No texto desta terça-feira, 8, iremos abordar bens público, falando sobre terreno de marinha. O terreno de marinha é tratado, inclusive com definição, no Decreto-lei nº 7760 de 05 de setembro de 1946.
Em seu artigo 2º conceitua o que é terreno de marinha, dizendo que “são terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte de terra, da posição da linha preamar média de 1831”.
Em seguida destrincha o conceito dizendo que são “os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés” e os “que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés”.
Você deve estar se perguntando o que tem a ver as influências das marés com o Direito Agrário e como isso se dá. A influências das marés se dá pela oscilação periódica de cinco centímetros pelo menos do nível das águas, independente de que época do ano o fenômeno ocorra. A importância das influências das marés para o Direito Agrário é imensa, como veremos adiante.
O diploma legal citado acima também trata dos terrenos “acrescidos de marinha”, dizendo que são aqueles formados, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas em prosseguimento aos de marinha. É um tanto quanto complexa a temática, é muito específica, pouca gente sabe como navegar no assunto, tarefa para os advogados tenazes, o curioso sofre.
A artigo 4º do Decreto-lei 9.760 de 1946, por ficção legal, também considera terrenos de marinha os chamados “terrenos marginais”, que são aqueles banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, e que vão até a distância de 15 metros medidos horizontalmente para a parte de terra, a contar da linha média das enchentes ordinárias, isso, claro, só é levado em conta para os rios federais navegáveis, ou seja, aqueles que cortam mais de um Estado da Federação. A título de exemplo temos como rio federal o Tocantins, São Francisco, Araguaia etc.
Esses imóveis, por serem públicos, são considerados da União, são inalienáveis, mas podem ser objeto de aforamento, de ocupação e ainda de arrendamento. O controle desses imóveis não é feito pelo INCRA, mas pela Secretaria de Patrimônio da União, a famosa SPU.
As pessoas não se dão conta da importância do tema para o direito agrário, pois como dito acima, a norma permite que esses imóveis sejam objeto de aforamento, ocupação e arrendamento; e com muita segurança, com olho no artigo 7º do Decreto-lei nº 271 de 28 de agosto de 1967, podemos dizer que podem também serem objeto de “concessão de uso real”.
Esses imóveis interessam ao Direito Agrário pela destinação que se dá. Se são explorados com atividades agrárias, é evidente que se aplica as normas de Direito Agrário, ou seja, depende de como está sendo explorado economicamente, desaguando no velho tema conhecido, a função social da terra.
Não é de bom conselho negar que há muitas atividades agrárias desenvolvidas tanto nos terrenos de marinha propriamente ditos, como nos terrenos acrescidos de marinha e nos terrenos marginais. Em Tocantins ainda é (antigamente foi mais) tradicional o plantio de vazantes às margens do Rio Tocantins na época que não está cheio, onde se planta banana, mandioca, milho, feijão, fava etc. As terras são muito férteis, todo ano renovadas com a enchente.
Para entendimento e compreensão do tema, fundamental é falarmos do Decreto-Lei nº 2.398 de 21 de dezembro de 1987, que dispôs sobre foros, laudêmios e taxas de ocupação relativos a imóveis de propriedade da União, entre os quais se incluem os terrenos de marinha.
Na norma acima citada, podemos destacar a possibilidade de alienação dos bens imóveis da União, sob administração da secretaria do Patrimônio da União (SPU), conforme preceitua a Lei nº 9.398, em leilões públicos, podendo adquiri-los, em condições de igualdade com o lance vencedor, o ocupante ou locatário.
O Artigo 3º da Lei diz que “a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias”.
Finalmente é conveniente dizer que os terrenos de marinhas e seus acrescidos estão inseridos entre os bens da União, conforme artigo 20, inciso VII, da Constituição Cidadã.
Jurisprudência selecionada – EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. AFORAMENTO. DOMÍNIO ÚTIL USUCAPIÃO. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 17 DO TRF DA 5ª REGIÃO. ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. REQUISITOS. ATENDIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Remessa necessária e apelação interposta pela União em face da sentença que, integrada pelo provimento dos embargos de declaração opostos, julgou procedente o pedido formulado pela autora para declarar a prescrição aquisitiva do domínio útil do apartamento 302 localizado no 2º andar do Bloco B do Edifício Vale do Sol, situado na Rua Luiz Pimentel, nº 325, Boa Viagem, Recife-PE. 2. Os terrenos de marinha, reconhecidos constitucionalmente como bens públicos (CF/88, art. 20, inciso VII), não podem ser adquiridos por usucapião conforme preceitua o art. 183 da Constituição Federal. 3. Contudo, a pretensão deduzida pela demandante, ora apelada, cinge-se ao domínio útil do imóvel em questão, substituindo o enfiteuta Fellipe Marques Lourival da Silva, de sorte que a nua propriedade (domínio direto) permanecerá com a União. 4. Como a mera substituição do enfiteuta pelo usucapiente não traz qualquer prejuízo à União, que manterá a nua propriedade e os direitos atinentes à cobrança de taxa de ocupação e laudêmio, a aquisição por usucapião do domínio útil de terrenos de marinha em regime de aforamento não viola a regra de inalienabilidade dos bens públicos prevista no art. 183, parágrafo 3º da CF/88. 5. A remansosa jurisprudência desta Corte Regional admite a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem se operará a prescrição aquisitiva, sem abranger o domínio útil da União. Enunciado da Súmula nº 17 do TRF 5ª Região. 6. As Certidões expedidas pelo 1º Ofício de Registro de Imóveis de Recife e pela Secretaria do Patrimônio da União – SPU fazem transparecer que sobre o imóvel em litígio havia sido anteriormente instituída enfiteuse, e que o foreiro qualificado nos registros oficiais é justamente o Sr. Fellipe Marques Lourival, réu no presente feito. 7. Reputam-se presentes os requisitos legalmente previstos no art. 1.238 do Código Civil para o reconhecimento da usucapião extraordinária em favor da parte autora, haja vista a comprovação da posse mansa, pacífica e sem interrupção do imóvel que lhe serve de moradia por 20 (vinte) anos. 8. A usucapião extraordinária caracteriza-se exclusivamente pela posse contínua, com animus domini, sem interrupção nem oposição por 15 ou 10 anos, conforme o caso, dispensando-se os requisitos formais do justo título e a boa-fé. 9. A prova produzida nos autos revela que a autora sempre conferiu função social ao imóvel usucapiendo, uma vez que nele reside desde 1987, exercendo os atos materiais da posse que caracterizam o animus domini. 10. O art. 1.238, parágrafo único do CC/2002, atento ao princípio da operabilidade, reduziu o prazo da usucapião extraordinária para 10 (dez) anos nas hipóteses em que o possuidor houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual, como ocorreu no caso concreto. 11. A ação de reintegração de posse ajuizada por Fillipe Marques Lourival da Silva perante a Justiça Estadual em 2007 (Processo nº 057688-25.2007.7.17.0001) não tem o condão de obstar a pretensão referente à prescrição aquisitiva, porquanto o lapso temporal em que a autora se manteve na posse mansa, pacífica e ininterrupta foi de exatos 20 (vinte) anos. 12. Remessa necessária e apelação improvidas. (TRF-5 – Apelação: 00103516520124058300, Relator: Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão (Convocado), Data de Julgamento: 08/02/2018, Terceira Turma, Data de Publicação: DJE – Data: 23/02/2018 – Página: 159).
O Julgado do Tribunal Regional Federal da Quinta Região, diz que não há como usucapir terrenos de marinha, entretanto “admite a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular”. Em outras palavras, a movimentação processual pode ser feita, pode ser manejada entre particulares, desde que a União continue como proprietária do imóvel. A lei é sábia, doutor!
MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário o Imobiliário. Também escreve para o portal www.fazendasnaweb.com.br.
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