Ministro das Comunicações e principal articulador político do governo Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Motta era apelidado de “trator”. Cabia a ele defenestrar os adversários e também os próprios aliados em momentos de crise, como chegou a fazer com o todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães. Depois FHC, com toda a sua diplomacia, pragmatismo, “síndrome de lorde”, vinha a público repreender seu mais importante ministro.
Para mim, tudo sempre não passava de jogada ensaiada. Como presidente, não cabia a FHC partir para o ataque contra adversários e sobretudo aliados poderosos. Então, escalava Serjão, como era conhecido, para “tratorar” e depois lhe dava uma bela espinafrada publicamente. A sós, os dois — o presidente e o ministro — deviam rir muito dessas estripulias.
[bs-quote quote=”Sérgio Motta aprontava as suas, mas era tudo um jogo de cálculo político. O jeito estabanado era ensaiado para que produzisse o resultado esperado” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
Todo governo que preze precisa de um Serjão. É muito útil para fazer passar recados decisivos que não cabem ao chefe do Executivo ser o portador direto. Mas, nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno. Um personagem desse tipo nos momentos de crise faz muita falta. Ele exerce a função de iniciar um freio de arrumação na base aliada e de colocar a oposição em seu devido lugar. Contudo, ter muitos “Serjões” pode tornar o governo destrambelhado, e isso leva à perda de aliados e popularidade, e ainda dá força aos adversários.
No último governo Marcelo Miranda (MDB) faltava um Serjão. A gestão se viu em crise por todo o tempo. Com a popularidade em queda, os aliados — sobretudo na Assembleia — fazia e acontecia, sem qualquer reação palaciana, que se mostrava letárgica. Um “trator” faria o próprio governo se mexer, aliados serem, no mínimo, mais prudentes nos discursos e ações, e uns recados muito bem dados colocaria a oposição em modo de espera, o que já seria uma grande conquista para um governo que precisava mostrar a que veio.
O governo Mauro Carlesse (PHS) parece que sofre do excesso de “Serjões”. As principais figuras de maior ascendência sobre o chefe do Executivo são “tratores” e até explosivos. A nota que a Secretaria Estadual de Comunicação (Secom) divulgou na noite dessa segunda-feira, 19, sobre a crise da Segurança Pública é uma amostra clara disso. Ela eleva o tom do governo após quase quatro horas de reunião com a cúpula da SSP e com os representantes dos delegados do Estado.
“A troca de ocupantes de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, é uma prerrogativa exclusiva do governador do Estado. E sempre que houver a necessidade de substituição, será realizada dentro dos parâmetros constitucionais.” Uau! Passa a impressão de uma ordem saindo do alto comando da Polícia Militar para a tropa.
O que de fato ocorreu dentro da sala de reuniões do Palácio Araguaia só sabe quem participou, os representantes de governo, SSP e delegados. Estes dizem ter confrontado os governistas, alegando que era uma afronta “o atropelo das exonerações” sem passar pela cúpula da secretaria e da Polícia Civil. Pelos palacianos, a conversa que chega é de que os delegados só trataram de benefícios trabalhistas e não discutiram as exonerações dos delegados regionais. Oficialmente, nenhum interlocutor do Palácio confirma a informação.
Se pediram mesmo benefícios trabalhistas, os delegados não têm razão. Neste ponto concordo totalmente com o governo. Não é hora de se falar em reajuste de um centavo para ninguém. É momento de pôr a casa em ordem, e a bagunça é grande.
No entanto, ainda que as reivindicações trabalhistas tenham sido colocadas à mesa, a nota do governo é totalmente fora de tom. É preciso analisar para quem se comunica e em que contexto é comunicado. Nota à imprensa não é direcionada a uma categoria porque atinge toda a população, que, neste episódio, está revoltada, não com as exonerações em si, mas pelo que elas representam no momento em que ocorreram. Ou seja, elas foram impostas em meio a uma investigação de irregularidades envolvendo, mesmo que indiretamente, um dos principais aliados do governador, o deputado Olyntho Neto (PSDB).
A nota que não esconde a raiva de uma reunião improdutiva — afinal, o governo não convenceu a cúpula da SSP, que entregou os cargos —, e parece que quis responder, de forma ríspida, os servidores demissionários e os representantes dos delegados. Contudo, quem se sentiu atingido com a construção de um texto de tom autoritário foi toda a sociedade.
Pior: ainda não conseguiu convencer ninguém de que as exonerações dos delegados regionais têm relação com o ajuste fiscal. De que forma? Esses cargos não serão preenchidos? Se forem, o Estado não economizará nada com eles. Então, por que cargas d’água esses delegados regionais foram exonerados? A pergunta continua sem resposta.
A forma determinada com que o governo Carlesse trata esse ajuste do Estado é muito positiva. A coluna defende desde o ano passado que a principal do virtude do novo do governo tinha que ser a austeridade, que precisa ser colocada num pedestal, doa a quem doer.
No entanto, não pode faltar o equilíbrio necessário na relação com Poderes, corporações sindicais e sociedade. Sérgio Motta aprontava as suas, mas era tudo um jogo de cálculo político. O jeito estabanado era ensaiado para que produzisse o resultado esperado.
Os “Serjões” do Carlesse parecem não fazer cálculos. Dessa forma, o risco de erros é elevadíssimo com um custo enorme para o próprio governo.
CT, Palmas, 20 de novembro de 2018.