Caro secretário Donizeth Silva,
Foi com muita preocupação que recebi os dados do próprio governo do Tocantins que mostram um crescimento exponencial dos gastos com pessoal em 2024. Com os 46,2% de comprometimento da Receita Corrente Líquida (RCL) com folha de pagamento, já cruzamos, a toda velocidade, o sinal amarelo do limite de alerta (44,1%) e seguimos atropelando todos os obstáculos para furar o sinal vermelho do limite prudencial (46,55%). Um filme passou à minha cabeça quando vi os números divulgados por vocês.
Quando organizava as crônicas e artigos para meu livro “2018” (Ed. Veloso, 2020), a ideia era restringir os textos às eleições atípicas daquele ano. Tivemos a segunda cassação de governador pelo TSE, uma disputa suplementar em dois turnos, eleições ordinárias e o MDB fora de dois pleitos seguidos pelo Palácio, a primeira vez que isso ocorria com o partido em três décadas de Tocantins. Contudo, secretário, constatei que, sem a profunda crise fiscal que chegou ao seu ápice no período, a história não estaria completa. Assim, guardei um capítulo para o tema e o título da obra ficou “2018: crise fiscal, política e 3 eleições”.
Foi um período de terror que você também viveu e, por isso, sabe o tanto que os tocantinenses sofreram. Fornecedores com muitas dificuldades para receber, Plansaúde suspenso semana sim, outra não; salários dos servidores pagos no dia 12; 13º quitado com a sorte num dado momento, porque o Tocantins recebeu uma bolada enorme repatriada no governo Temer (todo ele para folha; nem um centavo investido em melhorias dos serviços à população), datas-base e progressões se acumulando e tudo isso impactando a economia do Estado, ainda dependente da circulação de recursos públicos.
Não há nem um pouco de saudade desse caos. Porém, os números que vocês divulgaram nesta sexta-feira gelou-me a alma. Eles me fizeram lembrar que o governo já não está conseguindo quitar o programa “Tocando em Frente” — inclusive, lançado pelo ex-governador Mauro Carlesse como marco do novo momento econômico estadual, prova de recuperação da saúde financeira do Estado –; e que o Servir caminha na mesma direção do Plansaúde, com reclamações de sindicatos e associações de que os atrasos no pagamento aos prestadores de serviço ultrapassam os 60 dias estipulados em contrato. Será, secretário, que a crise fiscal está de volta? Pelo menos seus fantasmas, por essas informações que recebemos, já nos rondam e nos assombram.
Claro que se trata de uma decisão política do governador Wanderlei Barbosa, uma vez que a missão da Secretaria da Fazenda é técnica: apresentar os dados e propor caminhos. Quem diz qual estrada pegar é o chefe do Executivo estadual. A mim, resta a esperança de que ele gire o volante rumo à austeridade. E há motivos para boa expectativa de todos.
Veja, o governo Wanderlei mostrou até abril do ano passado que consegue manter o Estado equilibrado. Pegou a casa depois que ela foi limpa pelo antecessor, Carlesse, e só lhe cabia mantê-la organizada. Wanderlei fez até mais, e me surpreendeu. Sentou-se na principal cadeira do Palácio no final de outubro de 2021, com o índice de comprometimento de Receita Corrente Líquida com folha em torno de 42%. No primeiro quadrimestre de 2022, essa taxa havia recuado ainda mais, para 39,14%, e se manteve por volta disso até abril de 2024, quando se acalorou o debate eleitoral, a tentação foi forte, a coisa saiu de controle e caímos agora nessa ribanceira dos trágicos 46,2%.
O que estou dizendo, secretário, é que se houver vontade política do governador Wanderlei ainda é possível retomarmos o patamar de antes de abril do ano passado. Sim, Donizeth, é politicamente desgastante — o ajuste foi o grande responsável pela impopularidade de Carlesse ao final do governo dele –, mas, se tomar as rédeas já e apertar o cinto em 2025, Wanderlei chegará no ano que vem com a situação sob controle. Estará bem no período eleitoral e poderá ter influência positiva.
Minha preocupação é que não se faça nada, entremos em novo processo eleitoral, de 2026, com a ânsia de gastança populista atiçada, e que todo esforço feito tenha sido em vão e voltemos ao caos de até 2018. Aí o governador terá um final de mandato muito difícil, o que repercutirá negativamente em sua imagem.
Que o governo possa ter a compreensão do momento histórico que se desenha à sua frente e que seu comando mostre grandeza de espírito e preocupação com futuro do Tocantins. Se a gana eleitoreira prevalecer, o abismo nos espera a poucos passos. Torcemos todos por Wanderlei, não contra. Afinal, estamos no barco em que ele é o capitão. Se naufragar, padeceremos todos.
Saudações democráticas,
CT