Caros colegas jornalistas,
Escolhi esta profissão há quase 33 anos, não caí nela de gaiato. Estar numa redação é, para mim, exercer um sacerdócio, é alimentar a alma, é dar sentido à vida. Sobretudo porque sou uma espécie de ermitão e, nesse auto-enclausuramento, o que preenche meus dias são a cobertura política e a literatura. Claro que vêm as agruras do exercício do jornalismo, que, em alguns momentos, chegam com dores que, no extremo, parecem maiores do que consideramos suportar. Nesses casos me afasto, como o fiz semana passada, penso muito e traço novos caminhos. Mas não desisto.
Nunca foi tão difícil o exercer o jornalismo. Vivemos tempos de completa ignorância, em que os boçais deixaram os pequenos círculos onde, acanhadamente, vomitavam e arrotavam suas estultices para serem alçados aos píncaros da sociedade, via redes sociais, confirmando a profecia do gigante Nelson Rodrigues, para quem os idiotas tomariam conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade, já que são muitos. E tudo que assistimos nos últimos anos confirma o prognóstico rodriguiano, o que é péssimo para a educação, para a cultura, para a ciência e para o jornalismo. Os néscios têm horror a todo esse conhecimento.
Tentam silenciar e anular o profissional, “proibindo” um gênero clássico, o jornalismo opinativo. Na Nárnia em que vivem esses beócios, jornalista não deve dar opinião. Só a eles cabe o privilégio de interpretar os fatos. Somos uma espécie de autômatos, e, assim, devemos nos restringir tão somente a responder as perguntas básicas do lead e nunca nos atrever a estabelecer conexões fáticas. Somente esses apedeutas se sentem capacitados a dizer para a sociedade como ela deve enxergar o mundo. E, claro, sempre pela perspectiva de sua “Idiocracia”.
Para além de termos de suportar essa gente que passou a se orgulhar de ser ignorante e analfabeta funcional, ainda continuamos a enfrentar os que nos veem sob o axioma balzaquiano segundo o qual “se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la”. Nesse grupo estão os poderosos, que nos encaram como um problema. O exercício do jornalismo não é compatível com seus objetivos, ambições e egos. A busca pelo poder se faz no silêncio e, quando necessitam de barulho para encantar as plateias, querem-nos de claque, não como críticos e analistas.
Nesse ponto, os poderosos se conectam como os parvos orgulhosos de sua ignorância. Ambos desejam que sejamos apenas os autômatos que fazem fotos bonitas e escrevem texto acríticos, perfumados, belos e nada incômodos. Peças, na verdade, de publicidade em que sempre são apresentados como “cidadãos de bem”, “cristãos”, defensores da família, dos “bons costumes”, blá-blá-blá.
Mas a beleza da nossa práxis profissional está justamente, companheiros e companheiras, na resistência, na rebeldia, ainda que pelo que se convencionou chamar de “teoria das brechas”, que preconiza que aproveitemos a mínima oportunidade, quando impedidos por toda a gama de laços políticos, financeiros e legais, para estocar o poder, provocá-lo, desdenhá-lo e até ridicularizá-lo.
No jornalismo, amigos e amigas, futucamos o nervo mais sensível da sociedade, o que Karl Marx chamou de superestrutura, as relações políticas, ideológicas e jurídicas que sustentam a dominação dos elos sociais mais frágeis e fazem perpetuar o poder daqueles exploram e se beneficiam desde priscas eras do status quo. Por isso, somos vistos como tão perigosos e tóxicos, e nosso silêncio tão reivindicado.
A todos nós, rebeldes, indesejáveis, o pavor dos poderosos, parabéns por esta data!
Feliz Dia do Jornalista, povo de luta!
Saudações democráticas,
CT