A demarcação de áreas indígenas é um procedimento, que se desenrola na maioria das vezes na esfera administrativa e é regulado pelo Dec. 1.775/1996. Tal procedimento busca estabelecer qual a real extensão das áreas necessárias ao uso dos povos indígenas para que possam manter e preservar seu modo de vida e tradições, e se já eram ocupadas por tais povos a um determinado tempo, uma data limite, essa data limite é o que se chama marco temporal. Essas áreas são bens da União, cujo usufruto exclusivo pertence aos ocupantes beneficiários da demarcação, mas a propriedade nunca deixa de pertencer a União.
Quais são as fases de um processo de demarcação e áreas indígenas
O processo de demarcação de terras indígenas pode ser divido em 7 fases, quais sejam as seguintes:
- Estudos iniciais: É a fase de identificação da área indígena, nessa fase uma equipe multidisciplinar chefiada por um antropólogo nomeado pela FUNAI, inicia a identificação do território a ser demarcado, buscando os elementos históricos de ocupação e vínculo entre a população indígena de determinada área e a porção de solo pretendida;
- Aprovação: A FUNAI aprova o relatório antropológico e promove a publicação do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área, devendo a publicação deve ser afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel, essa publicidade é necessária para que todas as partes envolvidas ou afetadas pela possível demarcação possam se manifestar;
- Oposição/Contestações: As partes interessadas e afetadas pela demarcação tem até 90 dias para se manifestar e apresentar fundamentadamente e de modo técnico suas razões e oposições, podendo inclusive Estados e Municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior;
- Declaração de limites: Nos sessenta dias subsequentes ao encerramento do prazo de que trata o parágrafo anterior, o órgão federal de assistência ao índio encaminhará o respectivo procedimento ao Ministro de Estado da Justiça, juntamente com pareceres relativos às razões e provas apresentadas, e então o ministro poderá:
4.1 Aprovar declarando, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação;
4.2 Determinar diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias;
4.3 Desaprovar a identificação e retornando os autos ao órgão federal de assistência ao índio, mediante decisão fundamentada.
- Demarcação em campo: uma vez declarados os limites, a FUNAI promove a demarcação física dos mesmos, identifica os ocupantes não índios presentes na área e promove sua retirada do perímetro da terra indígena;
- Homologação: findo o procedimento o mesmo é submetido a presidência da república para homologação mediante decreto;
- Registro: Após a publicação do decreto de homologação, o órgão federal de assistência ao índio promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda.
O caso da terra indígena “Kapôt Nhinor”.
Uma área de aproximadamente 362.000ha (trezentos e sessenta e dois mil hectares), situada entre os municípios de Santa Cruz do Xingu/MT, São Felix do Xingu/MT e Vila Rica/MT, é reivindicada desde o ano de 2004, pelos Mebengôkre Kayapó e Yudja, que alegam que a área é de ocupação tradicional desses povos. Esse procedimento vai impactar aproximadamente 201 fazendas particulares, que cuja propriedade será extinta pela criação da Terra Indígena.
A área passou por estudos de identificação entre os anos de 2004 a 2015, sendo que foi identificada com aprovação do relatório pela FUNAI em 28 de Julho de 2023, e o processo agora seguirá para a fase de contestações, onde em até 90 dias as partes afetadas pelo processo poderão opor suas razões e se manifestar.
Esse avanço é apenas um preludio do que está por vir, a atual ministra dos povos indígenas Sonia Guajajara comemora que 32 novas áreas indígenas já estão mapeadas para facilitar o controle de ocupação e diz ainda que só nesse ano já foram homologados seis territórios e lembrou que, nos últimos dez 10 anos, foram homologadas apenas 11 terras.
O processo de demarcação é complexo e favorece os indígenas por considera-los como vulneráveis frente ao contexto social em que estão inseridos, logo os proprietários de terra envolvidos, enfrentam um extremo grau de dificuldade para que possam defender de modo objetivo seu direitos. A questão não é simples e coloca em cheque o conflito entre justiça retributiva e garantias constitucionais, e em meio a todo esse debate se acirram mais ainda as discussões sobre o marco temporal da demarcação de terras indígenas, esse último que já aprovado na Câmara dos Deputados segue para Senado Federal, e avança a passos largos.
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; Advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, Direito Agrário e de Direito de Propriedade; Membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio-ABA; Membro Consultor da Comissão de Relações Agrárias-OAB/TO; Especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF.
costaneto.jus.adv@gmail.com