Hoje, voltando à Coluna do CT, motivo de muito orgulho exercer a escrita semanalmente aqui, destrinchar o cipoal de teorias acerca de cada tema do direito agrário e do direito imobiliário, não é só instigador, mas também uma maneira de estudar constantemente. Uma das melhores formas de aprendizado é externar, e como diz Guimarães Rosa, externar de largo o pensamento de algum tema, principalmente quando há feedback com críticas, o que fomenta o debate, a troca de ideias, é enriquecedor.
O tema proposto tem gerado muitas ações judiciais, muitas contendas, muitas quizilas Brasil afora, pois muita das vezes as comissões não são pagas, e se são pagas, são pagas da forma não estabelecida, seja via contrato escrito com duas testemunhas (a forma correta de estabelecer relação jurídica entre corretor e vendedor ou comprador de imóveis), seja via contrato verbal.
É bom, é aconselhável inclusive, que, ao estabelecer o contrato de prestação de serviço, o corretor fuja dos contratos verbais. Se for contrato de prestação de serviço escrito e assinado por duas testemunhas, caso a comissão não seja paga, o corretor pode acionar o Judiciário via execução de título executivo, com o direito líquido e certo debaixo do braço, caso contrário, terá que lançar mão da ação de cobrança de rito demoradíssimo, diferente das ações de execuções que tem rito célere, o que pode ser uma lamúria, uma via crucis infindável. Então, é bom que o corretor esteja precavido com um documento formal, coisa simples de fazer que evita muita dor de cabeça.
Antes de seguir, é bom repisar um tiquinho essa questão de ritos para que o corretor, tenha total clareza do assunto. Se houver contrato de prestação de serviço, assinado por duas testemunhas (não há necessidade de reconhecimento de firma, mas se houver é bom), haverá a possibilidade de execução, dispensando, como foi dito no parágrafo acima, a ação de cobrança em processo de conhecimento, ou seja, se não tiver o título, o contrato, primeiro o corretor deve ingressar no Judiciário para dizer ao Estado-Juiz que é credor, mas não tem como provar documentalmente, aí o processo segue para conhecer essa relação, por isso se diz, processo de conhecimento. Depois que houver o trânsito em julgado desse processo de conhecimento, o corretor ingressa com a ação de título judicial, comprimento de sentença, ou seja, se tivesse o contrato de prestação de serviço, estaria um passo à frente, pois a ação de execução cita o devedor para pagar, e não conhecer de uma relação. Inclusive, é corrente nos tribunais que o credor com título executivo é carecedor de ação de conhecimento, a lei é sábia.
Uma coisa muito interessante, e curiosa, entretanto, não deixa de ser legal, pois está estampado na lei, é o caso de o corretor ter correspondências, ter e-mails, por exemplo, onde pode se aferir a relação com o valor do débito, é possível manejar a ação monitória, outro tipo de ação com rito célere, o que favorece o recebimento da sagrada comissão.
Não é costume desse articulista transcrever julgados no meio do texto, mas sobre a questão dita acima, se faz necessário para a compressão do tema de forma cabal. O extinto Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, entendia que em “mediação comissão de corretagem – ação monitória – contrato verbal amparado por prova documental – cabimento. Nada obsta que se utilize o procedimento monitório na satisfação do crédito decorrente de contrato de mediação na venda de imóveis construídos pela empresa ré, porquanto o contrato verbal firmado entre as partes vem corroborado por documentos, constituindo-se em prova escrita sem eficácia de título executivo (Apel. s/ Ver. nº 840.957-00/2, 7ª Câm., rel. Juiz Paulo Ayrosa, j. em 09.03.04)”.
É recorrente escutar de corretores que vendeu imóvel e não recebeu a corretagem, a sagrada comissão está perdida. Não está, a menos que não mova qualquer ação para o recebimento do crédito no prazo de cinco anos. Conforme o Código Civil (artigo 206, § 5º, II), o prazo prescricional é de cinco anos. Passando o quinquênio, o corretor perde o direito de ingressar no Judiciário para receber a comissão, decai. Não é demais dizer que o prazo começa a contar da data que o negócio é firmado ou, no caso de dispensa, da data do conhecimento, que se presume pelo registro de título aquisitivo.
Não adianta o vendedor ou comprador querer dar a volta no corretor, pois se este tiver provas, e que o negócio aconteceu mediante seu trabalho, o caminho entre o profissional liberal, o autônomo que é, e o Judiciário é muito curto. Tem que ingressar nos átrios do Judiciário para acabar, ou pelo menos mitigar, com essa prática nefasta de usar o corretor para unir as pontas, como diz no jargão, depois realizar o negócio sem pagar a comissão. Isso é muito corriqueiro, lamentavelmente.
A corretagem ou mediação se caracteriza, repisando o tema, por um contrato pelo qual, na dicção do Artigo 722 do Código Civil, “uma pessoa não ligada a outra em virtude de mandado, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para o segundo um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”.
Esse artigo da lei nos mostra que a profissão de corretor é uma das mais favoráveis, pois, como autônomo que é (não vamos entrar nas filigranas dos corretores com carteiras assinadas), vende o que nunca acaba, o produto é inesgotável. O corretor de imóveis sempre vai ter produto para vender, pois o mundo está à venda, e às vezes um corretor vende duas, até três vezes o mesmo imóvel. É interessante essa faceta da profissão.
Mas há que lembrar que o corretor, como qualquer profissional liberal, o advogado por exemplo, deve ser diligente, tem que prestar o serviço com zelo e com dedicação, pois está passível de sofrer as sanções legais, tanto na esfera criminal como na esfera cível, pode ser responsabilizado sob a batuta das ações reparatórias, respondendo por perda e danos. Como diz por aí, o risco que corre o pau, corre o machado. Uma coisa que o corretor tem que ser é transparente, passar o máximo de informações, e claro, para isso tem que entender o imóvel como um todo, tanto legalmente, como tudo que lá contém. Um dos primeiros passos é analisar a documentação do imóvel de fio a pavio, pois é obrigação, se estiver contratado pelo vendedor, passar para o comprador toda a vida do imóvel. A omissão de informações pode sair muito caro com as virtuais ações judiciais. É bom o corretor antes de qualquer negócio ler o Artigo 273 do Código Civil, para dormir em paz depois da realização de uma venda. Por exemplo, se um imóvel em certa época do ano inunda, e isso não é passado para o comprador, e se este ingressa com uma ação reparatória, o corretor dança, literalmente.
O corretor é o pilar de toda compra e venda, pois é quem vai fazer a aproximação do vendedor com o comprador, é quem vai marcar visitas, é quem esclarece todas as dúvidas, quem dá os detalhes, enfim, é elemento chave, a pedra de toque em qualquer venda, é bom que esteja muito bem informado, pois irá fazer pessoas sorrir, ou chorar, e o choro não é bom, se não for de satisfação, coisa meio rara, só nas grandes emoções. Na maioria das vezes a alegria é muito mais de quem vende do que quem compra.
Depois da aproximação, mister se faz o acordo de vontades traduzido na proposta e aceitação, é a fase que a bola vai para a marca do pênalti. Depois dessa etapa, vem a última, confecção da escritura pública ou particular de compra e venda, ou do instrumento de promessa de compra e venda. A quarta etapa não está na lei, é a comemoração pelo corretor por mais um negócio feito com todas as formalidades exigidas, é a certeza de que será indicado para mais negócios por esses virtuais clientes, pois quem é atendido uma vez com zelo, se transforma em um cartão de visita.
Fato corriqueiro, que não poderia ser deixado de falar, são as vezes que as partes desistem de fazer o negócio por questões que não dizem respeito ao corretor. Essas situações geram o dever de pagar a corretagem sim, mas claro, só se houver a efetivação do negócio formalmente, e não durante a negociação. Se o negócio jurídico foi concluído com êxito, depois um dos contratantes desiste e retrocede na palavra dada, empenhada, deve arcar com o pagamento da comissão de corretagem, como diz o Artigo 725 do Código Civil.
E quem deve pagar a comissão, já pararam para pensar? Existem duas correntes, a primeira sustenta que é sempre o vendedor quem pagará a comissão na medida em que é o vendedor quem recebe o dinheiro em pagamento do imóvel e, assim, pode separar parte do pagamento para o corretor. Essa corrente se sustenta no fato do de ser possível que o corretor receba duas vezes – do comprador e do vendedor – o que seria ilícito e imoral. Mas não é ilícito nem imoral, se o corretor foi transparente quanto a isso, e mais ainda, por exemplo, se foi contratado tanto pelo comprador como pelo vendedor. Existe comprador que contrata corretor especificando o tipo de imóvel, padrões, características assim, assado, nada impede, inclusive, na lógica do Artigo 722 do Código Civil, o corretor pode ser contratado por quem vende como por quem compra, e com isso, tanto pode receber de uma ou das duas ponteiras do negócio imobiliário. Em todo caso, deve prevalecer a boa-fé objetiva do mediador. A praxe tem ditado que só o vendedor pague a comissão, o que não é de inteiro certo, principalmente se o corretor tem a incumbência do comprador e vendedor.
Jurisprudência selecionada. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. CONTRATO VERBAL. INTERMEDIAÇÃO E CONCLUSÃO DO NEGÓCIO NÃO DEMONSTRAÇÃO. COMISSÃO INDEVIDA. ARTIGO 726 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 373, I, DO CPC/2015. COMPROVAÇÃO DE REGISTRO NO CRECI. DESNECESSIDADE. CONTRATO INFORMAL, NO QUAL SE EXIGE APENAS A PROVA DA MEDIAÇÃO NA RELAÇÃO NEGOCIAL ATRIBUIÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS POR ESTA CORTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, 11º, DO CPC/2015. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. É pacífico o entendimento nos Tribunais Estaduais, bem como no Superior Tribunal de Justiça que a comissão de corretagem é devida desde que haja a efetiva aproximação das partes (vendedor e comprador) e ao final seja concretizada a compra e venda do bem imóvel, o que não ocorreu no caso dos autos. 2. É desnecessária a regular inscrição no CRECI, devendo-se aceitar apenas a existência de prova da efetiva participação do intermediador na relação negocial para que se torne devida a respectiva comissão. 3. Dispõe o art. 85, § 11, do CPC/2015: “O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2.º a 6.º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de 2honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2.º e 3.º para a fase de conhecimento”. 4. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJPR – 11ª C.Cível – AC – 1687788-4 – Cascavel – Rel.: Desembargador Fábio Haick Dalla Vecchia – Unânime – J. 16.08.2017) (TJ-PR – APL: 16877884 PR 1687788-4 (Acórdão), Relator: Desembargador Fábio Haick Dalla Vecchia, Data de Julgamento: 16/08/2017, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 2103 31/08/2017)
O Julgado é claro ao dizer que é desnecessária a regular inscrição no CRECI para que se torne devida a comissão. Pedimos venia para discordar, pois é por demais legal e constitucional a imposição do CRECI para as intermediações imobiliárias, como delineada na Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978, lei que regulamentou a profissão do corretor, onde diz que a corretagem requer, em função da ordem pública, uma pessoa habilitada. Do contrário, colocar-se-ia em risco o patrimônio alheio, além de causar instabilidade nas relações, fragilizando mais a tão combalida sociedade brasileira.
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MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário o Imobiliário. Também escreve para o Portal www.fazendasnaweb.com.br.
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