O “não voto” — formado por abstenções, brancos e nulos — do primeiro turno da eleição suplementar pautou o debate nacional neste início de semana. Para especialistas, o elevado índice de 43,5% é uma sinalização do que poderá ocorrer nas eleições gerais de outubro, diante do total desalento do brasileiro, que não se sente representado pelos políticos.
Este é o ponto. Na cabeça do eleitor, a política deixou de ter significado em seu dia-a-dia e se tornou mero sinônimo de corrupção. Sem líderes confiáveis, a política entra em descrédito e eleva o risco de retorno do populismo que marcou o Brasil por 13 anos, o que poderia levar o País para rumos nada desejáveis, no final do qual existe um tenebroso abismo.
O “não voto” no Tocantins vem num crescendo nas últimas eleições, mostrando realmente tratar-se de uma tendência, expandindo-se na mesma medida do aprofundamento do descrédito da classe política.
Em 2006, quando os ex-governadores Marcelo Miranda (MDB) e Siqueira Campos (DEM) disputaram, logo após o rompimento da finada União do Tocantins, o Estado registrou 220.781 abstenções, brancos e nulos, ou 25% do total de 881.786 eleitores.
[bs-quote quote=”A cada condução coercitiva, prisão e detalhes de toda a sujeira que corria feito enxurrada barrenta, arrastando figuras até então vistas como impolutas, a credibilidade da classe política sofria abalos profundos e o cenário de deserção eleitoral ia se formando até desembocar no resultado de total desesperança do primeiro turno da eleição suplementar” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
Marcelo venceu e o Estado se deu, em 2009, com a primeira cassação de governador, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Assume o então presidente da Assembleia, Carlos Gaguim (DEM), eleito em seguida, indiretamente, para o mandato tampão.
Em 2010, com os desgastes de duas candidaturas de elevada rejeição — Gaguim x Siqueira Campos —, o “não voto” cresce 15,5%, saltando dos 220.781 eleitores de 2006 para 254.945, ou 26,87% do total de 948.920 votantes daquele ano.
Com as contas públicas já bastante comprometidas, o quarto governo Siqueira Campos frustra as expectativas, e tem desempenho pífio, quando começam a surgir os primeiros grandes escândalos, que marcariam os anos seguintes, com os prejuízos advindos de investimentos irresponsáveis do Igeprev. As perdas podem ultrapassar a casa do R$ 1 bilhão. Dirigentes do instituto de Previdência dos servidores chegaram a ser presos em operações nacionais.
Em meio a profundo desgaste, o vice-governador João Oliveira e Siqueira Campos, nessa ordem, renunciam e, mais uma vez, a administração do Estado cai no colo de um presidente da Assembleia, Sandoval Cardoso (SD), que, como Gaguim, também é efetivado no cargo, em 2014, numa antipática eleição indireta.
No mesmo ano, Marcelo ressurge como esperança e vence as eleições, com nova alta do “não voto” em mais 15,1% sobre as disputas de 2010. De 254.945 eleitores de quatro anos antes, as abstenções, brancos e nulos agora foram as opções de 293.366 pessoas, ou 29,4% dos 996.887 votantes.
O novo governador assume com o salário de dezembro pendente, o que a gestão emedebista não esperava. Assim, a crise do governo, que se aprofundaria nos três anos seguintes, baixou no Palácio Araguaia no primeiro dia da administração Marcelo. Vieram em seguida greves de Polícia Civil, quadro geral e educação. Atrasos no Plansaúde, que levou o atendimento a servidores ser suspenso algumas vezes, consignados e fornecedores em geral. A crise política se agrava com operações da Polícia Federal. Primeiro a Ápia, contra a gestão Sandoval, que levou o ex-governador a passar algumas semanas preso. Depois a Reis do Gado, que atingiu em cheio Marcelo e família.
Na esteira da Lava Jato, as operações da PF estendem seus tentáculos em todas as instâncias de Poder e chegam também à Prefeitura de Palmas, de Carlos Amastha (PSB), com a Nosotros. O município ainda é visitado pela Polícia Civil, com a Jogo Limpo, para investigar irregularidades em convênios com federações esportivas e empresas.
A cada condução coercitiva, prisão e detalhes de toda a sujeira que corria feito enxurrada barrenta, arrastando figuras até então vistas como impolutas, a credibilidade da classe política sofria abalos profundos e o cenário de deserção eleitoral ia se formando até desembocar no resultado de total desesperança do primeiro turno da eleição suplementar — diga-se: efeito colateral de nova cassação do mesmo governador de 2009, Marcelo Miranda, o que só contribuiu para aumentar o desalento do eleitor.
Olhando a política do Estado em perspectiva é possível compreender a revolta e o descrédito do eleitor em relação a seus representantes. Foi assim que chegamos no domingo, 3, a um “não voto” de 43,5% do eleitorado, ou 443.414 dos 1.018.329 votantes. Em relação a 2006, o crescimento de abstenções, brancos e nulos foi de 100,8%; e sobre 2014, alta de 51,1%.
A tendência é de um “não voto” ainda maior neste segundo turno. Dessa forma, as expectativas para outubro não são as melhores, ainda que abstenções, brancos e nulos possam ser menores, porque voltam os candidatos derrotados nesta suplementar. O cenário, no entanto, não será menos nebuloso, no que diz respeito ao desânimo do eleitorado.
Uma explicação
Erroneamente, estão dizendo que o “não voto” totaliza 49,33% dos eleitores tocantinenses. Isso porque simplesmente somam os percentuais de abstenções (30,14%), brancos (2,06%) e nulos (17,13%), o que não é possível de se fazer.
As bases de cálculo são diferentes. A proporção de brancos e nulos é tirada do total de comparecimento às urnas (711.452 eleitores) e a abstenção sobre o total de eleitores (1.018.329).
Para chegar ao número correto do “não voto”, portanto, é preciso somar o total de abstenções, brancos e nulos (443.414), e verificar quanto representa do número de eleitores tocantinenses (1.018.329), o que dá os 43,5%.
CT, Palmas, 6 de junho de 2018