Em novembro de 2007 fiz uma viagem de cerca de 20 dias pelo norte da Itália, acompanhando uma missão oficial de Palmas. Apaixonado pela Europa desde sempre, o que mais me encantou foi justamente constatar que transitávamos por museus a céu aberto. Castelos, muros e edificações em geral, cidades inteiras que nos levavam a um passado longínquo.
Ao ver cidades antigas margeando as rodovias, perguntávamos ao nosso cicerone quantos anos elas tinham. Ele, então, nos provocava: “Essa é nova, deve ter só uns 700 anos”. Ruas arcaicas e estreitas, ainda de pedras, serpenteavam por vilarejos do passado, transformados hoje em concentrados urbanos modernos de médio e grande portes. Por essas vias de chão pedregoso e desnivelado admirávamos lojas, prédios e igrejas seculares. Tudo nos fazia entrar num túnel do tempo, regressar à idade média e até muito antes dela.
[bs-quote quote=”Que tristeza! O fogo que consumiu todo esse patrimônio remonta àquele que no período medieval destruía livros considerados perigosos e malditos. O produto inflamável que deu início ao incêndio no Museu do Rio é o mesmo das fogueiras da Inquisição: a ignorância” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
Lá estão desde sempre a inclinada Torre de Pisa, que começou a ser levantada em 1173; a Catedral de Milão, iniciada em 1386, uma das mais incríveis obras góticas da Europa; o Coliseu de Verona, da primeira metade do século I, onde uma dor na alma me abateu ao me deparar com as prisões que um dia se encheram de cristãos e com as jaulas das quais os tigres pulavam na arena para arrancar a vida de inocentes para o delírio de um público que, como o de hoje, se divertia bestialmente com as tragédias humanas. A encantadora e inspiradora dos apaixonados Casa de Julieta, também uma atração veronesa, em homenagem à obra de William Shakespeare que tem a cidade de pano de fundo.
Em Pádova, a Basílica de Santo Antônio de Pádua, com seus traços românticos e góticos, magnífica. Nela encontramos, acreditem, um frade brasileiro que trabalha na igreja, recebendo peregrinos de todo o mundo. Uma sensação estranha diante dos restos mortais do santo, com sua língua elevando-se do que sobrou da mandíbula, seu caixão de madeira crua e os restos da roupa mortuária que o protegeu no descanso eterno.
Não se via um só muro ou parede pichados. Tudo impecável, nada destruído, nada correndo o risco de desmoronar, o zelo é visível na limpeza, na segurança sempre presente, nas rigorosas normas para acesso dos turistas. Os italianos sabem muito bem o valor imaterial dessa riqueza incalculável para sua história e para a sua economia, já que movimenta bilhões de euros todos os anos.
Fui tomado pelo filme dessa viagem inesquecível ao, atônito, ver as labaredas lambendo o Museu Nacional do Rio de Janeiro, gaseificando 200 anos de documentos de cultura, memória e ciência. Que tristeza! O fogo que consumiu todo esse patrimônio remonta àquele que no período medieval destruía livros considerados perigosos e malditos. O produto inflamável que deu início ao incêndio no Museu do Rio é o mesmo das fogueiras da Inquisição: a ignorância.
Somos um país avesso à educação, à cultura e à ciência. Por aqui se dissemina todo tipo de intolerância, desrespeito e selvageria. As redes sociais dão provas cabais diárias disso. A responsabilidade pela destruição de 200 anos da história do Brasil não é apenas das autoridades, dos governos, mas de toda uma sociedade que caminha em pleno século 21 ainda pelas trevas do obscurantismo.
Agora não temos mais passado, e ainda há alguém que acredita que teremos futuro?
Este é um dia de luto nacional.
CT, Palmas, 3 de setembro de 2018.