Para princípio de conversa, convém compreendermos a origem do instituto jurídico do inventário, que é tão antigo, quanto os demais pilares do direito civil.
A palavra “Inventário”, vem do latim “inventarium”, tem origem na palavra “invenire”, que significa descobrir, achar, encontrar.
Os romanos empregavam a expressão “inventarium”, como sendo a descrição minuciosa de todos os bens patrimoniais deixados por um sujeito de direitos falecido.
Tal instituto em sua origem, era compreendido como sendo o rito civil, através do qual era arrolado o patrimônio do de cujus, identificado(s) o(s) sucessor(es) e transmitido patrimônio.
Pois bem, o inventário na atualidade, consiste em um procedimento meramente administrativo, mesmo nas hipóteses em que se desenrola na via judicial, desde que se dê por jurisdição voluntária, ou seja, sem conflito entre as partes interessadas.
Ocorre que, o direito é fluido assim como a sociedade, e seguindo as tendências sociais de um quotidiano mais dinâmico, o instituto jurídico do inventário, foi um dos primeiros a ser beneficiado com um rito extrajudicial.
Essa inovação foi trazida pelo advento da Lei 11.441/2007, que reformou o então vigente Código de Processo Civil de 1973, e inseriu em nosso ordenamento, as possibilidades de Inventário e Divórcio extrajudiciais.
Devemos, entretanto, destacar que, o Art. 982 do CPC/1973, mesmo após essa reforma, ainda limitava as possibilidades de inventário extrajudicial aos casos onde o de cujus, houvesse falecido sem deixar testamento, deixando apenas herdeiros maiores e capazes, e que estivessem de comum acordo decidissem a forma de partilha.
Ocorre que, tal situação se tornou um entrave ao desenrolar de diversos inventários que se amontoam no poder judiciário por anos a fio…
Inventários em que mesmo, concordes e de comum acordo, os herdeiros aguardam a lenta marcha do judiciário, em razão da incapacidade civil, ou menoridade de um deles.
Ou ainda inventários em que, mesmo contando com testamento, os herdeiros não o questionam e estão prontos a cumprir as disposições de última vontade do de cujus, e assegura-las na Escritura Pública de Inventário e Partilha, mas que estão impedidos por lei, de fazê-lo na esfera extrajudicial.
Vamos tratar, do primeiro caso, por ser mais complexo. A exigência de inventário judicial nos casos em que haja herdeiro menor/incapaz, se deve ao fato de que, o Ministério Público costuma acompanhar tais feitos de inventário, na condição de custos legis para assegurar o cumprimento da lei, e a defesa dos interesses das partes vulneráveis envolvidas.
Dessa forma se busca evitar que, algum dos herdeiros, por estar em posição legal de vulnerabilidade, seja prejudicado pelos demais.
Porém questionamos, qual seria a função dessa restrição em casos onde o patrimônio será repartido de forma estritamente equânime entre os herdeiros? Quem de fato já acompanhou muitos processos de inventário, sabe na pratica que, a intervenção do Ministério Público, na maioria das vezes zela apenas por assegurar uma partilha justa, mas não intervém na forma como ela é feita.
Então em casos onde, mesmo com herdeiro menor/incapaz, sendo este devidamente representado por seu tutor legal ou curador, seria possível realizar o inventário extrajudicial, caso a partilha de bens fosse feita igualmente entre todos os herdeiros de forma equânime?
A resposta para esse questionamento começa a surgir diante de nós com o exemplo de equidade dado pelo Juiz de Direito Marcio Mendes Picolo, de Leme/SP, que a exemplo dos pretores da Roma antiga, soube interpretar o significado da norma, para adaptá-la a realidade social vigente, e ao caso concreto.
No caso em tela já havia um inventário extrajudicial entabulado; todavia, um dos herdeiros faleceu no curso do procedimento, deixando outros herdeiros menores/incapazes, o que em tese inviabilizaria que se prosseguissem com os trabalhos do inventário no cartório.
Porém mediante uma declaração explicativa no sentido de que o pagamento seria feito de forma ideal, que não haveria pagamentos diferenciados, feita pelo próprio Tabelião responsável, em conjunto a uma bem fundamentada peça feita pelo Advogado das partes envolvidas, isso culminou com a autorização do Juiz, para que se prosseguisse com o inventário na esfera extrajudicial.
Se nesse ponto já tivemos grandes progressos, no segundo caso, dos inventários com testamento, nesse sentido a inovação ficou por conta do Eminente Min. Luis Felipe Salomão, que já pacificou nos autos do REsp 1.808.767-RJ, que é sim possível a realização de inventário extrajudicial, mesmo que exista testamento, desde que, cumpridos os demais requisitos legais, pertinentes ao caso, e que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.
O rito do registro judicial do testamento é simples, e não havendo impugnações, e estando concordes os herdeiros, se limita a verificação dos requisitos legais do mesmo.
Existem ainda os Projetos de Lei 9496/2018 e 8.655/2017, que buscam alterar a legislação vigente para fazer constar expresso no texto legal as possibilidades acima tratadas, porém tais projetos caminham a passos lentos nos corredores do legislativo.
Deixamos por fim uma reflexão, sobre no nosso direito, e sua evolução dinâmica, que ocorre, independentemente da atividade legislativa de nossos políticos…. Cada vez mais com base na construção jurisprudencial.
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; Advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, Direito Agrário e de Direito de Propriedade; Membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio-ABA; Membro Consultor da Comissão de Relações Agrárias-OAB/TO; Especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF;
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