Destaque particular dentre as faculdades do possuidor do bem, merece a defesa cum manus propria da posse, conhecida em nosso ordenamento jurídico como desforço necessário, que é uma das formas de autotutela de seus direitos, prevista no Art. 1.210 do Código Civil.
Desforço Necessário é direito inerente à posse e assiste tanto ao simples possuidor legítimo, quanto ao proprietário. Esse instituto jurídico tem origem no direito natural, e surge conjuntamente à posse na história do direito.
Podemos conceituar o Desforço Necessário como sendo: “A faculdade de que assiste ao proprietário ou possuidor legitimo de manter-se ou restituir-se por sua própria força na posse do imóvel, contanto que o faça logo, e mediante atos de defesa ou de desforço, que não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse” (Art. 1.210, §1° da Lei 10.406/2002).
Comumente, pela doutrina, o desforço necessário se divide em duas classificações:
- Desforço Imediato: Ocorre quando o possuidor/proprietário foi usurpado da posse do bem por terceiro, e por sua própria força, dentro dos limites necessários e imediatamente após tomar conhecimento do fato, reage a injusta agressão a seu direito, para reaver a posse;
- Legitima Defesa da Posse: Ocorre quando o possuidor/proprietário está sendo turbado em sua posse e reage a injusta agressão de modo imediato, e com a força necessária, para manter-se na posse do bem;
Pois bem, vamos esmiuçar o texto da Lei, para que fique mais claro aos nossos leitores.
O termo “usurpado”, não pode ser tomado como sinônimo de “perca da posse”, vez que apenas perde a posse aquele que presencia o esbulho e permite que ele ocorra, sem reagir, ou que reagindo não consiga recupera-la no momento da reação, ou ainda para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.
Para que se configure desforço necessário, e que o possuidor/proprietário não cometa o crime de exercício arbitrário das próprias razões, ou outros correlatos, e para que esteja acobertado pela excludente de ilicitude prevista na lei, alguns requisitos devem ser observados, quais sejam:
- A reação contra o terceiro que causa perturbação a sua posse, ou que lhe usurpa a posse do bem, deve ser imediata, ou seja, tão logo a parte tome conhecimento de que perdeu a posse, deve reagir imediatamente, dentro dos limites possíveis;
- A reação deve ser feita por sua própria força, ou seja, sem recorrer ao auxilio do poder público, embora possa ser auxiliado por amigos ou empregados, a depender do caso, sendo que a parte é responsável pelos atos praticados por aqueles que estavam a seu mando;
- A reação deve limitar-se somente aos atos estritamente necessários à defesa da posse, sendo vedados atos que extrapolem esses limites de necessidade, devendo a reação de quem defende a posse ser proporcional a do usurpador;
Destaque-se que, a utilização de armas brancas, ou a depender do caso, armas de fogo são toleradas, para defesa da posse quando seu emprego for indispensável à segurança de quem a defende contra o agressor, conforme já existem precedentes na doutrina e jurisprudência.
Questões relativas ao direito de posse e porte de armas devem ser levadas em consideração para que, a parte não pratique crime, envolto no pretexto de defesa da posse.
Veja bem que, aqui elucidamos aos leitores uma das mais antigas faculdades do proprietário/possuidor, e que se reflete de diversas formas em nosso dia a dia e não só no meio agrário.
Prática Desforço Imediato, aquele que persegue meliante que lhe furtou a carteira ou o celular, e reage para retomá-lo;
Ou aquele que, se depara com tentativa de furto de seu veículo e reage para conseguir impedir o furto, ou ainda que tendo bem furtado se surpreende com o mesmo em uso de terceiro e o recupera pelos meios necessários.
Prática ainda legitima defesa, aquele que reage a injusta agressão de pessoa que, sem estar acobertado de permissividade legal, no cumprimento de seu dever ou imbuído do cumprimento de ordem judicial, invade residência ou imóvel particular.
A autotutela da posse está nos mais simples atos do dia a dia, e se externa por diversas condutas de prevenção, como sistemas de alarmes, câmeras de segurança, cercas eletrificadas, equipes de segurança particular, dentre outros recursos, que só existem ante a permissividade do Art. 1.210, §1° do Código Civil.
É instituto herdado do Direito Romano, de natureza rígida e estrita, e que portanto, deve ser observado com base em extrema racionalidade e objetivismo, não havendo nessa seara bases relativização de sua interpretação.
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; Advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, Direito Agrário e de Direito de Propriedade; Membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio-ABA; Membro Consultor da Comissão de Relações Agrárias-OAB/TO; Especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF;
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