O dólar encerrou a semana com aumento de 3,85%, vendido a R$ 3,74 e ultrapassando a barreira dos R$ 4 nas casas de câmbio do país. Desde o começo do ano, a moeda norte-americana acumula alta de 11,3%. Economistas ouvidos pela Agência Brasil apontam que uma combinação de fatores internacionais, relacionados aos Estados Unidos, com preocupações domésticas, principalmente o cenário eleitoral, explicam a volatilidade do dólar, com tendência de alta ainda maior nas próximas semanas.
Com a economia em crescimento além do esperado e o desemprego em baixa, os EUA devem experimentar uma inflação acima da média dos últimos anos, obrigando o governo a aumentar taxa básica de juros do país para moderar os efeitos de uma pressão maior sobre os preços, como costuma ocorrer no Brasil quando a inflação cresce. Atualmente, a taxa de juros dos Estados Unidos está na faixa de 1,5% a 1,7% ao ano, mas o Federal Reserve (Fed), o Banco Central norte-americano, deve promover ainda mais duas elevações do índice até o fim do ano.
Com taxas de juros mais altas nos EUA, investidores com capital aplicado em países emergentes, como o Brasil, podem preferir tirar recurso do país e investir em títulos do Tesouro americano, os treasures, considerados os papéis mais seguros do mundo. Este é um dos efeitos que fazem com que o dólar se valorize em relação ao real. A menor oferta de moeda americana no mercado de câmbio nacional eleva o seu preço.
“Desde o ano passado, os investidores querem aproveitar melhor essa onda de alta dos juros nos EUA e estão aplicando em treasure. Por causa disso, um aumento do dólar já era esperado. Nossa projeção para o final do ano passado era um dólar a R$ 3,45″, afirma o economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini. O rendimento do treasure, por exemplo, rompeu a barreira dos 3% esta semana. O próprio Banco Central (BC) brasileiro já havia sinalizado essa preocupação ao decidir manter a taxa básica de juros em 6,5% ao ano, surpreendendo o mercado.
“O cenário externo tornou-se mais desafiador e apresentou volatilidade. A evolução dos riscos, em grande parte associados à normalização das taxas de juros em algumas economias avançadas, produziu ajustes nos mercados financeiros internacionais. Como resultado, houve redução do apetite ao risco em relação a economias emergentes”, diz trecho de comunicado divulgado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC após a reunião desta semana.
“Esse fenômeno de valorização do dólar frente a outras moedas está ocorrendo em boa parte do mundo porque os EUA estão com uma economia mais forte e um consumo interno mais significativo. Aí se acrescenta o fato de que o Fed tem falado às claras que qualquer avanço econômico mais forte pode significar uma alta da taxa de juros, nisso todo mundo acaba se preparando para injetar dólar nos EUA, frear esse crescimento às expensas de atração de mercados de capitais”, destaca o professor de economia e finanças internacionais da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ebape) Istvan Kasznar.
Geopolítica
Para além da questão interna da economia norte-americana, a política externa do presidente Donald Trump explica boa parte da volatilidade do mercado de capitais ao longo ano e, em particular, nas últimas semanas. “É o efeito Trump, como a questão com o Irã [encerramento do acordo nuclear], que fez o preço do petróleo subir, afetando o dólar”, aponta a economista Zeina Latif, da XP Investimentos.
Alex Agostini, da Austin Rating, lembra também o tensionamento comercial provocado por Trump com a China. “Tudo isso vai gerando um ambiente muito instável. Nesse ambiente, os investidores não pagam para ver nem apostam num desfecho X ou Y, eles simplesmente são cautelosos [na alocação de seus ativos]”, destaca.
Fatores internos
Outro componente que influencia a volatilidade no mercado de câmbio está relacionado a questões domésticas, mais precisamente às perspectivas do cenário eleitoral de outubro, quando o país escolherá o próximo presidente da República. “As primeiras pesquisas eleitorais revelam que os candidatos que aparecem na frente teriam uma postura menos ortodoxa na economia, uma postura de ruptura na gestão atual da política monetária e isso gera sim uma preocupação. O Brasil atraiu muitos investidores nos últimos anos, mas aí muitos acabam optando por sair, mesmo que tenha boa oportunidade de ganho, porque ele prefere proteger seu ativo a arriscar para ganhar alguma coisa”, argumenta Alex Agostini.
No conjunto de fatores internos, o professor Istvan Kasznar, da FGV, cita a proximidade das férias escolares de julho, quando aumenta o fluxo de turistas brasileiros para o exterior. “O mercado de câmbio se alimenta dessa demanda [das férias escolares], porque tem muita gente viajando para os EUA, a Europa”, ressalta.
Mais aumento
Apesar da dificuldade de se fazer projeções em um mercado com alta volatilidade, economistas acreditam que, pelo menos no curto prazo, a moeda norte-americana deverá subir ainda mais. “Não se enxerga no curtíssimo prazo uma mudança dessa postura do Trump no comércio exterior e dificilmente a economia norte-americana terá uma reversão fazendo com que a taxa de juros do país caia. Nesse sentido, o dólar pode chegar na semana que vem a R$ 3,80 ou mais”, prevê Alex Agostini.
“O que nós podemos perceber é que [a alta do dólar] tem aparência de consistência e permanência. Não vai para R$ 5, claro, mas é um ajuste técnico porque esses vários fatores estão simultaneamente na mesma direção de pressão de alta”, afirma Istvan Kasznar, da FGV.
Na opinião de Zeina Latif, da XP Investimento, a volatilidade deve continuar, mas não como mudança abrupta. Para ela, o cenário internacional hoje, “apesar de Trump”, é “benigno”. Nos últimos 12 meses, o comércio mundial cresceu 5%. Antes da crise econômica, crescia 7% e 8%, não é muito diferente. Comércio crescendo significa investimento crescendo. A inflação, no mundo, apesar do petróleo, está contida. São fatores que ajudam a digerir as questões geopolíticas. Trump conseguiu fazer um estrago, mas a tendência [é] de ir acalmando [com o tempo]”, avalia. (Pedro Rafael Vilela, da Agência Brasil)