Caros políticos que estariam segurando o inquérito da Fames-19,
Dormi mal esta noite pensando no País em que vivo. O Brasil evoluiu muito em termos de tecnologia, em desenvolvimento humano, nos índices de alfabetismo e até na inclusão social, em relação aos tenebrosos anos 1980. Lembro-me bem de como as coisas eram difíceis naquela época. Contudo, nossas instituições continuam frágeis, subservientes ao poder, cheias de trocas de favores indecentes. Se em termos de desigualdade temos muito a avançar, apesar das conquistas, mais ainda precisamos na relação republicana que as instituições devem manter, sem qualquer compadrio, com o poder. Estamos longe disso. É um grande problema nacional e estadual. Por isso, passei a madrugada ruminando tudo que li nessa terça-feira sobre a Operação Sisamnes e não conseguia deter o ponto de interrogação que me rondava.
Será mesmo que o que dizem em todo lugar deste Estado, em gabinetes, esquinas, bares, campos de futebol, etc., é verdade? Ou seja, será mesmo que vocês estão conseguindo impedir, por um lobby abjeto, o andamento do inquérito da Fames-19 no Superior Tribunal de Justiça?
Vejam: trata-se de uma investigação de um suposto desvio de recursos que deveriam ser utilizados para a compra de cestas básicas para alimentar seres humanos trancados em casas paupérrimas por um vírus letal. Senhores (ou senhoras?), nosso Estado tem um terço de sua população abaixo da linha de pobreza. É um absurdo a miséria em que é confinada nossa gente por uma classe política que só pensa nela e em sua próxima eleição. Nós, a elite privilegiada, estávamos muito bem abrigados em nossos home offices, bem alimentados, seguros. A nossa gente simples, não. Não podiam sair, não tinham dinheiro para se alimentar e precisavam do socorro do Estado.
Senhores (ou senhoras?), é neste contexto que milhões de reais que deveriam ter sido usados para aplacar a fome desses irmãos e irmãs indefesos podem ter sido roubados. Olhem, se realmente ocorreu, isso é crime de proporções humanitárias. Extremamente covarde!
Assim, impedir o andamento de um inquérito que visa esclarecer se houve tamanha covardia contra seres humanos fragilizados torna os senhores (ou senhoras?) tão covardes quanto quem possa ter cometido essa barbaridade. Dizer, como já cheguei a ouvir, que se está pensando no Estado, que já tivemos várias interrupções abruptas de mandato, é uma retórica mentirosa que não cabe diante do crime atroz que está sendo apurado. Vocês estão preocupados com vocês mesmos. Em manter um governador refém para garantir participação em chapas majoritárias palacianas com fartos recursos para a campanha do ano que vem e coisas do tipo. Só não estão pensando no Tocantins, esse nem passa por suas cabeças.
Não se trata aqui de condenar antecipadamente os investigados. Nada disso. Essa gente — um não encontra o outro hoje porque correm o risco de até ser presos, conforme a decisão do STJ — pode ser inocente. Claro! Agora só saberemos disso se o inquérito andar, se fizerem a defesa e forem julgados. O que não é admissível é que, por interferência política, esse caso ficar engessado e impedido de prosseguir no Judiciário, numa relação espúria de trocas de favores, sejam eles quais forem. Isso é imoral, isso é indecente, isso é uma agressão a quem passou fome por sua cesta básica não ter chegado porque alguém pode ter roubado o dinheiro.
Senhores (ou senhoras?), se vocês realmente conseguem, pela abjeta interferência política, impedir que um caso tão grave, tão escabroso, que um crime humanitário avance no Judiciário brasileiro, nosso Estado Democrático de Direito é uma imensa farsa e o que prevalece é barbárie, a selvageria, o mau-caratismo no seu estado mais bruto e cruel.
Torço muito para que isso não seja verdade e que a Justiça alcance a todos, os fracos e também os poderosos. Para condenar ou para absolver.
Saudações democráticas,
CT