Começo minha reflexão desta quarta-feira, 22, pelo final da matéria que escrevi sobre o depoimento do ex-presidente do PreviPalmas Max Fleury à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara da Capital: “Se eu um dia for prefeito, o senhor nunca será presidente do PreviPalmas”, avisou o vereador Lúcio Campelo (PR), ao concluir seu questionamento à testemunha.
Esta é a questão que emerge de um depoimento titubeante, repleto de reticências, de uma pessoa que demonstrou claramente que não tem o conhecimento mais básico de como funciona o mercado de capitais. Não sabia o significado de siglas, nomenclaturas, conceitos, absolutamente nada. Então, a pergunta mais óbvia se faz necessária: como o senhor Max Fleury foi nomeado presidente do instituto responsável pelos R$ 600 milhões do fundo pensão dos servidores de Palmas com toda essa ausência de predicados?
[bs-quote quote=”O que é mais útil para se lavar milhões de reais do que um sujeito analfabeto em mercados de capitais, que assinava tudo sem ler e que, chamado à conversa, só diz que cumpriu o rito de um processo meramente burocrático, isentando qualquer outra pessoa de responsabilidade, que puxa toda para si em profundo e cúmplice silêncio? É o ‘pato’ perfeito.” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
A questão se torna ainda mais intrigante se considerarmos que sua nomeação ocorreu numa gestão que se gabava de ser o suprassumo da competência administrativa, exemplo de eficiência para todo o universo de reles humanos medíocres. Assim, como nessa redoma de excelência foi colocado alguém de uma incapacidade tão óbvia? Erro de avaliação não pode ser. Porque na primeira pergunta que lhe fizessem, o ex-presidente do PreviPalmas revelaria sua total ignorância sobre o mercado que queria administrar. Só por que o partido indicou? O governo passado deixou claro muitas vezes que selecionava os melhores e o que os partidos aliados tinham que apresentar nomes qualificados.
Se o depoimento aumentou ainda mais a sensação de que Fleury pode estar protegendo os responsáveis pela armadilha em que caiu — como sua fuga da CPI por longos meses já deixava parecer —, também fica evidente que pode ter sido tremendamente usado num enorme esquema do qual é possível que tivesse um vislumbre mínimo. Talvez enxergasse só a pontinha do iceberg.
O total despreparo de Fleury pode ter sido muito conveniente nessa imensa tramóia contra os servidores de Palmas. O que é mais útil para se lavar milhões de reais do que um sujeito analfabeto em mercados de capitais, que assinava tudo sem ler e que, chamado à conversa, só diz que cumpriu o rito de um processo meramente burocrático, isentando qualquer outra pessoa de responsabilidade, que puxa toda para si em profundo e cúmplice silêncio? É o “pato” perfeito.
Quem mais assinaria papel em branco, documento retroativo anterior à própria gestão, liberação de operações que variaram de R$ 10 milhões a R$ 30 milhões, sem nunca ter falado com os responsáveis pelos fundos que receberiam essa montanha de dinheiro, sem sequer ter a mínima curiosidade de levantar o histórico deles? A situação de Fleury é a pior possível porque corre o risco de pagar sozinho por um crime do qual foi apenas mero instrumento. Enquanto isso, os que lhe jogaram no fogo curtem a vida viajando o mundo, com fotos da nababesca aventura postadas diariamente nas redes sociais, divertindo-se com os milhões que ele, pelo protagonismo e ignorância, permitiu que fossem desviados das aposentadorias dos servidores que darão uma vida inteira ao município.
Não tive como ouvir Fleury falar que só cumpriu um rito processual e não me remeter à filósofa alemã Hannah Arendt, com a sua tese da banalidade do mal. De origem judia, ela dissecou nos anos 1960 o julgamento do oficial nazista Otto Adolf Eichmann, responsável pelo planejamento da chamada Solução Final, que resultou no extermínio de milhares de judeus na Segunda Grande Guerra. Arendt disse que no banco dos réus não estava um monstro, mas um cidadão normal, que chegava em casa todas as noites, orava antes do jantar com a família e, como pai carinhoso, lia para os filhos antes de dormir. Era um sujeito de inteligência normal e que só obedecia ordens, por isso tudo, se dizia inocente. Inclusive, era verdade que ele nunca matou um único judeu com as próprias mãos.
Não tenho dúvida de que Fleury não nutre qualquer simpatia pelo nazismo, e que até deve ter ojeriza por Hitler, mas compartilhou da argumentação de Eichmann, ao dizer que só cumpriu o rito processual. Da mesma forma como a indiferença do nazista contribuiu para o assassinato de uma quantidade enorme de seres humanos, a apatia do ex-presidente do PreviPalmas resultou num prejuízo de R$ 58 milhões no fundo de aposentadoria de milhares de servidores.
Para Arendt, o mal é superficial, banal, dispensa o pensar. Só o bem, defende ela, tem profundidade e exige reflexão. Por isso, dizia a filósofa, o ser humano precisa agir com consciência, liberdade e responsabilidade, acima até das imposições do Estado.
O pensamento da alemã está implícito no que a relatora da CPI, vereadora Laudecy Coimbra (SD), disse a Fleury no início de seus questionamentos: “Se o senhor tivesse tido o cuidado com os documentos do PreviPalmas como teve com esse termo de compromisso [de dizer a verdade, que ele se recusou a assinar], os servidores e a sociedade hoje não teriam prejuízos”.
CT, Palmas, 22 de maio de 2019.