O desmembramento, tema de hoje, último do ano, é mais comum do que possa parecer, ocorre de forma corriqueira, entretanto, o Estatuto da Terra em seu artigo 65 diz que “o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”. Mas aqui iremos tratar de desmembramentos para finalidades não agrárias, e sim de interesse público.
A indivisibilidade dita acima está regrada no artigo 8º da Lei 5.867 de 1971 onde dita comando no sentido de que “para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do Art. 65 da Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área”.
Portanto, como bem delineado na norma, o imóvel, ao ser parcelado para fins de transmissão a qualquer título não poderá permanecer com área remanescente inferior ao módulo fiscal ou à fração mínima de parcelamento.
O desmembramento acima do módulo rural permitido pelo artigo 65 é o do imóvel rural para a formação de novos imóveis rurais, como está previsto no artigo 1º do Decreto 62.504 de 1968 onde determina que “os desmembramentos disciplinados pelo Art. 65 Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1968, e pelo Art. 11 de Decreto-lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, são aqueles que implicam na formação de novos imóveis rurais”. Nesses imóveis, em decorrência, a venda parcelada ou destacada de tamanho mínimo deve se ater ao módulo, a menos que seja para anexar-se a área a outro imóvel, cujo tamanho seja acrescido.
Interessante é o comando da lei, e ela é sábia, no sentido de não permitir que venha ao mundo o minifúndio, inclusivo o STJ, no REsp 265.132/GO, entende que não “afronta o Estatuto da Terra a venda de partes em imóveis, que não alcancem o módulo regional, se a alienação é feita para o confronte, inocorrendo assim o surgimento de minifúndio”.
O que o Julgado citado e transcrito acima, em conformidade com a lei, veda é o desmembramento para que venha ao mundo módulos inferiores aos estabelecidos pelas normas, e até chancela esse desmembramento, desde que essa fração inferior ao módulo fiscal vá acrescer área lindeira, ou seja, não cria minifúndios, deixando perdidos no espaço, o que seria uma anomalia.
O artigo 2º do Decreto 62.504 de 1968, tema que interessa aqui, elenca quais as situações que os imóveis rurais podem ser desmembrados para fins não rurais. Os desmembramentos de imóvel rural que visem a constituir unidades com destinação diversa daquela referida no Inciso I do Artigo 4º da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, não estão sujeitos às disposições do Art. 65 da mesma lei e do Art. 11 do Decreto-lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, desde que, comprovadamente, se destinem a um dos seguintes fins: I – Desmembramentos decorrentes de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, na forma prevista no Artigo 390, do Código Civil Brasileiro (, e legislação complementar. II – Desmembramentos de iniciativa particular que visem a atender interesses de Ordem Pública na zona rural, tais como: a) Os destinados a instalação de estabelecimentos comerciais, quais sejam: 1 – postos de abastecimento de combustível, oficinas mecânicas, garagens e similares; 2 – lojas, armazéns, restaurantes, hotéis e similares; 3 – silos, depósitos e similares. b) os destinados a fins industriais, quais sejam: 1 – barragens, represas ou açudes; 2 – oleodutos, aquedutos, estações elevatórias, estações de tratamento de água, instalações produtoras e de transmissão de energia elétrica, instalações transmissoras de rádio, de televisão e similares; 3 – extrações de minerais metálicos ou não e similares; 4 – instalação de indústrias em geral. c) os destinados à instalação de serviços comunitários na zona rural quais sejam: 1 – portos marítimos, fluviais ou lacustres, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias e similares; 2 – colégios, asilos, educandários, patronatos, centros de educação física e similares; 3 – centros culturais, sociais, recreativos, assistenciais e similares; 4 – postos de saúde, ambulatórios, sanatórios, hospitais, creches e similares; 5 – igrejas, templos e capelas de qualquer culto reconhecido, cemitérios ou campos santos e similares; 6 – conventos, mosteiros ou organizações similares de ordens religiosas reconhecidas; 7 – Áreas de recreação pública, cinemas, teatros e similares.
Jurisprudência selecionada. EMENTA: DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE EXECUÇÃO – DECISÃO QUE RECONHECEU IMPENHORABILIDADE DE IMÓVEIS CONSTRITADOS – RECURSO DO EXEQUENTE – 1) IMÓVEL URBANO – ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVA DO BEM DE FAMÍLIA – IMÓVEL QUE SERVE DE RESIDÊNCIA AOS AGRAVADOS – COMPROVAÇÃO – DESNECESSIDADE DE PROVA DE QUE O BEM SEJA O ÚNICO DE SUA PROPRIEDADE – REQUISITOS DEMONSTRADOS – IMPOSSIBILIDADE DE DESMEMBRAMENTO DO IMÓVEL – IMPENHORABILIDADE MANTIDA – 2) IMÓVEL RURAL – ÁREA QUE NÃO EXCEDE QUATRO MÓDULOS FISCAIS DA REGIÃO ONDE LOCALIZADA – PEQUENA PROPRIEDADE RURAL CONFIGURADA – DEMONSTRAÇÃO DE QUE É TRABALHADA PELA FAMÍLIA – IMPOSSIBILIDADE DE DESMEMBRAMENTO – ÁREA INFERIOR AO MÓDULO FISCAL DO MUNICÍPIO – IMPENHORABILIDADE MANTIDA. 1) Demonstrado que o imóvel serve de residência ao seu proprietário, resta configurada a impenhorabilidade do bem de família, nos termos do art. 1º da Lei n. 8.009/90, não sendo possível seu desmembramento se tal medida for apta a descaracterizá-lo. 2) A pequena propriedade rural (até 4 módulos fiscais) destinada ao trabalho da entidade familiar é impenhorável, conforme art. 833, VIII do CPC e seu desmembramento é inviável se resulta área inferior ao módulo fiscal do município. (TJ-SC – AI: 40321445220198240000 Chapecó 4032144-52.2019.8.24.0000, Relator: Monteiro Rocha, Data de Julgamento: 07/05/2020, Quinta Câmara de Direito Comercial).
O Julgado acima trata de duas questões, uma ventilada por nós, o desmembramento, a outra sobre a impenhorabilidade dos bens de família, nos termos da lei nº 8.009/90. Diz que o imóvel rural não pode ser desmembrado para se tornar área inferior ao módulo rural do município. Os módulos rurais variam de município para município, vai de acordo as normas do INCRA. A outra questão tratada no caso concreto do Julgado, diz respeito à impenhorabilidade de imóveis por ser “pequena propriedade rural destinada ao trabalho da entidade familiar”, ou seja, o imóvel não foi penhorado porque não podia ser desmembrado para ficar inferior ao módulo rural da região, bem como porque era propriedade destinada ao trabalho familiar. A lei não vacila, cara pálida!
MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário o Imobiliário. Também escreve para o portal www.fazendasnaweb.com.br.
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