Não é novidade que, nos últimos tempos, os pedidos de recuperação judicial têm aumentado significativamente no Brasil. Em 2024, somente nos meses de janeiro a junho, foram registradas mais de mil desses pedidos, representando um aumento de 71% em relação ao ano anterior. Esse é o número mais elevado para o período desde 2005, ano de advento da lei inaugurou o instituto.1 Esse aumento reflete, em grande parte, a crise enfrentada por diversos setores do país que, com altos índices de inadimplência, recorreram ao Judiciário como tentativa de sobrevivência no mercado.
No varejo, o cenário não é diferente. As dificuldades têm afetado mesmo empresas consolidadas no Brasil, como as Lojas Americanas, Casas Bahia e Polishop. Ainda mais recentemente, destacam-se casos como o da Novo Mundo S.A., que ingressou com pedido de recuperação judicial perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Goiânia-GO em julho deste ano, e da Tok&Stok, cujo pedido de recuperação extrajudicial foi acatado pela justiça de São Paulo em 11 de agosto.
Dentre os motivos que levaram à crise das varejistas, encontra-se a pandemia de Covid-19, que forçou o fechamento de lojas físicas e reduziu drasticamente o fluxo de clientes. Medidas de distanciamento social e lockdowns alteraram os padrões de consumo, acelerando a transição para o e-commerce.
Segundo dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), o e-commerce cresceu 73,88% em 2020.2 No entanto, muitas empresas não estavam preparadas para essa rápida mudança e enfrentaram dificuldades logísticas e operacionais para manter suas operações lucrativas. A incapacidade de adaptação rápida resultou em perdas significativas e, em alguns casos, no fechamento definitivo de negócios.
Além disso, não há como desassociar a crise enfrentada da alta competitividade do setor. A entrada de gigantes internacionais, como Amazon e Shopee ampliaram sua presença no Brasil, pressionando ainda mais as finanças das empresas nacionais. Esses grandes players oferecem preços mais baixos e uma experiência de compra inovadora, o que eleva as expectativas dos consumidores e desafia os varejistas brasileiros a reduzir suas margens de lucro e investir em melhorias.
Somado a isso, a retração na oferta de crédito refletiu nas operações e na saúde financeira das empresas. A crise enfrentada pelo setor não foi vista com bons olhos no mercado financeiro: a percepção de risco levou ao aumento dos custos de crédito e em uma redução na disponibilidade de financiamento. Essa escassez de crédito cria um ciclo vicioso: a incapacidade de financiar a reposição de estoques reduz as vendas, o que por sua vez agrava a situação financeira das empresas, tornando-as ainda mais vulneráveis à falta de crédito.
Por fim, necessário destacar que a flutuação econômica brasileira tem impactado diretamente o poder de compra dos consumidores. A Selic, taxa básica de juros, aumentou consideravelmente, atingindo o patamar de 10,5%, que deve ser mantido até o fim do ano, conforme decisão do Comitê de Política Monetária (COPOM). Esse aumento acarreta uma elevação nos custos de empréstimos e financiamentos, afetando o orçamento das famílias e reduzindo sua capacidade de consumo. Com o crédito mais caro, a clientela enfrenta dificuldades para financiar compras e, consequentemente, tende a adiar ou restringir gastos, o que se reflete em uma diminuição na demanda por bens e serviços.
Para enfrentar a situação, a recuperação judicial se faz instrumento essencial para permitir que empresas em dificuldades financeiras continuem operando enquanto negociam suas dívidas com credores.
Regida pela Lei nº 11.101/2005, determina a suspensão das execuções de dívidas por 180 dias, proporcionando um alívio temporário que permite às empresas focarem na reestruturação de suas operações e finanças.
As empresas devem apresentar um plano detalhado de recuperação, que pode incluir a renegociação de contratos, a venda de ativos e a implementação de novas estratégias de negócio para melhorar sua sustentabilidade financeira. Essa moratória temporária contra execuções judiciais é crucial para que as empresas possam se concentrar na reorganização financeira e operacional sem o risco iminente de penhoras ou falência.
O impacto da recuperação judicial vai além das empresas e afeta diretamente milhares de trabalhadores. Tendo em vista que o setor varejista é um dos principais empregadores no Brasil, a reestruturação empresarial ajuda a preservar empregos ao fornecer uma estrutura para a continuidade das operações comerciais, além de contribuir para a geração de renda e o fortalecimento da economia.
No entanto, o ambiente de incerteza prejudica a economia como um todo, com impactos que podem demorar a se resolver e que requerem atenção das políticas públicas para mitigação desses efeitos. A recuperação judicial oferece às empresas varejistas a oportunidade de realizar uma reorganização estratégica abrangente.
Isso pode incluir a renegociação de contratos com fornecedores, o fechamento de lojas não rentáveis, a otimização da cadeia de suprimentos e a revisão dos modelos de negócios para se adaptar às mudanças nas preferências dos consumidores. A reorganização melhora a eficiência operacional, reduz os custos desnecessários e permite que as empresas se reposicionem no mercado, fortalecendo sua competitividade e capacidade de crescimento futuro.
O futuro do varejo no Brasil depende de como essas empresas navegarão por esse período de transição complexa, mas necessário, buscando inovar e se reinventar para continuar competitivas no mercado.
ISADORA CAROLINA LIMA MARANHÃO DE MORAIS
É acadêmica de Direito
LAURA FINHOLDT LOPES
É advogada