacional na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil.
“Quinta-feira sangrenta”, um livro escrito pelo historiador e professor Osvaldo Póvoa, talvez seja a fonte mais fidedigna dos fatos a despeito de tantos outros que versam sobre o mesmo assunto.
[bs-quote quote=”Sugiro que nos atenhamos ao heroísmo dos sobreviventes pais, mães, irmãos, filhos e familiares em geral, que a despeito das decepções e angústias, souberam a tudo superar e continuaram na dura tarefa de construir um futuro sem mágoas” style=”default” align=”left” color=”#ffffff” author_name=”José Cândido Póvoa” author_job=”Poeta, escritor e advogado” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/03/JoseCandido-PovoaNova60.png”][/bs-quote]
Como questionei no grupo, do qual faço parte pelo whatsapp, para que alguém esclarecesse a utilização e o porquê do termo “O Barulho de 1919 no povoado do Duro”, hoje Dianópolis, e recebo do primo Aurélio Póvoa Araújo a explicação mais plausível sobre o tema.
Diante das pesquisas realizadas, ele acentua que tudo começou com a interrupção do ciclo de crescimento de Santa Rita do Rio Preto, uma cidade situada no interior da Bahia, não tão distante de Dianópolis, não só pela súbita queda de preço da borracha de maniçoba, como, também, e principalmente, por causa da morte do coronel Taciano Rodrigues Araújo, então chefe político do município, que foi assassinado por seus adversários políticos em agosto de 1909.
A resposta veio logo em seguida. Em 18 de agosto do mesmo ano, parentes e amigos do coronel Taciano se envolveram no assassinato do Cel. Francisco Sidney da Costa, a quem julgavam ser o mandante da morte de Taciano. Esses atentados suscitaram novos desejos de vingança por parte dos adversários, resultando daí uma longa série de crimes praticados de parte a parte pela liderança política do município.
As sangrentas lutas armadas entre facções políticas, ocorridas tanto em Santa Rida de Cássia quanto em Formosa do Rio Preto, ambas cidades do Estado da Bahia, entre 1908 e 1922, época do coronelismo de sertão, ficaram conhecidas como “Barulhos”.
Eis a explicação do termo que encabeça um belo trabalho de resgate da história e que espero em breve estar ao alcance daqueles que se interessam em conhecer uma parte da história que envolve tantas famílias de Dianópolis, situada no antigo Nordeste de Goiás, que por muitas décadas foi conhecido como corredor da miséria e que hoje se transformou numa próspera região do Sudeste do Tocantins.
Os episódios ocorridos há 100 anos podem ser definidos não sob aspecto social ou psicológicos como alguns querem fazer, mas sob a dura realidade de que tratavam-se apenas de lutas por poder ou vinganças de todos os lados e que originavam assaltos aos mais abastados com muitos furtos para manterem as milícias de jagunços.
Nesse intuito criou-se o grupo a que me referido no primeiro parágrafo, constituído de filhos da nossa Dianópolis e que visa preparar um documentário sobre o episódio, que completará como já disse, cem anos em janeiro de 2019.
Em princípio aliei-me à ideia que é capitaneada pelas primas e primo, respectivamente, Noélia Costa, Juçara Póvoa e o primo Abílio Wolney. Mas com o decorrer do tempo e após acirradas discussões, vi, infelizmente, a ideia central do trabalho descambar para trocas de farpas e colocações ofensivas de todos os lados. Foi quando parei de acessar as postagens do grupo no whatsapp e meditando sobre todo o contexto constato que existem muitos Pilatos no credo do Barulho!
E após esse pequeno interregno que concedi ao meu silêncio e muito refletir sobre as motivações da criação do magnífico trabalho da comissão, chego à conclusão de que me cabe, enquanto membro da Academia Dianopolina de Letras, que tem como meta precípua resguardar a cultura e as letras de nossa terra, e creio que ainda em tempo, atrever-me sugerir que o grupo se atenha tão somente a reconstituir e não reconstruir a história como ela ocorreu; que esqueçamos os motivos que levaram esses ou aqueles a agirem dessa ou daquela forma; que aqueles que queiram conhecer mais a fundo o que aconteceu, que pesquisem e leiam as mais variadas versões sobre o ocorrido e parem de dar palpites infundados ou buscados em historiadores que não conhecem o âmago, o cerne da história; que aproveitemos a oportunidade para ouvirmos alguns remanescentes daquela época ou mesmo irmãos mais velhos, filhos ou netos que trazem guardadas na memória as narrativas feitas por seus ascendentes.
Sugiro que nos atenhamos ao heroísmo dos sobreviventes pais, mães, irmãos, filhos e familiares em geral, que a despeito das decepções e angústias, souberam a tudo superar e continuaram na dura tarefa de construir um futuro sem mágoas, rancores ou o que os valham; que souberam formar gerações que respeitavam os envolvidos no sangrento episódio, que me lembro bem eram tratados como tios, compadres e amigos, indistintamente; que saibamos todos, em especial as mais novas gerações, como nossos antepassados sobreviventes, repito, após o 16 de janeiro de 1919, escrever a nova história que começou após aquele dia, essa sim, de conquistas e sucessos na vida de cada um de nós, que por certo, como eu, não encontraram facilidades para ocupar o lugar que nos coube e cabe na reconstrução da nossa terra natal, dos nossos Estados de Goiás e Tocantins e da Pátria brasileira, e mais importante, ainda, de nossas famílias, a exemplo de todos descendentes dos envolvidos naquele trágico episódio, uns que já fizeram e os atuais que continuam a honrar e dignificar a nossa terra e nossa gente.
Que as discussões e os trabalhos se atenham apenas e tão somente na preparação das atividades e solenidades que serão levadas a cabo no próximo ano e já em elaboração pela excelente comissão organizadora, quando, então, estaremos reverenciando e homenageando as memórias dos falecidos através de um culto ecumênico e agradecendo a força dos que souberam superar os traumas, reveses e sofrimentos a que foram submetidas todas as famílias de nossa Dianópolis, sem exceção.
Que possamos, todos nós, entendermos e vivenciarmos o que nos ensinou o Apóstolo Paulo: “Quando somos sinceros, estamos em repouso invulnerável, mas cada um aceita a verdade como pode. Pensa, pois, e entende como puderes.”
Quem tem ouvidos que ouça que tem olhos que veja!
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
Poeta, escritor e advogado. Membro fundador da Academia de Letras de Dianópolis (GO/TO)
jc.povoa@uol.com.br