O ano começa no Brasil na Quarta-Feira de Cinzas. Claro que, para os supersticiosos, pode não ser de bom agouro. Quando os que creem em azar olham para a última década do País, aí que tendem a ficar temerosos. De toda forma, com sorte ou não, os desafios surgirão e precisarão ser encarados. Como bem nos ensinou um dos maiores gigantes da nossa literatura, Guimarães Rosa, no seu clássico “Grande sertão: veredas”, o maior romance do século 20: “A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
Por aqui, naquilo que é meu métier há mais de três décadas, a política, 2024 ganhará intensidade a partir de segunda-feira, 19, com as pré-campanhas definitivamente colocadas nas ruas. O primeiro foco é a janela partidária que será aberta em março. É um período fundamental para a composição de forças dos pré-candidatos a prefeito e de extrema tensão para os vereadores que precisarão se reacomodar em novas siglas por não serem mais bem-vindos na que estão, ou porque têm que encontrar uma legenda que lhes garantam mais competitividade. De toda forma, para os parlamentares de mandato, o cálculo deve ser exato. Ao mínimo erro, podem não voltar para a nova legislatura em 2025. Tenho visto muitos apavorados com a essa decisão que precisará ser tomada nas próximas semanas.
Mas essa janela também vai mexer com pré-candidatos a prefeito — principalmente de Palmas — que estão na Assembleia e não contam com o apoio de seus atuais partidos. Dois casos estão muito claros neste momento: o deputado estadual Júnior Geo, cuja sigla, o Podemos, já definiu quem vai disputar, o ex-senador Eduardo Siqueira Campos; e Vanda Monteiro, já que seu partido, o União Brasil, tem a pré-candidata definida, a igualmente deputada Janad Valcari (PL).
Em ambos os casos há um problema tão sério quanto não ter o apoio do partido para seus projetos eleitorais: para Geo e Vanda saírem precisam do aval de suas siglas, ou incorrerão em infidelidade partidária, o que pode lhes custar o mandato. Pelo lado de suas legendas, o raciocínio passa por um pragmatismo maquiavélico: liberá-los significa criar adversários de peso para Eduardo Siqueira, no caso de Geo, e para Janad, no caso de Vanda. Assim, essas siglas terão o altruísmo necessário para dar asas a futuros adversários ou vão amarrá-los para que não atrapalhem a vida de seus escolhidos para as eleições?
No caso de Janad, a princípio, ela tem o partido, o PL, mas ainda falta o mais importante: seu presidente regional, senador Eduardo Gomes, dizer em alto e bom som que ela realmente é a aposta da agremiação para a disputa de Palmas. Ainda não o fez. A seu favor, a deputada conta com o bom desempenho das pesquisas que estão sendo divulgadas desde o ano passado e que, com certeza, vão parar na mesa da direção nacional. Mas a informação que vem de Brasília é que quem decidirá, com total liberdade e pleno aval, é mesmo Gomes.
Em termos de grupo, o maior desafio nesse tabuleiro é de alguém que não é candidato, mas cujo desempenho em 2024 apontará para o que lhe interessa: 2026, o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos). De um ponto de vista simbólico, a principal eleição para ele é a de Palmas, onde o Palácio Araguaia vive uma seca que completa exatos 24 anos, já que a última vitória de um governador na Capital foi em 2000, com Siqueira Campos elegendo Nilmar Ruiz. Depois disso, foi só derrota, em meio aos desgastes de todos os governadores que se seguiram, com o Estado engolfado numa crise fiscal que estrangulou sua capacidade de investir e de honrar compromissos com servidores e fornecedores.
O Estado já saiu do fundo desse buraco e caminha em direção à luz. Com isso, o governo respira mais aliviado, tem capacidade de investimento e honra em dia os compromissos com os servidores e fornecedores. Claro que há muito o que caminhar, mas sem comparação com o que ocorria até o início de 2018. Esse cenário econômico, aliado à sua habilidade política, dá a Wanderlei a condição de ter melhor desempenho eleitoral do que seus antecessores, inclusive em Palmas.
Contudo, o que se vislumbra neste momento não é nada alvissareiro para Wanderlei. Na Capital ainda não definiu quem vai apoiar — e pessoas próximas dizem que isso só ocorrerá próximo às convenções. Em Araguaína, não haverá um embate fácil entre o nome do governador, o deputado estadual Jorge Frederico (Republicanos), e o prefeito Wagner Rodrigues (UB). Em Gurupi, também não há pré-candidato definido, ainda que todas os dedos apontem para o deputado estadual Eduardo Fortes (PSD), e Josi Nunes (UB) vai melhorando o desempenho com muitas obras espalhadas pelas cidade. Em Porto Nacional, o prefeito Ronivon Maciel (PSD) vem se recuperando bem após as dificuldades dos primeiros anos; e, em Paraíso, o prefeito Celso Morais (MDB) tem uma gestão muito elogiada, ainda que deva enfrentar tudo e todos — parece que lhe faltou habilidade política, não competência para administrar.
Mais do que no nível do simbólico, com vitórias em Palmas e outras cidades maiores em 2024, Wanderlei pode ter outro desafio quando se olha para 2026: evitar que ecloda neste ano uma oposição robusta contra sua gestão. Até agora ele voa em céu de brigadeiro, sem uma oposição consolidada, organizada e de respaldo diante da opinião pública para contrapor seu governo. O senador Irajá (PSD) tenta, mas é voz que clama no deserto, sem legitimidade das urnas de 2022 para se firmar como líder oposicionista, uma vez que há dois anos — como a coluna já afirmou várias vezes — foi simplesmente ignorado pelo eleitorado.
Se errar na articulação em 2024, porém, Wanderlei poderá ver surgir uma oposição que possa lhe causar problemas. Os dois principais pré-candidatos a sucedê-lo em 2026 são de sua base: o vice-governador Laurez Moreira (PDT) e a senadora Dorinha Seabra Rezende (UB). Claramente, Dorinha é a que mais tem conquistado força com a filiação de importantes prefeitos e pré-candidatos. Tudo indica que o partido dela deve ser o que mais vai eleger candidatos este ano, o que dará a Dorinha uma sólida sustentação para seu projeto de governadora.
Mas ela será situação ou oposição ao Palácio? Se for o nome da oposição, como será? A senadora não tem histórico de confronto público — não fez isso mesmo quando disputava o comando do DEM e depois do PSL com o então governador Mauro Carlesse. Mas, como pré-candidata a governadora, se estiver na oposição, vai manter a mesma postura?
Claro, Dorinha pode ser até candidata de situação, se, por exemplo, Wanderlei decidir ficar no governo até o final e não concorrer às eleições de 2026. Aí ele mata o projeto de Laurez — como Carlesse caminhava para fazer com ele em 2022 — e apoia a senadora para a sua sucessão.
Reforçando, óbvio, que tudo aqui é no campo da suposição.
De toda forma, em 2024, para os principais nomes da política estadual, o que está em jogo não é só a eleição de seus aliados nos municípios, mas os próprios projetos deles daqui a dois anos.
CT, Palmas, 14 de fevereiro de 2024.