No âmbito das comemorações do aniversário de 31 anos do Estado do Tocantins, tanto do ponto de vista da história como também do que é escrito sobre essa história, se faz necessário alguns apontamentos. Primeiro, como sabemos, a história do Tocantins está vinculada à de Goiás até o final do século passado, quando, em 5 de outubro de 1988, a promulgação da nova constituição desmembrou o território de Goiás, dando origem ao Tocantins. Ou seja, qualquer que seja o olhar, a história do Tocantins parte da história de Goiás.
[bs-quote quote=”Qual a importância de se ter em mente essas três leituras possíveis sobre a história do Tocantins? Primeiro, conhecer é caminho para a formação de uma consciência, tanto do ponto de vista cognitivo, quanto do ponto de vista do pertencimento” style=”default” align=”right” author_name=”RAYLINN BARROS DA SILVA” author_job=”É doutorando e mestre em História” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/raylinn-barros-180.jpg”][/bs-quote]
Segundo, é importante registrar que os verdadeiros construtores dessa história são as pessoas comuns, o povo que há muito habita essa região e que sem eles, não haveria nada a se registrar sobre esse percurso histórico. Muito se debate, quando se refere à história, sobre os papeis dos sujeitos que a constroem. Do ponto de vista metodológico, sempre optei em buscar no povo comum, os verdadeiros construtores da história, não que determinados sujeitos não tenham tido papel relevante em determinados processos, mas mesmo esses sujeitos ditos “privilegiados” no processo, nada fariam se não existissem os ditos “anônimos” da história.
Ao considerarmos o povo comum como os verdadeiros construtores da história do Tocantins, resta uma reflexão: O que se tem escrito sobre a história do Tocantins, suas histórias? Destacam-se três leituras: a política, a didática e a acadêmica. Sobre a leitura política, ela tem suas raízes na figura do desembargador Joaquim Teotônio Segurado, um fazendeiro e político que viveu na região e que no início do século XIX defendeu a separação de Goiás como estratégia para o desenvolvimento do norte. Esse personagem foi “alçado” por alguns personagens políticos do Tocantins contemporâneo como um herói, nada mais que uma estratégia para buscar “justificar” as lutas e os interesses desses agentes políticos no tempo presente, Segurado é então, o “mito” fundador do Tocantins e que justifica suas lutas.
A leitura didática gira em torno de alguns elementos dessa história política e que por necessidade de ser simplificada, ou melhor, entendida pelo grande público, foi produzida em forma de apostilas e livros em âmbito regional. Por sua linguagem de fácil acesso e sem os meandros que envolvem uma escrita científica, essa leitura é utilizada, basicamente, como conteúdo para concursos. Vale destacar que essa leitura didática dialoga abertamente com a leitura política, ambas, sem nenhuma problematização.
Já a leitura acadêmica, ela tem como ponto de partida escritos de pesquisadores vinculados à universidade. São leituras baseadas em pesquisas que privilegiaram a abordagem metodológica de fontes, o cruzamento de dados, a articulação desses dados com princípios teóricos e, sobretudo, a busca de novas explicações para o processo histórico de formação do norte de Goiás, região que daria origem ao Tocantins no final do século XX.
Os primeiros esforços para a compreensão da história do norte de Goiás, região do atual Tocantins, encontram respaldo nas análises do historiador Luis Palacín. Outra análise com respaldo acadêmico são os escritos da historiadora Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante, como também a historiadora Temis Gomes Parente. Destaca-se ainda a coletânea de textos organizados por Odair Giraldin, como também os escritos de Fabrízio de Almeida Ribeiro que em sua dissertação buscou problematizar o que ele chamou de “A invenção do Tocantins”. Mais recentemente, alguns professores do campus de Araguaína e Porto Nacional, ambos da UFT, vêm oferecendo significativa produção acadêmica que pensa a história regional, espaço em que se construiu o Tocantins.
Portanto, qual a importância de se ter em mente essas três leituras possíveis sobre a história do Tocantins? Primeiro, conhecer é caminho para a formação de uma consciência, tanto do ponto de vista cognitivo, quanto do ponto de vista do pertencimento. As novas gerações que nasceram nessa região a partir de 1988, precisam conhecer que muito além de uma leitura política de quem na maioria das vezes só busca obter vantagem com a história às custas de fenômenos passados, como também saber que existe uma leitura didática que muito pouco oferece do ponto de vista da formação, existe uma leitura acadêmica, fruto de pesquisas científicas.
Para além dessas três leituras possíveis, e voltando às preocupações sobre os verdadeiros construtores da história do Tocantins, aqueles que chamamos talvez erroneamente de “anônimos” da história, infere-se que eles são os protagonistas do processo, visto que sem eles não haveria do que se contar. Esse povo comum que cotidianamente constrói desde antes do século XIX a história dessa região são, nesse sentido, os protagonistas desse processo histórico que tem na leitura acadêmica da história do Tocantins sua voz e seu rosto, espaço de reflexão e de conhecimento sobre o nosso passado, condição indispensável para a compreensão do nosso presente.
RAYLINN BARROS DA SILVA
É doutorando e mestre em História pela Universidade Federal de Goiás
raylinn_barros@hotmail.com