Num momento em que discute a possibilidade de renovação dos Parlamentos é importante colocar em pauta o papel das emendas parlamentares neste debate. Elas são um dos motivos que me levam à certeza de que essa renovação não vai ocorrer. Pelo menos não na dimensão que se espera e que realmente precisava. O Legislativo é a instituição mais falida da República. Esse sistema de freios e contrapesos dos poderes não deu certo. Não no Brasil, que tinha que rever, com até certa urgência, a “teoria dos três poderes” de Montesquieu.
Claro que o Executivo precisa de fiscalização, nenhum maluco vai defender poder absoluto para prefeitos, governadores e presidente da República, nem as monarquias modernas o admite. No entanto, repito, no Brasil, está provado que as casas legislativas estão desfiguradas e não cumprem suas principais funções: fazer leis e fiscalizar o Executivo. Mais de 90% de suas leis são inócuas, quando a fazem, porque as matérias que dominam as ações dos nossos legisladores são indicações e requerimentos, que não servem para nada, a não ser para dizer ao eleitor que não estão parados. Fiscalizar é algo que já está totalmente fora de seu metier.
[bs-quote quote=”Do ponto de vista da gestão, as emendas representam uma intromissão e podem levar o chefe do Executivo a se tornar refém. Ou libera os recursos, ou o Parlamento para e trava a administração. Isso ocorreu o tempo todo como o último governo Marcelo Miranda” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
Quando se fala em renovação do Legislativo, mais do que premente, é importante que isso seja reforçado, não tem como deixar de lado essa excrescência que são as emendas parlamentares. Sou totalmente contra sua existência em qualquer instância: federal, estadual e municipal.
Elas surgiram como cooptação de parlamentares na ditadura militar. E continuam exercendo esse papel originário, ainda que tenha sido inventada essa história de “emenda impositiva”. O governo é obrigado a pagá-las, mas o faz na hora que bem entender. Caso do governo desacreditado de Michel Temer. Diante de duas denúncias criminais, o presidente acelerou a liberação de emendas a aliados para garantir a protelação do acerto de contas que precisa fazer com o Judiciário. Com isso, em 2017 liberou R$ 10,7 bilhões por esse expediente, 48% a mais do que no ano anterior.
Do ponto de vista da gestão, as emendas representam uma intromissão e podem levar o chefe do Executivo a se tornar refém. Ou libera os recursos, ou o Parlamento para e trava a administração. Isso ocorreu o tempo todo como o último governo Marcelo Miranda (MDB). O ex-prefeito de Palmas Carlos Amastha (PSB) viu a Câmara aprovar lei que criava as emendas e já as tornava impositivas, mas conseguiu bloquear sua eficácia por meios que não ficaram claros até agora. Pelo menos livrou sua sucessora, Cinthia Ribeiro (PSDB), dessa chaga.
Sob o olhar da probidade, as emendas abrem uma enorme margem para a corrupção. O dinheiro liberado, muitas vezes, se torna alvo de acertos nada republicanos entre parlamentares e prefeitos. Os primeiros chegam com a verba e a empreiteira embaixo do braço, e o prefeito fica na situação de aceitar o jogo sujo ou não ter os recursos para o seu município.
No campo eleitoral, então, nem se fala. O prefeito tem que declarar apoio e, às vezes, até se filiar ao partido do “dono” da emenda, ou fica sem recursos para a gestão numa época em que os municípios estão completamente quebrados.
Se os líderes locais são decisivos para a difícil arte de cabular votos, como ficam os candidatos que não têm mandato e, portanto, não possuem emendas a oferecer? E como se falar em renovação política diante de um quadro desses?
Fora isso, as emendas parlamentares ainda são fontes fartas de caixa 2 para financiar campanha eleitoral. De novo: como falar em igualdade de disputa?
Esse articulação de recursos para municípios e Estados deveria ser feita diretamente pelos chefes do Executivo, prefeitos e governadores, sem intermediários, com a União. A existência das emendas parlamentares, que criaram raízes e se tornaram parte da cultura política brasileira, é um câncer que compromete gestões e toda a democracia.
CT, Palmas, 4 de agosto de 2018.