Marias, Anas, Elisas, Lúcias e outras tantas mulheres e meninas, cujos nomes fazem parte das estatísticas criminais. São vítimas invisíveis da violência no nosso país, são rostos que desnudam o discurso teórico do combate a violência e escancaram os crimes praticados contra a dignidade humana e a vida.
Basta olhar o passado histórico do Brasil que já se demonstra, o quão progressiva e tardiamente, as lutas travadas resultaram em conquistas femininas. Em 1827, por exemplo, as mulheres adquiriram o direito à educação básica. Em 1879, foi autorizado o ensino superior às mesmas e, por conseguinte, por volta de 1932, as mulheres alcançaram os direitos de cidadania (votar e serem eleitas). Acrescente-se a isso, o fato de que apenas partir da década de 60, ocorreu o aprimoramento das reivindicações relativas ao acesso aos métodos contraceptivos, igualdade, proteção à mulher contra a violência doméstica e tantas outras questões que surgem e são colocadas como objetivos femininos.
[bs-quote quote=”Em 2015, 4.657 mulheres foram assassinadas, uma a cada duas horas. No ranking mundial dos países com a maior taxa de homicídios contra mulheres, o Brasil ocupa a triste 5.ª colocação” style=”default” align=”left” color=”#ffffff” author_name=”Millena Coelho Jorge Albernaz” author_job=”É delegada de Polícia Civil do Tocantins” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/03/MillenaCoelhoJorgeAlbernaz60.jpg”][/bs-quote]
Entretanto, em meio as conquistas, atrocidades foram cometidas e, mesmo com os deveres constitucionais impostos, somente em 2006 a Lei n. º 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), foi editada, criando mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Da mesma forma, a Lei do Feminicídio ( Lei n.º 13.104) foi sancionada em 2015, tornando mais grave o crime de homicídio em razão do gênero, envolvendo violência doméstica e familiar e/ou pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Tanto era urgente a Legislação especial, que ao analisar os dados levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, constatou-se que em 2010, a cada quinze segundos, uma mulher foi vítima de violência de gênero no Brasil. Em 2015, 4.657 mulheres foram assassinadas, uma a cada duas horas. No ranking mundial dos países com a maior taxa de homicídios contra mulheres, o Brasil ocupa a triste 5.ª colocação.
Com efeito, mesmo com índices alarmantes, verificou-se em todo o país a redução dos gastos com políticas públicas de segurança entre 2015 e 2016, na ordem de 2,6%. E em que pese essa redução, desde a entrada em vigor da Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio, alterações sensíveis foram observadas, refletindo, não somente na atuação dos profissionais da Segurança Pública e do Judiciário, mas na percepção da sociedade brasileira, em geral, e do Tocantins, em particular, quanto à gravidade dos crimes perpetrados contra mulheres e meninas.
Nesse sentido, com base nas normas nacionais e internacionais, permitiu-se atuações mais rigorosas, como por exemplo, da Polícia Civil, com a implementação dos atendimentos especializados (Delegacias de Atendimentos às Mulheres-DEAMs), tornando-se possível aos Delegados de Polícia e suas equipes, efetuarem prisões em flagrante em desfavor dos agressores*. Além do mais, a atuação judicial foi potencializada pela especialização das varas de combate à violência doméstica e familiar, possibilitando maior agilidade na determinação de medidas protetivas de urgência às vítimas e na decretação da prisão preventiva. Na prática, constatou-se que muitas mulheres e meninas foram salvas de crimes mais graves como feminicídio, em razão da existência de proteção anterior.
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A violência contra as mulheres e meninas em todo o mundo representa um grande desafio, exigindo-se dos estados ações compatíveis com o ordenamento internacional, tendo em vista o respeito à paz e aos direitos humanos. Há urgência quanto a implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência em todo o país, consistentes, notadamente, na estruturação e ampliação das atividades dos órgãos especializados, assim como, medidas que passem não somente pelo âmbito criminal, como também por toda ordem social, econômica e educacional do país.
Que no futuro, outras Marias, Anas, Elisas e Lúcias, possam exercer a plenitude da dignidade humana, ultrapassando os limites culturais e sócio-econômicos, desfrutando com todas as forças das árduas conquistas obtidas ao longo da história. Que sejam protagonistas de uma nova era sem violência e discriminação, sabedores de que as mulheres e crianças do sexo feminino, também, constituem parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos que são universais.
Como a omissão consiste em conivência, vamos denunciar os agressores:
Telefones úteis, ligações gratuitas-Central de Atendimento à Mulher (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres)- 180.
Disque Denúncia Nacional de Combate à Violência e ao Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes- 100.
Polícia Civil(Ouvidoria) – 63-3218-68-98
Polícia Civil (Delegacias Especializadas)-63-3218-6878/ 63-3218-24-04
Polícia Militar- 190.
Corpo de Bombeiros- 193.
*Somente no Tocantins de 2006 até agosto de 2017 foram efetuadas 33.497 prisões em flagrante considerando todas as unidades especializadas do estado (Secretaria da Segurança Pública do Tocantins- Diretoria de Inteligência e Estratégia – Gerência de Inteligência, Análise e Estatística).
Millena Coelho Jorge Albernaz
É delegada de Polícia Civil do Tocantins, graduada em Direito pela PUC-Pontifícia Universidade Católica de Goiás, pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Unitins e mestranda pela Universidade Autônoma de Lisboa.
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