Em almoço com empresários em 1993, quando ainda era ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teria dito para que esquecessem tudo que ele tinha escrito. A frase se aplica bem ao novo momento vivido pelo ex-prefeito de Palmas e pré-candidato a governador Carlos Amastha (PSB). Ele acordou para a realidade de que sem aqueles que tanto desdenhou e atacou ferozmente durante sua meteórica carreira política não terá a mínima chance de chegar ao Palácio Araguaia.
Assim, além do “esqueçam tudo que escrevi [nas redes sociais]”, também retrata bem o novo momento do ex-prefeito o adágio americano com uma ligeira adaptação: se não pode sem os inimigos, junte-se a eles.
Amastha usou e abusou da paciência e cordialidade dos principais líderes do Estado, sobretudo os três com os quais agora busca conseguir aliança para enfrentar as eleições de 2018: Marcelo Miranda (MDB), Vicentinho Alves (PR) e Marcelo Lelis (PV).
A explicação para esta mudança radical de postura do ex-prefeito se dá pela análise dos resultados da eleição suplementar. Quase que matematicamente, essa disputa provou para quem tinha dúvida como Amastha que sem a força do que ele menosprezava com a alcunha de “velha política” não há a menor possibilidade de se vencer uma campanha de governador no Tocantins. Os eleitores, sobretudo do interior profundo do Estado, acompanham seus líderes. Dessa forma, não se obtém a capilaridade necessária se os caciques locais não forem conquistados. Por isso, o pré-candidato do PSB tenta corrigir os rumos e se aproximar daqueles sobre os quais disse que não queria nem conversa, quanto mais aliança.
[bs-quote quote=”Estamos vivendo este exemplo clássico do dia depois do amanhã. Alguém que olhava de cima para baixo, o cosmopolita contemplando de sua estratosférica cultura e saber um bando de caipiras, agora precisa chegar cabisbaixo e reconhecer a necessidade de ser socorrido” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
E uma grande maioria dos líderes tocantinenses quer distância de Amastha, por conta da generalização estúpida dos “vagabundos”. Todos se sentiram atingidos. Essa afronta aos caciques foi reiterada repetidas vezes, entre gracejos e risos com ares de superioridade.
A postura do líder político nunca deve ser de zombaria, de menosprezo a quem quer que seja, de desrespeito. Primeiro porque todos os cidadãos merecem um tratamento digno. Se o político não é capaz de reagir com deferência ao outro, ainda que sob as discordâncias mais profundas, não está preparado para assumir cargos públicos, sobretudo o de governador.
Depois, nunca se sabe o dia de amanhã. O adversário de hoje pode ser o aliado da próxima eleição. E como explicar aos eleitores o que se disse ontem? Por isso, as críticas devem girar em torno de projetos e propostas e não de pessoas. Isso significa aderir às práticas contra as quais se coloca? De jeito algum. Apenas expressa a necessidade de se construir musculatura política para se atingir os objetivos, mas o líder pode estabelecer os limites na formação de seu arco de aliança.
A mentalidade política do País e do Estado precisa mas não vai mudar de um dia para o outro. É um processo lento, mas que ocorre e sobre o qual Amastha, sem dúvida, faz uma importante contribuição no que diz respeito à gestão. Até porque essa transformação tem que atingir também o eleitorado, muito viciado em práticas questionáveis.
Estamos vivendo este exemplo clássico do “dia depois do amanhã”. Alguém que olhava de cima para baixo, o cosmopolita contemplando de sua estratosférica cultura e saber um bando de caipiras, agora precisa chegar cabisbaixo e reconhecer a necessidade de ser socorrido.
As diferenciações de práxis política, tratamento da coisa pública e de capacidade de gestão devem ser feitas pelos pessoas, não pelos líderes, que precisam dispensar respeito a qualquer pessoa da qual se aproxima. Não adianta os fariseus se enfiarem em sacos pela sua indignação falsamente puritana: a verdade, repito, é que o adversário de hoje é o aliado de amanhã.
Se Amastha saísse da reeleição de 2016 com outro discurso, de respeito, de atração de líderes, o popular “varrer para dentro”, é bem possível que teria vencido a eleição suplementar ou pelo menos teria dado muito trabalho ao eleito. Ainda seria um candidato muito difícil de se bater em outubro.
Mas, com seu discurso hipócrita, porque enaltece uma postura pessoal que não corresponde à realidade — e os fatos verificados na administração de Palmas são provas cabais disso —, ergueu duas barreiras a seu projeto para conquistar o Palácio Araguaia: afastou os líderes, que se sentem atingidos diretamente pelos xingamentos virtuais, e limitou as possibilidades de aliança porque seu eleitorado exige dele uma postura radicalmente asséptica.
Veja: ao se referir aos líderes como, em sua maioria, “vagabundos”, Amastha se coloca no altar da mais perfeita moralidade, o que não é verdadeiro, e diz claramente que “não se mistura com essa gentalha”. Parte do eleitorado que anseia por mudanças radicais na política brasileira aplaude entusiasticamente certo de que encontrou o representante ideal da mais elevada integridade. Perfeito. Agora, como bom ator que é, o ex-prefeito precisava interpretar esse personagem que criou até o fim.
Ao se aliar aos “vagabundo” [na acepção dele], Amastha reconhece que realmente não é o mais alto símbolo da moralidade e, com isso, perde o discurso e decepciona aqueles que juravam ter encontrado o Santo Graal da probidade na vida pública.
Importantes líderes com as quais a coluna conversou já avisam que não querem caminhar com Amastha e que só não estavam com o governador Mauro Carlesse (PHS) pela fidelidade a seu líder maior — no caso, Marcelo ou Vicentinho. Ou seja, além de o ex-prefeito perder parte significativa dos eleitores com a mudança brusca de postura — ainda que seja capaz de tentar manter o discurso farisaico de santidade —, também não terá em seu palanque parte dos líderes da “velha política” que não querem seguir seus caciques maiores nessa verdadeira salada de alhos e bugalhos que está sendo criada.
Marcelo e Vicentinho podem estar abrindo os flancos para que aqueles que já estavam interessados, mas não iam por respeito aos dois, se entendam com o Palácio Araguaia, que está como coração de mãe: sempre cabe mais um.
Essa atrapalhada de Amastha é um grande case para a reflexão dos políticos, sobretudo as novas lideranças. A lição que se tira é aquela mesma que ouvíamos de nossas mães e avós: quem fala demais dá bom dia a cavalo.
CT, Maringá (PR), 12 de julho de 2018.