O Conselho Federal de Medicina e o Conselho Regional de Medicina do Tocantins (CRM-TO) denunciaram nesta quarta-feira, 13, vários problemas da saúde pública do Tocantins, destacando que o financiamento do governo estadual e União tem sido insuficiente para atender todas as demandas da área. Porém, o CT teve acesso a uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que apontou que irregularidades no pagamento de plantões médicos oneraram os cofres públicos em cerca de R$ 63.688.042,00, nos meses de janeiro a junho de 2017.
Segundo o órgão de controle, foi constatada deficiência na gestão e controle de registro de frequência, no cumprimento efetivo das escalas, bem como em atos normativos, principalmente a Portaria n.º 937/2012. O TCE averiguou ainda descontrole na quantidade de pagamento de plantões extraordinários e de sobreaviso e inadequações na concessão de licenças e cessões.
No relatório de inspeção o TCE aponta que a Portaria nº 937, editada em 29 de dezembro de 2012, contraria a regra de jornada de trabalho estabelecida pela Lei n.º 2.670/2012. De acordo com o documento, o dispositivo ocasiona perda significativa na disponibilidade médica ofertada à população, bem como aumento do gasto financeiro com pagamento de plantões extraordinários e necessidade de contratações temporárias, uma vez que reduz a carga horária a ser cumprida e converte a jornada normal de trabalho em regime de plantão.
– Confira a íntegra do relatório de inspeção.
Fiscalização
A inspeção realizada na Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) teve como objetivo aferir diversas situações gerenciais e práticas concernentes aos profissionais médicos do Estado do Tocantins, com enfoque principalmente no que tange ao cumprimento da jornada de trabalho, composição e adequação do sistema remuneratório, licenças e cessões para outros órgãos.
A fiscalização abrangeu as 18 unidades hospitalares, no qual foram identificados um quantitativo de 1.116 profissionais médicos, no mês de abril de 2017. Deste total 706 eram preenchidos com servidores efetivos e/ou estabilizados, 408 contratos temporários e dois terceirizados.
O orçamento inicial da Saúde de 2017 foi consolidado no valor de R$ 1.732.141.260,00, tendo sido previsto para execução de despesas com pessoal e encargos o valor de R$ 997.497.260,00, ou seja, 58% do valor total. Porém, conforme o relatório, apenas no 1º quadrimestre do ano passado já havia sido executado o valor de R$ 496.046.289,22, correspondendo a 49,72% do total previsto.
Pagamento de plantões
Conforme apurado pela inspeção, através de informações solicitadas à equipe técnica da Sesau, foi verificado um custo elevado aos cofres públicos nos meses de janeiro a junho de 2017 de R$ 28.456.706,98 de pagamento de plantão de sobreaviso e de R$ 20.252.060,06 de pagamento de plantão extraordinário.
Em várias unidades hospitalares foi verificado que existem profissionais médicos cumprindo jornada ordinária de trabalho exclusivamente em regime de sobreaviso ou extraordinário, em desacordo com regulamentação da Sesau. Segundo os auditores, isso onera a folha de pagamento, pois essas modalidades de plantões é para situações excepcionais ou emergenciais devidamente justificadas, apenas para suprir a necessidade de eventual escassez de profissionais.
O relatório de inspeção também apontou que profissionais de sobreaviso, em várias hospitais, quando chamados não comparecem dentro do prazo de 15 minutos a 30 minutos, estabelecido pela Sesau. Nesses casos há relatos de que os médicos estavam em outras atividades, como em hospitais privados e clínicas particulares.
Os auditores detalharam que no livro de ocorrência da enfermagem do Hospital de Arraias, por exemplo, foi constatado que a unidade fica frequentemente sem atendimento médico por período de uma hora, principalmente, em virtude do atraso dos profissionais que alegam morar em outra localidade, “comprometendo o atendimento à população”.
A inspeção constatou que em diversas unidades hospitalares há também a prática de cumprimento de carga horária na modalidade de “horas avulsas”, com oneração aos cofres públicos nos meses de janeiro a junho de 2017 de R$ 14.979.274,98. Os auditores pontuaram que essa situação é “estranha” aos princípios da boa Administração Pública, “uma vez que não existe nenhuma norma regulamentadora desta modalidade”.
Controle de frequência e escalas
No relatório, os auditores do TCE também detalharam que o controle de frequência é realizado de forma “precária”, apesar de existir folha de ponto, as mesmas não são assinadas diariamente. “Alguns médicos não cumprem horário, chegam atrasados para atendimento, entretanto não há qualquer anotação referente ao atraso, situação verificada no ato da visita in loco e em conversas informais com enfermeiros e outros servidores”, apontaram.
Apesar da Sesau disponibilizar para todas as unidades hospitalares o formulário que deverá ser utilizado quando houver troca de plantões não foi verificado o cumprimento da mesmo, segundo os auditores. Eles relataram que algumas escalas médicas apresentaram inconsistências, como troca de médicos sem formalização e atrasos em sua publicação. “Observamos através de entrevistas informais que as escalas médicas atendem mais a conveniência dos profissionais médicos do que a demanda da Unidade”, escreveram no relatório.
Durante os trabalhos de inspeção também foi observado a existência de médicos contratados pelo Estado para cumprir jornada de 40 horas e pelos municípios, para Programa Saúde da Família (PSF), com a mesma carga horária, ou seja, por mais 40 horas. Conforme o relatório, já está em curso no TCE uma fiscalização direcionada para a verificação de acumulação de cargos públicos, que é vedada quando não há compatibilidade de horários.
Proposta de encaminhamento
Após elencar os problemas encontrados, o relatório dos auditores propuseram à Corte de Contas que seja determinada a revogação da Portaria/Sesau Nº 937/2012 com urgência e a elaboração de um regulamento para cumprimento de carga horária, bem como, a extinção do instrumento denominado “horas avulsas”, adotado em 10 unidades hospitalares.
O documento sugere ainda recomendar aos gestores a realização de concurso público por unidade hospitalar; a redução de gastos com pagamentos de plantões extraordinários e de sobreaviso; a extinção de todas as práticas relacionados à frequência, registro de ponto, elaboração e cumprimento das escalas no funcionamento dos hospitais, que não estejam de acordo com as normas estabelecidas pela Sesau; e ainda a adequação do sistema de escala para atendimento das exigências prevista na legislação, tendo como base o atendimento da demanda e não a conveniência do profissional médico.
Outro lado
O CT acionou o Sindicato dos Médicos do Tocantins e a Sesau para se manifestarem sobre a inspeção do órgão de controle, mas até o fechamento da matéria não teve retorno.