Os avanços da sociedade moderna, como em todos os outros períodos da história humana, são alcançados positivamente e com efeitos colaterais. Na área do trabalho não é diferente. De um lado, o movimento trabalhista foi fundamental para garantir direitos que impedem a exploração do homem de forma atroz, como se viu com a revolução industrial, com crianças e mulheres cumprindo jornadas de até 18 horas em áreas insalubres e de alta periculosidade. Contudo, a segurança nos joga na vala do paternalismo estatal, derruba a produtividade da nação, e o maior prejudicado é o trabalhador. O que muitas vezes parece benéfico pode estar dificultando o desenvolvimento humano.
O Brasil sofre desse mal. Somos herdeiros do legado varguista. Daquela época vem importantíssimas conquistas da classe trabalhadora, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943. Getúlio Vargas foi o responsável pela implantação de políticas trabalhistas desde que chegou ao poder no anos 1930. Em seu governo, o trabalhador teve acesso ao salário mínimo, carteira de trabalho, jornada de oito horas, férias remuneradas, previdência social e descanso semanal.
Claro que essas conquistas vinham na esteira do populismo varguista, que usava a classe operária para se manter forte no poder e, com ele, se fazer respeitado pela elite. Era conhecido como o “Pai dos Pobres”, mas também pejorativamente chamado de “Mãe dos Ricos”, porque, com as medidas paternalistas, mantinha os sindicatos sob controle, o país sem greves e o empresariado com lucro garantido.
[bs-quote quote=”Nossa cultura formada por forte influência da mentalidade populista e socialista nos leva a ser um país que cobra tudo do governo, visto como “pai de todos”. Por isso, o Estado é um mastodonte obeso que precisa ser mantido com elevada carga tributária” style=”default” align=”left” color=”#ffffff” author_name=”Cleber Toledo” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
No populismo da era Vargas se consolida a tendência característica do povo brasileiro de ver o governo como uma fonte inesgotável de recursos e obrigado a bancar tudo e todos. A esse fator se soma outro: o avanço do pensamento socialista, sobretudo a partir da década de 1920, com o fim da da Coluna Prestes e a filiação de Luís Carlos Prestes ao Partido Comunista. O resultado dessa mistura de mentalidade populista e socialista é justamente essa visão paternalista que temos do Estado.
A consequência mais funesta é a falta de valorização do empreendedorismo, a baixa qualificação da nossa mão-de-obra e, consequentemente, da produtividade da classe trabalhadora brasileira. Isso ficou evidente num levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) a pedido do jornal O Globo, publicado em fevereiro, que mostra que o Brasil continua na lanterna da produtividade do trabalho.
Vejam: um empregado brasileiro gera, em média, US$ 16,80 (ou R$ 54,09) por hora trabalhada, ficando 50º lugar numa lista de 68 países. Na Alemanha, por exemplo, país modelo em produtividade e o quinto do ranking, os empregados são quase quatro vezes mais produtivos do que os brasileiros (produzem US$ 64,40 por hora), e trabalham, em média, 340 horas menos por ano que o trabalhador no Brasil.
Já um relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), mostra que a média de anos de estudo no Brasil — 7,8 — é inferior às registradas no Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e no Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Veja o caso de alguns países:
Mercosul:
Argentina (9,9 anos);
Uruguai (8,6 anos);
Paraguai (8,1 anos).
A média de anos de estudos dos quatro países é de 8,6 anos.
Brics:
Rússia (12 anos);
África do Sul (10,3 anos).
A média do grupo é de 8,8 anos de estudo.
A nossa cultura formada por forte influência da mentalidade populista e socialista nos leva a ser um país que cobra tudo do governo, visto como “pai de todos”. Por isso, o Estado é um mastodonte obeso que precisa ser mantido com elevada carga tributária. Esse animal gordo abocanha tudo que vê pela frente e não sobra o suficiente para investirmos em educação como se deveria, na formação dos trabalhadores.
E, como estudamos menos, temos baixa qualificação. Assim, produtividade inferior aos demais importantes players do mercado internacional. Essa é a trágica fórmula que impede o Brasil de ser um país competitivo.
Felizmente, conseguimos flexibilizar as leis através da Reforma Trabalhista. É um mal a menos, mas ainda há muito a se avançar nesse quesito legislação, além da necessária mudança de mentalidade em relação ao papel do Estado na sociedade. A função de “pai de todos” está chegando ao fim, uma vez que o excesso de obrigações sociais impostas ao Poder Público passou dos limites. Vejam a situação dos Estados e prefeituras, todos quebrados.
A potencialização do Estado como provedor de todas as necessidades sociais e detentor exclusivo de setores estratégicos, como o caso do Petróleo, ainda teve o efeito colateral de tê-lo tornado alvo fácil dos saqueadores. A prática da corrupção é cultural e sistêmica, fruto também dessa política populista e paternalista.
Num artigo que li há pouco tempo me deparei com uma diferença interessante sobre leis trabalhistas no Brasil e nos Estados Unidos. Dizia que aqui a maioria dos direitos trabalhistas foi originalmente concebida para que os trabalhadores pudessem ter uma condição de vida digna e não fossem explorados por suas companhias, o que também gerou essa cultura paternalista. Pior: fracassou no seu propósito, já que temos uma classe trabalhadora mal remunerada e de condições de vida muito longe do ideal. No território americano, os direitos trabalhistas existem principalmente para atrair e manter empregados qualificados.
Uma diferenciação aparentemente simplista, mas monumental do ponto de vista de resultados. Os Estados Unidos têm leis trabalhistas enormemente flexíveis, que variam de Estado. No entanto, salários elevados e trabalhadores com qualidade de vida incomparável com à dos brasileiros.
Como se diz, nunca se soube que americanos atravessaram o mar em jangada em direção a Cuba. Mas o inverso foi muito frequente.
Assim, se nossa legislação e cultura garantiram segurança aos trabalhadores, também lhes tirou condições de serem mais produtivos e, consequentemente, de terem ganhos mais significativos e melhor qualidade de vida.
CT, Palmas, 1º de maio de 2018.