Essa coluna não é segunda-feira, é terça-feira, e toda segunda um vai à forca, morre, pois o texto semanal é um aborto, uma morte, um sofrimento, mas a alegria não seria nada sem o sofrimento, um não existe sem o outro; e citando trecho do livro A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, temos a dimensão do dilema: “o prazer e o sofrimento caminham juntos, no momento de contar história de Maca, numa narrativa que insiste em se recusar aos lugares-comuns de vitimização, explodindo – literalmente inclusive, com suas desconcertantes “explosões” entre parênteses, que intervêm tanto nos manuscritos como no livro – as fronteiras entre o “baixo” e o “alto”, o sublime e o grotesco, o cômico e o trágico, o sagrado e o profano. O humor e a morte caminhando juntos, como no exemplo que serve de guia para Freud, em que um condenado, sendo levado ao cadafalso numa segunda-feira, exclama: “Bem, a semana está começando otimamente”. Geralmente escrevemos a coluna às segundas, e só nos resta dizer: bem, a semana está começando otimamente.
Na alegria da advocacia temos os embargos de terceiro, remédio processual para a defesa da posse e de direitos. Estes estão adstritos a quem não participou do processo e sofre constrição ou ameaça de constrição em seus bens e direitos, decorrentes desses por meio de atos judiciais. Esse remédio está talhado no artigo 674 do Código de Processo Civil, onde diz “quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constrito, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiros”.
Como ninguém é obrigado a saber, mas devia, o significado da palavra “constrição”, imperioso é dizer do que se trata, para a total compreensão do que fora dito acima. O Aurélio diz ser pressão circular que reduz o diâmetro de um objeto, aperto, compressão. Juridicamente, é quando uma decisão judicial coloca o camarada para perder a posse ou direito, onde o titular é impedido de alienar a coisa ou onerá-la de qualquer outra forma, ou seja, fica constrito. O sequestro, a penhora, o arresto são exemplos de constrição judicial, entre outros.
O Código de Processo Civil de 1973, diferente do de 2015, embora aquele mais exemplificativamente, engessava virtuais movimentos do terceiro prejudicado, pois abrangia somente “esbulho” e “turbação”, sendo que esse, o Código dos dias pandêmicos, lapidou o termo “constrição” em substituição àquele dueto desafinado, agora muito mais abrangente e afinado, melhorando muito o instituto, a música.
Os embargos, como dito, só podem ser manejados por quem está na iminência ou já sofreu constrição em seus bens ou direitos, e denota sempre sua força de um ato mandamental, de ordem judicial, não de quem não seja investido no mister. Os atos de constrição são violadores da posse exercida sobre o bem ou de direitos que emergem do exercício dela, e advém de processos os quais o prejudicado não é ou foi parte.
É bom dizer, para acalmar os corações apressados, que os embargos de terceiro podem ser usados também contra atos judiciais de jurisdição voluntária, aquelas jurisdições onde não há conflito de interesse. Falando em conflito de interesse, oportunamente iremos falar sobre essa faceta do direito, tão usada e desconhecida. O conflito de interesse é o que gera a lide, por exemplo, aquela história de que um brasileiro tem o dinheiro para uma refeição, ou ele almoça ou janta. Isso, grosso modo, é conflito de interesse, pois o dinheiro não alcança o almoço e a janta.
E o que seria o conceito de terceiro? Como o vocábulo diz, terceiro, não é primeiro nem segundo, é terceiro, pessoa física ou jurídica, alheia aos que litigam no processo, inclusive qualquer tipo de processo, seja de execução ou de conhecimento.
É bom levar uma informação crucial aqui para os nobres advogados que andam bebendo muito em detrimento da leitura matinal das doutrinas processuais que, sem espanto, a pessoa física ou jurídica pode ser simultaneamente parte e terceiro no mesmo processo. Mesmo que no processo seja composto de muitas partes, o fundamental é que esse terceiro prejudicado não esteja no bojo da lide, do processo, da discussão.
Tem quem defenda que terceiro pode também ser uma pessoa que fazia parte do processo, por exemplo, mas nos embargos é titular de um direito diferente, e essa tese tem muita lógica, principalmente quando trespassa à mente o recado do § 1º do artigo 647 do Código de Processo Civil, onde diz que “os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou possuidor”.
Esse instituto é tão significativo, importante, que até o cônjuge, companheiro ou companheira que não conseguir destituir o ato por nulidade ou mesmo por outra razão em embargos à execução, pode muito bem lançar mão dos embargos de terceiro para ver a meação preservada, o que é esquecido, ou mesmo ignorado por muito doutor advogado desse Brasil varonil, por esse Brasil forjado com o suor sem ser pago, com sangue do negro, do índio e das minorias, espoliados ao longo dos séculos, amém.
A proteção que os embargos de terceiro dá, não é só à posse, mas também à propriedade, às garantias reais instituídas na contratação de créditos, aos direitos hereditários transmitidos ou cedidos, aos bens alienados fiduciariamente, ou arrecadados em processo de falência, ou objeto de sequestro, arresto, busca e apreensão, remoção, penhora e depósito, de mercadorias em leilão, e por aí em diante; e até de valores indisponibilizados em instituições financeiras o instituto abrange, verte a tinta da caneta do legislador, o mesmo legislador que está aí bradando aos quatro ventos que se transformou em Antônio Conselheiro, que será objeto do sufrágio universal do voto comprado ou grátis, não importa. Vote com qualidade, pense no conjunto, esquece o umbigo, pois o próximo embargado pode ser você, atenção.
E para fechar o texto, não o tema, pois o espaço não é para isso, não podíamos esquecer de dizer que o tempo processual para os embargos de terceiro, normatizado pelo artigo 675 do Código de Processo Civil diz que: “podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença e, no cumprimento de sentença, ou no de execução, até 5 (cinco) dias depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta”. Mas é bom acrescentar que o prazo para os embargos de terceiros contra imissão da posse começa a contar da consumação da imissão, e na reintegração de posse começa a contar da data do cumprimento da ordem, e por aí afora.
Jurisprudência selecionada – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS DE TERCEIRO – ART. 674 DO CPC – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS – EXISTÊNCIA DE ACÓRDÃO EM AUTOS DIVERSOS QUE CONFERIU POSSE AOS RÉUS EM RAZÃO DE DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO – QUALIDADE DE TERCEIRO VERIFICADA – POSSIBILIDADE DE RISCO DE DANO INVERSO – DIVERSAS BENFEITORIAS EXISTENTES NO IMÓVEL EM LITÍGIO – RECURSO DESPROVIDO. Existindo risco de dano inverso aos terceiros embargantes é prudente que se suspenda a ordem de reintegração de posse determinada em processo do qual não fizeram parte os terceiros embargantes, ao menos até que se esclareça a que título eles ocupam a área, bem como quem tem a posse anterior sobre ela, apenas para se evitar maiores prejuízos com o cumprimento da reintegração de posse ordenada em autos diversos, especialmente diante das benfeitorias que os embargantes alegam ter realizado na área, dos semoventes ali mantidos por eles e dos colaboradores que exercem seu trabalho no imóvel rural objeto do litígio (N.U 1001129-79.2019.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, JOAO FERREIRA FILHO, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 16/04/2019, Publicado no DJE 09/09/2019).
O Julgado do Tribunal de Justiça do valoroso Estado de Mato Grosso é explicativo, como em uma aula. Diz que “existindo risco de dano inverso aos terceiros embargantes é prudente que se suspenda a ordem de reintegração de posse determinada em processo do qual não fizeram parte os terceiros embargantes”, ou seja, leciona que o terceiro que não fazia parte do processo de reintegração de posse, e que teve sua posse constrita pelo juízo, demonstre de forma cabal onde tem posse ou direito ferido por virtual decisão judicial. Aqui vem à baila a questão dita ao longo do texto, lá pelas tantas, de que a decisão ficou suspensa para que o embargante esclarecesse a que título ocupava a área, e aí temos a posse, a propriedade e domínio, citando poucos exemplos.
MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário o Imobiliário. Também escreve para o portal www.fazendasnaweb.com.br.
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