É característica dos países desenvolvidos o transporte de insumos industriais e agrícolas por vias férreas por ser uma alternativa mais barata e eficiente no custo inserido nas diversas cadeias produtivas.
No Brasil, contudo, nas últimas décadas, a adoção maciça do transporte de cargas via malha rodoviária vem trazendo sérios malefícios à economia nacional, pois este tipo de transporte congestiona as rodovias, aumenta o número de acidentes nas estradas, degrada a qualidade das vias de circulação e, acima de tudo, envolve elevados valores de frete para cobrir os gastos com a manutenção dos caminhões, com os pedágios, com o alto consumo de combustível despendido para a rodagem em pavimento irregular, etc.
Segundo comentários do jornalista e ex-funcionário da Rede Ferroviária Federal – RFFSA Fernando João Abella, “No Brasil as concessionárias abandonaram a carga geral e se dedicam tão somente ao transporte de comódites e produtos acabados de siderurgia. Com a destruição da RFFSA a carga geral passou para as rodovias com custos a maior de 40% se comparados ao transporte ferroviário. O povo é quem paga a diferença enquanto corre maiores riscos de perder a vida nas rodovias repletas de caminhões”.
Concorda com o posicionamento acima o colunista Thiago Dantas quando aduz:
As ferrovias são bastante utilizadas na Europa e em muitos países desenvolvidos, além de ser bastante empregadas em países muito populosos, como Índia e China. Países da América Latina e África optaram pelas rodovias ao invés das ferrovias, entretanto, essa escolha talvez não tenha sido tão benéfica, uma vez que as ferrovias possuem significativas vantagens: é o meio de transporte que permite a maior capacidade de transporte de carga e de passageiros, além de possuir um custo muito menor que as rodovias. Para se ter uma idéia, com um litro de combustível, um caminhão transporta uma tonelada de carga por 25 quilômetros; já no caso da utilização das ferrovias, essa distância passa para 86 quilômetros.
[bs-quote quote=”As possibilidades para utilização deste meio de locomoção de cargas são, dentro do contexto nacional atual, muito promissoras, pois possibilita, não só o tráfego de caminhões simples, como também as carretas mono, bi, tri, ou ‘poliarticuladas'” style=”default” align=”right” author_name=”MARCOS FELIPE DINIZ” author_job=”Servidor Público do Estado do Tocantins” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/12/MarcosDiniz60.jpg”][/bs-quote]
Assim como em muitos países, o Brasil preferiu priorizar as rodovias, embora as ferrovias fossem uma ótima opção, uma vez que o país possui dimensões continentais. Para o transporte de certos tipos de cargas, como minério e grãos, por exemplo, as ferrovias são os meios de transporte mais adequados. No país, a falta de investimentos, talvez provocada pela pressão da indústria automobilística, fez com que a indústria ferroviária praticamente parasse desde 1991.
O sistema de transporte de cargas nacional, prioritariamente rodoviário, por ser de baixa eficiência é, igualmente, altamente poluente, o que o torna uma medida antieconômica e, até certo ponto, irracional quando se almeja o desenvolvimento da nação, pois não se pode esperar bons resultados, quando os meios utilizados não são os mais adequados. A consequência limitadora de uma boa efetividade de transportes será sempre proporcional à causa limitante da tecnologia utilizada.
Segundo se extrai de sítios governamentais, estima-se, por alto, que atualmente o Brasil debite 66,6% (sessenta e seis vírgula seis por cento) do transporte de cargas através das rodovias, cerca de 12,1% por hidrovias, 3% por adutoras, por via aérea os números são inexpressivos, e, pasmem, apenas 18,3% por ferrovias. Tais números servem de indicadores para mostrar o quanto estaríamos distantes de um cenário mais favorável ao desenvolvimento pois, por simples comparação, as ferrovias norte-americanas representam 45% das vias de transporte do pais, dividindo sua carga com um expressivo fluxo nas hidrovias.
Se por um lado a mudança na matriz brasileira de transporte, de sistema predominantemente rodoviário para o ferroviário sinaliza a adoção de uma fórmula já consagrada no desenvolvimento de um País, de outro lado é de se considerar que a maior capacidade de carga de uma única composição férrea convencional substitui um elevado número de veículos rodoviários de carga e, via de consequência, causa significativo impacto social quando torna desnecessário um total equivalente de profissionais da estrada, que perderiam seus empregos em face da obsolescência de suas funções.
Ademais, para se implementar a aludida mudança na matriz de transportes, seria necessário elevado volume de verbas federais, e longos anos de planejamento e execução das obras necessárias à manutenção, complementação e interligação das estradas de ferro.
O histórico nacional mostra, contudo, tentativas passadas que não lograram êxito permanente em estruturar as vias férreas nacionais, como foi a louvável criação, em 1957, da Rede Ferroviária Federal S/A, que reuniu outras dezoito empresas e somou aproximadamente trinta e sete mil quilômetros de estradas de ferro, cujo controle estava predominantemente sob a responsabilidade do Governo Federal da época, mas que não subsistiu às décadas seguintes por diversos fatores e, dentre eles, sua não contemplação no “Plano de Metas” do Governo de Juscelino Kubitschek, pois que, à época, seriam priorizadas a implantação de fábricas de automóveis, a construção de uma ampla rede de estradas em todo o território nacional e, em decorrência, o fomento do transporte rodoviário.
Sob o prisma da atual conjuntura econômica nacional, na qual o Brasil se recupera de décadas de sucateamento institucional, não seria factível envidar esforços na edificação de toda uma nova matriz de transportes, sem que isso prejudicasse enormemente a execução de políticas públicas prioritárias, como é o caso da saúde, educação e saneamento básico.
Igualmente, não se poderia esperar que, mantendo a mesma atitude quanto a atual via de cargas nacional, houvesse um resultado diferente daquele apresentado nos últimos anos. Noutras palavras, não se pode crer que repetindo os mesmos erros do passado, pudéssemos galgar acertos no futuro.
No limiar deste panorama, contudo, surge uma terceira via, mediando as necessidades prementes da indústria e do desenvolvimento nacional, com a capacidade do Estado em atender ao mínimo existencial exigível para a satisfação dos anseios sociais. Tal solução é consubstanciada na união dos dois vieses de transporte, o rodoviário, amplamente utilizado no Brasil, e o Ferroviário que, embora sucateado e subutilizado, no momento atual, ainda oferece condições de tráfego com relativa segurança e eficiência.
Mas como fundir ambos, como se um só fossem? A resposta repousa em uma tecnologia já existente, e que por isso não precisa ser desenvolvida, empregada justamente nos países mais desenvolvidos como os Estados Unidos e noutros da Europa. Trata-se de um simples aparato, agregado aos caminhões rodoviários convencionais, que os torna aptos a transitar, tanto nas vias asfaltadas, quanto nas férreas, tornando-os em “caminhões rodoferroviários”.
As possibilidades para utilização deste meio de locomoção de cargas são, dentro do contexto nacional atual, muito promissoras, pois possibilita, não só o tráfego de caminhões simples, como também as carretas mono, bi, tri, ou “poliarticuladas”.
Uma vez que o sistema aqui proposto pode ser empregado na maioria dos veículos de transporte já existentes, a flexibilidade de utilização dos trechos de vias férreas nacionais cresce exponencialmente, removendo o gargalo existente nas vias de transporte, abrindo precioso leque de oportunidades à indústria e à economia do Brasil.
A partir destas breves premissas, é que se extrai a compreensão de que a receita já usada em países mais desenvolvidos, também se amolda à realidade do cenário nacional, ávido pela remoção dos entraves logísticos impostos pelo tráfego essencialmente rodoviário de cargas, que tanto vêm comprometendo o crescimento, e mesmo a subsistência das indústrias nacionais, inibindo a abertura de postos de trabalhos.
Desta maneira, a proposta de utilização dos caminhões rodoferroviários, ou “railroad truck”, como são chamados, por exemplo, nos Estados Unidos, como via alternativa, mostra-se um meio termo muito atrativo entre ambas as matrizes existentes.
Levando-se em conta tratar-se, como já dito, de uma tecnologia que não é nova, não haveria necessidade de grande alocação de verbas para arcar com os custos de implantação e desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a abertura deste flanco no meio de transportes em geral, resultaria em um expressivo aumento de arrecadação tributária devido ao aumento da capacidade do fluxo de transportes nacional, abertura de novas empresas, bem como o decorrente incremento no número de vagas de emprego, sejam eles diretos ou indiretos.
O que se propõe, então, é a utilização das linhas férreas nacionais já existentes, interligadas via rodovias, ao invés da mobilização de imensa quantidade de recursos, sejam financeiros, humanos, ou de materiais, no refazimento do programa nacional de ferrovias, há tantos anos abandonado. Conforme já dito, a adoção desta proposta significa a implementação de uma eficiente política de transportes, com custo proporcional sensivelmente menor, alinhado à capacidade de destravar o fluxo de cargas em um diminuto espaço de tempo.
Para viabilizar a reunião dos pontos positivos de ambas as formas de transporte acima discorridas, férreo e rodoviário, a implantação poderia se dar, em especial, através da adoção das seguintes medidas:
1. Implementação de um programa de incentivos fiscais (por exemplo, abatimento nos valores de IPVA, cobrança proporcional de pedágios rodoviários, implementação de pedágios férreos, isenção de impostos para a aquisição do equipamento necessário, etc.), o Governo Federal incentivaria as empresas e profissionais que atuam no setor de transporte de cargas a adotarem o aparato que tornaria apto aos caminhões convencionais trafegarem nas estradas de ferro já existentes no território nacional.
2. A malha ferroviária, por sua vez, seria ajustada para comportar um maior volume de tráfego, passando a contar com unidades de controle (que seriam responsáveis pelo gerenciamento da direção e intensidade do fluxo de caminhões rodoferroviários), entrepostos de acesso à linha (onde os caminhões rodoferroviários podem comutar o trafego rodoviário para ferroviário e vice-versa), centros de manutenção e socorro médico e mecânico (para evitar eventuais congestionamentos de linha devido ao maior número de unidades rodantes).
Insta reforçar que a principal vantagem do sistema aqui sob enfoque é a possibilidade de um único veículo de transporte poder trafegar em vias rodoviárias e ferroviárias, tornando viável, assim, a interligação de diversos trechos de estradas de ferro via transito em asfalto, rompendo com os limites atuais da malha ferroviária brasileira, que ainda possui trechos que não estão conectados, bastando o condutor do caminhão rodoferroviário seguir até o entreposto desejado e, a partir daquele local, seguir viagem via asfalto.
Assim, o sistema permite que os veículos adaptados para o transporte rodoferroviário, por exemplo, acessem centros de armazenagens em qualquer lugar servido por estradas vicinais, distantes das estradas de ferro, sejam abastecidos com os insumos a serem transportados, e sigam até o entreposto de acesso ferroviário mais próximo para, em seguida, iniciem sua jornada pelo ramal da via férrea desejada.
Como reflexos da implantação desta via de transporte de cargas, espera-se obter, principalmente, as seguintes vantagens diretas e indiretas:
- A redução do número de caminhões nas estradas, melhorando o fluxo rodoviário convencional.
- A diminuição no número de acidentes e mortes nas estradas, comumente relacionadas à ultrapassagens arriscadas, sonolência ao volante, uso de drogas para prolongar o estado de vigília.
- A diminuição das ocorrências do item 2, acarretaria, ainda, a redução nos custos com atendimentos emergenciais no sistema público de saúde, os custos operacionais com o socorro de vítimas e veículos.
- O aumento da vida útil do asfalto das rodovias, devido à redução do fator de carga do tráfego diário, desdobrando-se, por fim, em menores custos de manutenção das estradas rodoviárias.
- Uma drástica redução na necessidade de manutenção corretiva nestes veículos, devido ao fato de que os caminhões rodoferroviários trafegam especialmente em vias sem buracos, com menor resistência à rodagem, muito mais planas, sem curvas, aclives ou declives acentuados, também é de se esperar.
- Um substancial aumento da eficiência em km/l rodados, devido aos favoráveis fatores de rodagem acima relacionados, também devemos observar.
- O decréscimo equânime do valor global dos fretes nacionais, decorrente da redução dos custos de manutenção dos veículos de carga, e o aumento da eficiência no deslocamento em Km/l.
- A manutenção do número de empregos diretos e indiretos no setor de transportes já consolidado no Brasil, evitando, assim, impactos socioeconômicos negativos, devido à manutenção do número de caminhões envolvidos no transporte de cargas no Brasil, apenas ofertando a estes uma nova gama de vias de circulação, de alta relação custo/benefício.
- A redução nos custos de transportes possibilitará conferir maior competitividade da indústria nacional, frente aos mercados interno e externo, fomentando a economia.
- Por fim, além do menor custo de manutenção das estradas rodoviárias, é preciso destacar, igualmente, que o dimensionamento das estradas de ferro, inicialmente projetadas para comportar o tráfego de locomotivas e suas composições, mostrar-se-ia superdimensionada ao peso de cada caminhão, resultando em menor esforço estrutural e, via de consequência, menor necessidade de reparos e manutenção corretiva, significando, igualmente, menores custos de manutenção das vias férreas.
A adoção do sistema de caminhões rodoferroviários (railroad trucks) no contexto da infraestrutura nacional é uma medida que se mostra apropriada para promover, em médio prazo, o incremento do transporte de mercadorias e insumos, em todo o território nacional, com reduzidos custos de implantação e manutenção, sendo importante mecanismo de recuperação e desenvolvimento da economia nacional, assegurando a manutenção de empregos já existentes e promovendo a geração de outros, devido à necessidade de absorção de profissionais para atuarem no suporte direto e indireto de toda a estrutura necessária à viabilização desta tecnologia de transporte que já é, inclusive, utilizada há décadas em países mais desenvolvidos.
MARCOS FELIPE DINIZ
Servidor Público do Estado do Tocantins
diniz.carvalho@gmail.com