O tema é espinhoso, e de fato foi tão destorcido pelos políticos ao longo dos anos, que se tornou sinônimo de movimentos sociais partidários, quando na verdade deveria ser sinônimo de progresso, desenvolvimento social e econômico, reforma agrária não pode ser uma questão político-partidária, mas sim de ordem nacional.
O objetivo maior da reforma agraria é reestruturar a produção interna permitindo que o abastecimento de gêneros de consumo à população se dê de meio sustentável e acessível, e buscar fazer isso dando nova destinação a áreas de terras, devolutas, improdutivas, dentre outras, promovendo a fixação na terra de pessoas que apresentam perfil de produtor rural, mas que ainda não possuem seu próprio imóvel rural. Daí se tem que o primeiro estigma é o da obtenção de terras, e da lembrança amarga das invasões, do terror e das arbitrariedades perpetradas pelo poder público nas desapropriações.
O segundo estigma é que não basta assentar, é necessário que se assente quem tem perfil e interesse de produzir, e a bem verdade o perfil dos assentados mudou muito ao longo dos anos, se no começo havia pouco ou nenhum suporte do governo aos beneficiários do PNRA, como bem podem dizer as famílias assentadas décadas de 80 e 90, e nos parece que se hoje o auxílio dado a produção é bem maior, embora ainda insuficiente, com relação ao filtro de perfil do PNRA, isso é outra história…. Ha ocupantes irregulares, que preenchem os mesmos requisitos dos que estão com cadastro homologado, e que produzem de forma exemplar, mas sofrem duras agruras para se regularizar.
Bom, mas e as mudanças? Vamos destacar com vocês aqui três mudanças, respectivamente destinadas regularização de ocupantes irregulares, Obtenção de terras, e gestão do acervo fundiário.
Regularização de Ocupantes Irregulares
No cenário do Programa Nacional de Reforma Agrária-PNRA, chamam-se ocupantes irregulares, às pessoas que se encontram em uma parcela de projeto de assentamento sem terem sido convocados para ocupá-la diretamente com base na lista de espera da relação de beneficiários do INCRA.
Desde a promulgação da Lei 13.467/2017, até o final de 2023 a dinâmica para regularização de ocupantes irregulares era simples, a parte deveria comprovar permanecer de modo ininterrupto ocupando explorando de forma produtiva a área desde 22 de Dezembro de 2015 e, essa ocupação deveria incidir em Projetos de Assentamento que tenham sido criados em data a anterior 22 de Dezembro de 2014.
Com o advento da Lei 14.757/2023, essa questão passou a ser tratada de modo distinto, porque ao invés de se adotar um marco temporal legal para margear a regularização, o legislador, optou por adotar um critério de lapso temporal, essa substituição de marco temporal, por lapso temporal, acompanha uma tendência que se mantem a séculos, nos sistemas de prescrição aquisitiva, aqui adaptado aos sistemas de aquisição originária para fins de reforma agrária.
Quando se adota uma data fixa como marco de ocupação, dentro do qual existe uma janela de ocupação, a lei deve mudar de tempos em tempos, sob pena de que essa data utilizada como marco se torne tão distante que, seja quase impossível comprovar o preenchimento desse requisito, sobremaneira porque aqui não se admite a soma do tempo de ocupação ao de eventuais antecessores, como no caso da regularização fundiária de terras devolutas, ou dos sistemas de prescrição aquisitiva.
Nesse ponto a inovação foi enorme, porque agora graças a Lei 14.757/2023, o prazo mínimo de ocupação e exploração da parcela que a parte deve comprovar é de um ano, devendo o projeto de assentamento ter sido criado a no mínimo dois anos, e é claro, deverá preencher os demais requisitos para se enquadrar no PNRA. Essa medida traz desburocratização e celeridade a implementação de ações corretivas voltadas a realidade da reforma agrária nacional.
Prateleira de Terras
Embora o nome possa parecer curioso, o tema nada mais é do que uma política de organização das áreas disponíveis para implementação de projetos de reforma agrária, onde estarão cadastradas as áreas devolutas, arrecadadas para essa finalidade, bem como demais áreas disponíveis com aptidão para implementação de reforma agrária. Como isso vai funcionar na prática? Ainda ninguém sabe. Agora certo é que, ninguém ainda pensou também se de fato faltam terras para reforma agrária, ou se as que existem são mal geridas.
Nesse sentido se destaca o Despacho Presidencial de 15 de Janeiro de 2024, que ao adotar o Parecer nº 00001/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU, datado de 09 de fevereiro de 2024, expedido no bojo do processo administrativo n. 54000.061949/2023-18, admitiu a possibilidade de adjudicação de imóveis rurais penhorados em processos contra grandes devedores da União e de entidades federais, que serão e destinados para a reforma agrária.
Adjudicação, para esclarecer a nossos leitores é a possibilidade que o exequente de determinado processo (quem tem o crédito a receber) de reclamar a transferência de propriedade a seu favor de um bem pertencente ao executado (quem tem uma dívida a saldar), penhorado judicialmente, como forma de satisfazer a divida, obedecendo para essa finaldiade o valor de avaliação fixado em juízo. O problema? São varios, a começar pelos valores de avalição, quase sempre abaixo do valor real do bem. Essa medida sobremaneira vai exigir cautela.
Plano Nacional de Ordenamento Territorial-PNOT
Referido plano, segundo o governo federal, tem como objetivo estimular o uso e a ocupação racional e sustentável do território brasileiro, com base na melhor distribuição da população e das atividades produtivas, observando as potencialidades econômicas e as diversidades socioculturais das regiões brasileiras e reduzindo as disparidades e desigualdades inter e intrarregionais.
Na teoria, a ideia parece boa, e não é nova, diga-se de passagem, os estudos para criação da estrutura do PNOT começou em 1999 avançando até 2008, e sendo retomados em 2019, a passos lentos. O processo agora promete avançar com a edição do Dec. 11.920/2024, cria oficialmente a estrutura do “Plano”, e lhe disciplina sua estrutura de trabalho. Em breve veremos se de fato se constituirá de um celeiro de avanços e inovações, ou se será apenas mais um palanque político.
Reflexão
Aqui deixo algumas dúvidas a vocês:
- Será que faltam de fato terras para implementação de projetos reforma agrária, ou as que existem são mal geridas?
- Será que retomar as parcelas cedidas de forma irregular ou vendidas antes da outorga dos títulos definitivos, ou da baixa das cláusulas resolutivas é a melhor alternativa?
- Será que não é necessário repensar o suporte que está sendo dado ao beneficiário da reforma agrária, ou a forma de seleção?
- O que provoca esse enorme índice de evasão nos primeiros anos do assentamento dos novos beneficiários?
- Será que o tempo excessivamente longo entre o assentamento, outorga do CCU, e do Título Definitivo, somados as agruras da baixa de cláusulas resolutivas, não precisam ser objeto de um estudo mais serio?
É necessário repensar a reforma agrária, além das conveniências políticas, porque o modelo vigente, já não é adequado a realidade.
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, Direito Agrário e de Direito de Propriedade; membro da Comissão Nacional de Direito Agrário e Agronegócio da OAB; membro Consultor da Comissão Estadual de Direito Agrário e Agronegócio da OAB/TO (2020-2021); membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental da Associação Brasileira dos Advogados-ABA (2021-2022); membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio da Associação Brasileira dos Advogados-ABA (2020-2021); especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF.
Contato Acadêmico: costaneto.jus.adv@gmail.com