Caro secretário Marcelo Lelis,
Nosso vizinho Pará sediará em novembro a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30, num momento em que o negacionismo volta ao poder com a ascensão do sombrio Donald Trump nos Estados Unidos. Motivo de muita preocupação para todos nós que temos algum compromisso com o presente e com o futuro do planeta. É sobre isso que lhe escrevo novamente. Acabei de ler “A terra inabitável: uma história do futuro” (Companhia das Letras, 2019), do jornalista estadunidense David Wallace-Wells, especialista no tema, que se baseia em uma infinidade de artigos e estudos científicos. Não sei se você já leu. É de tirar o sono.
Ele diz que atualmente lançamos carbono na atmosfera a uma taxa cem vezes mais acelerada do que antes do início da industrialização. Inclusive, Marcelo, mais da metade do carbono por queima de combustíveis fósseis foi emitida somente nas últimas três décadas, o que levou o autor a concluir apropriadamente: “Isso significa que já engendramos mais destruição de caso pensado do que por ignorância”.
Se esse ritmo não for contido, a ciência estima que caminhamos para alcançar mais de 4ºC de aquecimento até o ano de 2100. Ou seja, daqui a pouco mais de 70 anos a terra se tornará inabitável devido ao calor direto, à desertificação e às inundações. Serão mais de 200 milhões de refugiados do clima até 2050 e também teremos as guerras que resultarão dessa barbárie climática. Oito milhões de novos casos de dengue todo ano só na América Latina. Muita fome, incêndios, desemprego, cidades e costas engolidas pelas águas. Isso é, amigo, a maior tragédia da história humana.
Caro Marcelo, o jornalista diz que, se a comunidade internacional reagir, nosso melhor cenário será chegar a 2ºC de aquecimento até 2100. Porque já demoramos absurdamente para tomar alguma medida. E veja: mesmo nessa perspectiva otimista, “as calotas polares começarão a se desmanchar, 400 milhões de pessoas mais sofrerão com a escassez de água, cidades importantes na faixa equatorial do planeta se tornarão inabitáveis e em latitudes mais setentrionais as ondas de calor matarão milhares de pessoas todo verão”.
Pior, secretário, é que o livro nos tira qualquer possibilidade de ver as coisas voltarem a ser como eram: “E se você ainda tem esperanças de que a mudança climática possa ser revertida por nós, é melhor tirar o cavalinho da chuva. Está fora do nosso alcance”. O que poderemos fazer é limitar o tamanho do estrago, que, de toda forma, não será pouco.
Ao final, Marcelo, aos que dizem que o livro dele é alarmista, Wallace-Wells concorda. “Nada mais justo que pense assim, porque estou mesmo alarmado”, avisa para completar mais à frente: “A ameaça da mudança climática é mais total do que a bomba [atômica]. Também mais onipresente”.
Como disse no outro bilhete, você e seus sucessores nesse importante cargo têm papel fundamental para o Tocantins e a humanidade. Somos privilegiados em água — sempre digo que é nossa principal riqueza –, mas é necessário lançar mão de ferramentas preconizadas pela ciência, como afirma Wallace-Wells: “Imposto de carbono e o aparelhamento político para eliminar agressivamente a energia suja; nova abordagem de práticas agrícolas e uma guinada na dieta mundial de carne e laticínios; e investimento público em energia verde e captura de carbono”. Essa última, uma área em que você já tem atuado.
O mundo em que vivemos, secretário, já não é mais o mesmo. Ainda que os negacionistas riam e sabotem, as perspectivas da ciência são de que, se nada for feito, a humanidade começará a sentir as consequências de sua indiferença e ganância, mais fortemente do que já experimentamos, a partir de 2030 e a situação estará irremediável a partir de 2050.
Para terminar, outra péssima notícia: o sombrio Trump acaba de tirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, que justamente queria manter o aquecimento global do planeta bem abaixo de 2°C até o final do século e buscar esforços para limitar esse aumento até 1,5°C.
Que Deus tenha misericórdia de nós, seres desprezíveis e ignorantes.
Saudações democráticas,
CT