É muito frequente ler petições dos operadores do direito Brasil afora dizendo que a propriedade, a terra, está exercendo a função social. Então resta saber o que é função social da propriedade, e quando esse instituto está em curso, quando vem à baila a função social da terra.
Como é corrente, o significado social do direito de propriedade assumiu notório relevo a partir do século XX, sendo colocado explicitamente nas constituições modernas, alcançando lugar de destaque, isso, claro, advindo do que acontecera naquela quadra da história dos povos, onde foi significativo o crescimento e diversidade econômica, provocando grande concentração societária, surgindo as grandes empresas controladoras da produção e do mercado: com isso a propriedade perdia seu caráter absoluto, ou seja, se não estiver exercendo a função social se torna maleável, podendo inclusive voltar para o Estado. Claro, terras que já foram destacadas do património público, tendo entrando na esfera do domínio particular.
[bs-quote quote=”Constituição Federal garante o direito de propriedade em geral, mas exige o fiel cumprimento de sua função social” style=”default” align=”right” author_name=”MARCELO BELARMINO” author_job=”É advogado” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/08/60MarceloBelarmino.jpg”][/bs-quote]
A função social da propriedade extrapola a concepção individualista, assegurando ao titular do imóvel usar e dispor do bem de forma absoluta, e sob o prisma social, a tutela da propriedade vai além da fronteira do direito individual, vai além do limite interno, trespassa todos os limites, alcançando o social, ultrapassando as fronteiras do imóvel. Em suma, o exercício dos poderes do proprietário não fica adstrito ao imóvel em si, indo além, não é satisfação do seu interesse, e sim de toda sociedade, em seus amplos aspectos, de se destacar o econômico e social.
O princípio geral que protege o imóvel rural e urbano é o que está estampado no Código Civil, no artigo 1.228 que assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua ou detenha. Com base no que diz a lei civil, a função social condiciona o exercício dos poderes que o proprietário tem sobre o imóvel, definindo e guiando como exercê-la, pois essa função social é um conjunto de fatores que paira sobre o imóvel, e, além da lei civil, temos a Constituição Federal, bem como as leis infraconstitucionais de um modo geral regendo e dando diretrizes para que a função social seja exercida de forma plena.
Na esteira do que fora dito, a Constituição Federal garante o direito de propriedade em geral, mas exige o fiel cumprimento de sua função social, de acordo com as leis e normas que tratam da temática, obviamente tendo em vista a peculiaridade de cada caso concreto. Pelo que fora estampado, é bom dizer que a Constituição distingue a propriedade urbana e a propriedade rural, cada qual com regime próprio, sobre o qual o princípio da função social atua diferentemente.
De acordo com os princípios constitucionais, a função social da propriedade, seja rural ou urbana, corresponde a um poder bem como um dever do proprietário de utilizar a mesma de acordo o interesse coletivo, pois o que o direito tutela é a coletividade em detrimento de uma só pessoa, seja física ou jurídica. Esses preceitos e concepções decorrem dos incisos XXII e XIII do art. 5º e dos incisos II e III do art. 170, que dizem de um lado sobre garantia individual da propriedade e, de outra banda sobre a exigência da destinação da função social.
Segundo os princípios constitucionais, a utilização da propriedade tanto econômica como socialmente, está vinculada à função social, levando em consideração a destinação que se dá.
Jurisprudência Selecionada – ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO EXPROPRIATÓRIO. MEDIDA CAUTELAR PELO JUIZ SINGULAR. POSSIBILIDADE. CONCEITO DE FUNÇÃO SOCIAL QUE NÃO SE RESUME À PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL. DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL NÃO RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ.
1. Entendeu o Tribunal de origem que os recorridos não atacaram o decreto expropriatório, mas sim atos administrativos outros que podem ser sustados para impedir a edição e publicação de Decreto Presidencial.
2. Assim, são inaplicáveis os arts. 1º, § 1º, da Lei n. 8.437/92 e 1º da Lei n. 9.494/97, que vedam a concessão de medidas cautelares ou antecipatórias que objetivem a impugnação de ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.
3. Nos moldes em que foi consagrado como um Direito Fundamental, o direito de propriedade tem uma finalidade específica, no sentido de que não representa um fim em si mesmo, mas sim um meio destinado a proteger o indivíduo e sua família contra as necessidades materiais. Enquanto adstrita a essa finalidade, a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre a sua função individual.
4. Em situação diferente, porém, encontra-se a propriedade de bens que, pela sua importância no campo da ordem econômica, não fica adstrita à finalidade de prover o sustento do indivíduo e o de sua família. Tal propriedade é representada basicamente pelos bens de produção, bem como, por aquilo que exceda o suficiente para o cumprimento da função individual.
5. Sobre essa propriedade recai o influxo de outros interesses – que não os meramente individuais do proprietário – que a condicionam ao cumprimento de uma função social.
6. O cumprimento da função social exige do proprietário uma postura ativa. A função social torna a propriedade em um poder-dever. Para estar em conformidade com o Direito, em estado de licitude, o proprietário tem a obrigação de explorar a sua propriedade. É o que se observa, por exemplo, no art. 185, II, da CF.
7. Todavia, a função social da propriedade não se resume à exploração econômica do bem. A conduta ativa do proprietário deve operar-se de maneira racional, sustentável, em respeito aos ditames da justiça social, e como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos uma existência digna.
8. Há, conforme se observa, uma nítida distinção entre a propriedade que realiza uma função individual e aquela condicionada pela função social. Enquanto a primeira exige que o proprietário não a utilize em prejuízo de outrem (sob pena de sofrer restrições decorrentes do poder de polícia), a segunda, de modo inverso, impõe a exploração do bem em benefício de terceiros.
9. Assim, nos termos dos arts. 186 da CF, e 9º da Lei n. 8.629/1993, a função social só estará sendo cumprida quando o proprietário promover a exploração racional e adequada de sua terra e, simultaneamente, respeitar a legislação trabalhista e ambiental, além de favorecer o bem-estar dos trabalhadores.
10. No caso concreto, a situação fática fixada pela instância ordinária é a de que não houve comprovação do descumprimento da função social da propriedade. Com efeito,
não há como aferir se a propriedade – apesar de produtiva do ponto de vista econômico, este aliás, o único fato incontroverso – deixou de atender à função social por desrespeito aos requisitos constantes no art. 9º da Lein. 8.629/93.
11. Analisar a existência desses fatos, conforme narrado pelo agravante, implica revolvimento de matéria probatória, o que é vedado a esta Corte Superior em razão do óbice imposto pela Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. (STJ – AgRg no REsp: 1138517 MG 2009/0085811-0, Relator: MIN. HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 18/08/2011, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/09/2011)
O julgado, uma verdadeira aula sobre a função social, além de corroborar tudo o que fora posto ao longo do texto, distingue o imóvel que exerce a função individual e o imóvel que exerce a função social. Esta, como bem disse o Julgador, “só estará sendo cumprida quando o proprietário promover a exploração racional e adequada de sua terra e, simultaneamente, respeitar a legislação trabalhista e ambiental, além de favorecer o bem-estar dos trabalhadores”. Há também o ensinamento legal de que a propriedade, mesmo estando produtiva, não pode considerar que esteja exercendo a função social, pois esse fato, por si não a qualifica, mas que, além de produtiva deve estar cumprindo todos os outros requisitos elencados na legislação, notadamente o ambiental, trabalhista e tributário, dentre outros.
MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário
advocaciammb@gmail.com