Não é de hoje que a problemática das florestas públicas vem causando preocupações aos profissionais envolvidos com a regularização fundiária de terras devolutas federais (da União) junto ao INCRA, especialmente aos produtores rurais que ocupam e exploram essas áreas.
Para esclarecer parte dessa problemática, publicamos em 20 de junho de 2024 um artigo intitulado “Consigo titular área sobreposta a ‘Floresta Pública tipo B’ pelo INCRA?”, no qual abordamos de modo sucinto o que são essas florestas públicas, sua classificação e o papel delas no cenário jurídico nacional. Destacamos nesse artigo que a natureza do problema surgiu de um conflito de interesses entre os institutos da regularização fundiária e das florestas públicas, causado pelo contexto do Decreto nº 11.688/2023. Sugerimos, portanto, que, caso o leitor tenha alguma dúvida sobre o que é floresta pública, suas classificações e impacto no cenário da regularização fundiária nacional, leia o referido artigo antes de prosseguir neste.
Em julho de 2024, houve um sinal de solução para esse problema com a promulgação do Decreto nº 12.111/2024, que, por um lado, ampliou as possibilidades de destinação das áreas sobrepostas a florestas públicas para regularização fundiária e, por outro, impôs a condição de que todas as áreas de floresta fossem destinadas à constituição de Reserva Legal ou consideradas como Área de Preservação Permanente.
Tal imposição implica que qualquer área de sobreposição, mesmo que superior ao percentual exigido por lei para reserva legal, não poderá ser convertida em área de exploração ou licenciada para tal fim.
Entretanto, essa questão não se encerrou com o decreto mencionado, pois adquiriu contornos mais complexos. Faltava ao INCRA a regulação de como isso aconteceria no procedimento interno do órgão, geralmente disciplinado por meio de instruções normativas.
A Instrução Normativa nº 144/2024 regulamentou a regularização fundiária de terras devolutas parcialmente sobrepostas a ‘Floresta Pública Tipo B’, estabelecendo regras claras para esses casos. Além da regra de afetação ambiental que determina que a totalidade das áreas identificadas como floresta seja destinada à constituição de Reserva Legal ou considerada como Área de Preservação Permanente, passam a valer as seguintes:
- O resultado da análise de sobreposição será estabelecido pelo cálculo do percentual da área do imóvel que apresenta sobreposição. Esse percentual será expresso de maneira clara no Título de Domínio expedido;
- Esse percentual não poderá, em hipótese alguma, ser igual a 100% (cem por cento), sob pena de indeferimento do requerimento;
- O título conterá, expresso em seu corpo, uma cláusula resolutiva estabelecendo que a totalidade da área sobreposta à ‘Floresta Pública Tipo B’ deve ser destinada à constituição de Reserva Legal ou considerada como Área de Preservação Permanente. Seu cumprimento será fiscalizado no momento da análise do “Pedido de Liberação de Cláusulas”.
Num primeiro momento, torna-se claro que os processos de regularização fundiária de imóveis sobrepostos à ‘Floresta Pública Tipo B’ voltarão a tramitar normalmente.
Na prática, isso dificultará a expansão da área antropizada para exploração dentro de terras devolutas, uma vez que a área identificada como floresta pública no ato do sensoriamento não poderá ser convertida em área explorada, mesmo mediante licenciamento ambiental. Tal condição valerá durante a vigência das demais cláusulas resolutivas pois esta cláusula, assim como todas as demais, perderá sua vigência no ato da liberação, seguindo, nesse aspecto, a regra ordinária já vigente.
Essa medida, adotada pelo Governo Federal, é inócua sob qualquer ponto de vista e, a nosso ver, cria apenas mais um entrave burocrático que prejudica a celeridade dos processos de regularização fundiária.
Seria mais eficaz proibir explicitamente a regularização fundiária sobre as áreas de ‘Floresta Pública Tipo A’, destinadas à preservação ambiental. Para as áreas de ‘Floresta Pública Tipo B’, essa limitação deveria aplicar-se somente contra solicitações expressas por qualquer dos órgãos da ‘Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais’, afetando apenas as áreas sem processos de regularização em andamento no momento do interesse.
Se a área não foi solicitada para qualquer outra finalidade pela entidade acima referida, não há motivo para impedir sua exploração, desde que atenda a todos os critérios ambientais, civis, trabalhistas e tributários vigentes, de maneira racional e por qualquer particular.
Esse enquadramento, como uma restrição provisória, representa apenas mais uma limitação à livre iniciativa privada. No entanto, os processos voltarão a tramitar, pelo menos até que nova normativa seja estabelecida a esse respeito…
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, Direito Agrário e de Direito de Propriedade; membro da Comissão Nacional de Direito Agrário e Agronegócio da OAB; membro Consultor da Comissão Estadual de Direito Agrário e Agronegócio da OAB/TO (2020-2021); membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental da Associação Brasileira dos Advogados-ABA (2021-2022); membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio da Associação Brasileira dos Advogados-ABA (2020-2021); especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF.
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