Hodiernamente, com o advento da pandemia da COVID-19 (novo coronavírus), é uma incógnita mensurar a real dimensão do alcance dos seus efeitos nas áreas da economia, da saúde e da política, seja em curto, médio ou longo prazo.
Consoante recentemente exposto pelo Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a projeção das infecções ocorreria nos meses de abril, com pico nos meses de maio e de junho, seguido de estabilização nos meses de julho e de agosto, e decréscimo da curva em setembro.
Diante desse cenário de instabilidade e incerteza, alguns parlamentares levantaram suas vozes sugerindo o adiamento das eleições vindouras para uma nova data, o que segundo eles conferiria segurança para a população. Por um outro lado, outros parlamentares sugerem a postergação dos atuais mandatos para mais dois anos, de modo a unificar com as eleições a serem realizadas no ano de 2022.
Nesse diapasão, necessária a análise dos reflexos jurídicos na eventual alteração de datas, as quais já estão devidamente estabelecidas.
[bs-quote quote=”Essa arquitetura política sugerida por alguns parlamentares atinge frontalmente a democracia e o princípio da periodicidade do voto, devidamente previstos da Constituição Federal como cláusula pétrea, sendo, pois insuscetível de alteração” style=”default” align=”right” author_name=”LEANDRO MANZANO SORROCHE” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2020/04/leandro_manzano_nova180.jpeg”][/bs-quote]
A Constituição Federal é a norma que fixa as datas para a realização das eleições, bem como a respectiva posse dos eleitos, de sorte que eventuais alterações somente seria possível através da apresentação de proposta de emenda ao texto constitucional, devidamente discutida e votada em dois turnos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, sendo considerada aprovada se obtiver, em ambas as casas 3/5 (três quintos) dos votos dos respectivos membros.
Assim sendo, o primeiro passo a ser seguido, inequivocamente, seria a alteração da própria Constituição.
Após isso, inevitavelmente, premente a necessidade de alteração da denominada Lei das Eleições (9.504/1997), visto que essa possui inúmeras regras acerca dos prazos inerentes a todo o processo eleitoral, tais como: período de convenções partidárias, registros de candidaturas, impugnações, propaganda eleitoral e prestação de conta.
É pertinente ressaltar que, diga-se de passagem, como não houve qualquer alteração constitucional ou legal, permanecem inalterados todos os prazos previstos na Legislação Federal e, consequentemente, no calendário eleitoral, tais como: filiação partidária, janela partidária, domicilio eleitoral, etc, inclusive, essa foi a resposta do Tribunal Superior Eleitoral, na sessão do dia 19 de março, ao analisar a consulta do Deputado Federal Glaustin Fokus, respondendo, por unanimidade, que os prazos previstos na legislação são insuscetíveis de ser afastado pelo órgão Colegiado.
Assim, ante o cenário acima apresentado, com a finalidade da consecução do sugerido para alteração da data das eleições, com o fim de conferir à população uma margem de segurança quanto às infecções da COVID-19, pode-se citar, como exemplo, o requerimento do líder do Podemos na Câmara, o Deputado Federal Léo Moraes, realizado junto à Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, sugerindo como novel data o primeiro domingo de dezembro de 2020.
Não obstante isso, outros parlamentares vão além da simples alteração de data para a realização das eleições, sugerindo o próprio cancelamento do pleito de 2020, consequentemente, postergando os mandatos atuais por mais dois anos e a unificação das eleições em 2022.
Conquanto essa propositura não seja novidade, sendo inclusive já apresentada em momento pretérito, o debate ressurgiu diante da incerteza de dimensão do alcance dos efeitos da COVID-19.
Todavia, sem adentrar no mérito dos possíveis reais interesses por detrás do cancelamento das eleições e a sua consequente unificação com o pleito de 2022, o certo é que essa arquitetura política sugerida por alguns parlamentares atinge frontalmente a democracia e o princípio da periodicidade do voto, devidamente previstos da Constituição Federal como cláusula pétrea, sendo, pois insuscetível de alteração.
A despeito da inconstitucionalidade mencionada alhures, isso na hipótese de cancelamento das eleições, é importante salientar que ambas as sugestões apresentadas (adiamento ou cancelamento das eleições), encontram-se a barreira intransponível prevista no artigo 16 da Constituição da República, isto é, a regra da anualidade eleitoral, de forma que leis (incluídas as emendas constitucionais) que alteram o processo eleitoral, somente serão aplicadas nas eleições posteriores caso tenham sido publicadas até um ano antes do pleito.
Esse foi o entendimento do Vice-Procurador Geral Eleitoral, Dr. Renato Brill de Góes, em resposta a diversos questionamentos sobre o tema, ao asseverar que “em momentos de crise e de vulnerabilidade, como o que ora se apresenta, é necessário zelar mais do que nunca pela segurança jurídica, princípio fundamental da ordem jurídica estatal, responsável pela estabilidade das relações jurídicas, econômicas e sociais, e pela não deterioração dos Poderes ou instituições”, “pretender mudanças das regras do processo eleitoral com o ‘jogo’ já em andamento é, no mínimo, inconstitucional, dado o princípio da anterioridade, esculpido no artigo 16 da Constituição da República”.
Destarte, considerando a projeção apresentada pelo Ministro da Saúde, em que se demonstra uma estabilização nos meses de julho e de agosto, bem como o quadro de instabilidade jurídica caso ocorra o adiamento ou o cancelamento das eleições, o cenário possível é o da permanência de todo o calendário eleitoral com as eleições marcadas para o dia 4 de outubro.
Por outro lado, os candidatos e partidos políticos, terão que se reinventar e se adequar na nova forma de busca do voto, conferindo prevalência ao marketing digital e todos os demais mecanismos de convencimento do eleitor, com o menor contato físico, visto que a batalha do voto ocorrerá na internet e não mais nas ruas. Inclusive, essa novel forma de busca do voto já foi vivenciada por alguns candidatos em pleitos pretéritos, podendo-se citar como exemplo o então candidato Donald Trump, bem como Jair Bolsonaro, inevitavelmente uma realidade sem volta.
LEANDRO MANZANO SORROCHE
É advogado, vice-presidente do Instituto de Direito Eleitoral do Tocantins, pós-graduado em Direito Eleitoral, Público, Tributário e Estado de Direito e combate à corrupção
leandromanzano@gmail.com