Faz 196 anos que ecoa o grito feito por Dom Pedro I às margens de um riacho chamado Ipiranga, quando retornava de Santos em direção a São Paulo. O escritor Laurentino Gomes conta no seu espetacular “1822” que o príncipe regente e futuro imperador do Brasil estava com uma tremenda dor de barriga.
O escritor continua desmistificando: “A montaria nem de longe lembrava o fogoso alazão que, meio século mais tarde, o pintor Pedro Américo colocaria no quadro ‘Independência ou Morte’, também chamado de ‘O Grito do Ipiranga’”. Conforme Laurentino, o padre Belchior Pinheiro de Oliveira, testemunha daquele 7 de setembro de 1822, se referiu ao animal como uma “bela besta baia”. Ou seja, conclui o autor dos também magníficos “1808″ e “1889”, “uma mula sem nenhum charme, porém forte e confiável”.
Laurentino explicou que era o animal mais apropriado para esse tipo de viagem, numa época em que nem se passava pela cabeça das pessoas que um dia haveria a portentosa Rodovia Imigrantes, ligando São Paulo e Santos. A subida da Serra do Mar naquela época se dava por caminhos tortuosos: íngremes, enlameados e esburacados.
[bs-quote quote=”O populismo à direita, com Getúlio Vargas, e o populismo à esquerda, simbolizado por Luiz Carlos Prestes, inocularam no povo brasileiro que o Estado é ‘o pai de todos’ e responsável por tudo. Por essa cultura perversa, nosso espírito empreendedor foi asfixiado” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
Aquele grito ainda não se completou quase dois séculos depois. O Brasil do século 21 é muito mais desenvolvido, fez avanços formidáveis, do ponto de vista econômico e social, inegável. Mas muito distante do desenvolvimento que almejamos. Ainda enfrentamos problemas que deveriam ter sido resolvidos há décadas, como o sistema político. No que diz respeito à moralidade na vida pública, não somos nem um pouco diferente do que a história registra no período colonial.
Diante de tantos desafios para que o grito da independência seja efetivamente ouvido, neste momento da história estamos numa bifurcação. Um estrada leva ao populismo que marca nossa formação desde priscas eras. O outro é o da sensatez, da responsabilidade com o presente e o futuro, da austeridade fiscal, e o fim dele dá num país, enfim, desenvolvido, com um povo educado, com qualidade de vida, justiça econômica e social.
O problema é que este último caminho é biblicamente classificado de “porta estreita”. O chão a ser percorrido tem trechos arenosos e outros pedregosos, é íngreme, com um sol escaldante, e exigirá sacrifícios muitas vezes até desumanos. Algumas gerações ainda a mais terão que tombar nessa via crucis. Contudo, é o único que consolidará o desenvolvimento de forma irrefutável.
Não é uma miragem, como o período em que se fabricou um desenvolvimento social a custo de uma gastança pública que levou o país ao aumento do endividamento e à maior crise da história da República. Os pobres daquela época, com a profunda recessão para onde, irresponsavelmente, arrastaram o Brasil, voltaram a ser pobres. Isso não é inclusão social, muito menos desenvolvimento. Puro populismo.
E diz respeito ao outro caminho, o da “porta larga”. Fácil, cheio luzes, cores e promessas de felicidade. Oferecem a quem transita por essa via da alegria plena uma vida farta, de saúde e educação referências para o mundo, de emprego a se escolher. Não há sacrifícios nessa estrada do regozijo absoluto.
A diferença em relação à outra via não é só o transcurso, mas também a chegada. Enquanto pela “porta larga” se caminha por miragens, pela “porta estreita” se peregrina pela dura realidade. Porém, pela estrada do sacrifício se chega ao desenvolvimento real, efetivo, mas o passeio da ilusão desemboca no caos.
O povo brasileiro terá que definir nestas eleições qual via prefere tomar. Na “porta larga” caminhamos desde sempre. O quadro “O Grito do Ipiranga”, de Pedro Américo, é um exemplo disso. A vida toda nos mostraram um magnífico alazão e um futuro imperador altivo, quando a realidade tem uma mula montada, nas palavras do escritor Laurentino Gomes, por “um simples tropeiro, coberto pela lama” e com dor de barriga.
O populismo à direita, com Getúlio Vargas, e o populismo à esquerda, simbolizado por Luiz Carlos Prestes, inocularam no povo brasileiro que o Estado é “o pai de todos” e responsável por tudo. Por essa cultura perversa, nosso espírito empreendedor foi asfixiado. Ensina-se o que Poder Público é patrão mais benevolente e dadivoso, então, por que se aventurar em empreender se pode ter os melhores salários (fora da realidade) e benesses nunca antes sonhada na vida?
O custo do País para manter essa “porta larga” sempre aberta é o da eterna dependência, que continua sufocando o grito do Ipiranga, com impostos absurdos (quantos movimentos para livrar o Brasil de Portugal tivemos pelo excesso tributário que ainda hoje nos amarra?), a consequente falta de competitividade internacional, empregos precários e salários miseráveis para a parte da população não contemplada pela farta teta do erário.
Mas parece que gostamos de ter este Estado mastodôntico e ineficiente como tutor, nos guiando pela “porta larga” do subdesenvolvimento e nos tornando alvo das crises cíclicas que se sucedem ao final de cada onda internacional de pujança, quando, então, às falsas conquistas sociais se sobrepõe novamente o real e triste quadro de atraso e incivilidade.
Queremos continuar transitando por essa via de facilidades, através de um populismo de esquerda ou direita — um tão perverso como o outro —, ou estamos dispostos a passar ao largo das mentiras, das falácias, e, como cidadãos maduros e responsáveis, trilhar o caminho que todas as nações hoje desenvolvidas fizeram, pensando em deixar um país melhor para as futuras gerações?
É a esta a principal questão dos nossos mais de 500 anos de história que teremos que responder no dia 7 de outubro e que merece a nossa reflexão neste 7 de setembro, dia em que deveríamos estar comemorando uma verdadeira e inquestionável independência.
CT, Palmas, 6 de setembro de 2018.