Documento falso infelizmente é fato corriqueiro nos átrios do Judiciário, é uma espécie de erva daninha que tem fomentado a grilagem de terras urbanas e rurais. Tem movimentado tonéis de dinheiro sujo, as associações criminosas em todas as latitudes desse país continental têm dificultado muito a solidificação da condição dos imóveis, pois os documentos fabricados com muita facilidade nos cartórios, nas concessões do Estado, diga-se de passagem, têm gerado infindáveis arengas, e o que é pior, instabilidade social. Obviamente que não são os mais de vinte mil cartórios brasileiros que estão nessa vereda perversa, a grande maioria são cartórios que cumprem muito bem o que determina a lei, as concessões públicas são levadas a sério.
Quando o incauto cidadão adquire um imóvel, e depois de sonhos e planos, se vê diante de um pesadelo, de uma tormenta fenomenal, pensa logo no dr. juiz da comarca, e vai tomar café no bar da esquina com o magistrado, mas não é assim, pois a competência para dirimir a quizila é o domicílio do réu, e não de onde mora o autor da demanda. Se a parte que apresentou o documento falso, por exemplo, uma procuração pública feita em Mato Grosso, com assinatura duvidosa, e o imóvel é no Rio grande do Sul, o foro para dirimir a questão é o Mato Grosso. Claro, se estivermos falando na questão registral, falta de prenotação por exemplo, do princípio da prioridade, o domicílio é onde ocorreu a omissão, ou seja, o lugar onde o imóvel foi registrado, mas aí é outra questão, argumento para outra ocasião.
Com os dois olhos firmes, tanto no burro como no cigano, o cidadão que não procurou um advogado ou um corretor antes de adquirir um imóvel, deve pedir para alguém ler o artigo 1.247 do Código Civil. Obviamente que o cigano e o burro são personagens de um provérbio popular dos patrícios portugueses, onde a ideia central é dizer para que as pessoa sejam diligentes, ficarem desconfiadas de tudo, e se não tem a habilidade que o caso requer, contratar um profissional habilitado para a assessoria é o mais indicado, o barato pode sair muito caro.
É de muita valia dizer que, nos casos de imóveis já registrados, independentemente de boa-fé do adquirente, o interessado pode acionar o Estado-Juiz para anular o registro advindo de documentos falsos, e aí, claro, é onde foi registrado, provando, por oportuno que o documento que fez a transferência se tratava de uma cilada.
No universo do documento falso temos a falsidade de cunho material e de cunho ideológico. A de cunho material vem à tona quando, por exemplo, a assinatura é falsa, a adição, a supressão ou substituição de palavras, o retoque para obter uma imagem adulterada, e isso se prova com perícia, e independe da veracidade do conteúdo do documento. Agora, quando a questão é ideológica, que decorre de uma mentira contida no documento, aí não se prova com perícia, a mentira é caso particular que depende de ação própria. Não obstante, em alguns julgados esparsos, se tem admitido a alegação de falsidade ideológica em sede de contestação, mas não é o usual, tecnicamente dizendo. O mínimo é que fiquemos ligados, pois o documento público ou particular, que não seja declarado judicialmente falso, continua impondo respeito, o danado continua merecedor de fé, atenção!
Para que venha ao mundo a declaração de falsidade, para que o documento saia do mundo jurídico, como o nome da interlocução diz, o desavisado comprador de imóveis, ou qualquer pessoa que queira que algum documento seja declarado falso, a lei indica que deve ingressar com as ações declaratórias autônomas ou as ações declaratórias incidentais, e o procedimento como é sabido e consabido, é o comum (com o advento do CPC de 2015 acabou o cipoal de procedimentos), mas pode ser ajuizado também nos juizado especiais cíveis, nada impede, dependendo do valor da causa, dentre outros requisitos.
Olhem bem, fiquem atentos para uma coisa mais perniciosa do que o próprio documento falso. O pior é quem foi atingido pela engenhosidade do crime e perde o compasso, decai do direito atingido pela prescrição, o que deve ser suscitada no prazo da contestação como sendo uma prerrogativa da parte, incidentalmente portanto, e isso só com a falsidade material, como já foi dito acima; a ideológica, a mentira, é em ação autônoma, cuidado senhores operadores do direito. Como se diz em Minas Gerais:- o trem é complexo -, mas tudo, com todos os lados e ângulos, estão escritos na lei, estão ditados pelos tribunais, estão na praxe e nos costumes desse povo fenomenal, brasileiro, difícil é não entender o que diz a norma procedimental.
Confesso, esse texto em pleno feriado, nas agruras da carne de sol mergulhada profundamente na fava branca, acompanhada de carneiro ao vinho; e na mesma ótica do Graciliano Ramos, foi como as lavadeiras de roupas lá das Alagoas, começando com a primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer até deixar a roupa alva, pronta para brilhar, para vestir alguém com o propósito de viver apegado às coisas úteis, pois o tempo de vida é ligeiro demais, um foguete.
Jurisprudência selecionada. AÇÃO RESCISÓRIA – PRETENSÃO DE RESCISÃO DE SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DE PEDIDO DEDUZIDO EM AÇÃO REIVINDICATÓRIA AJUIZADA CONTRA POSSUIDOR DE IMÓVEL – ALEGAÇÃO DE DOLO PROCESSUAL CARACTERIZADO PELO SUPOSTO CONHECIMENTO, PELO AUTOR DA REIVINDICATÓRIA, DE QUE O IMÓVEL POR ELE ADQUIRIDO ERA VICIADO POR SOBREPOSIÇÃO DE MATRÍCULAS – AUSÊNCIA DE CONDUTA PROCESSUAL DESLEAL OU ILÍCITA – DOLO PROCESSUAL NÃO CONFIGURADO – TESE DE FALSIDADE DOCUMENTAL INSUSTENTÁVEL – RECONHECIMENTO DA VALIDADE DOS DOCUMENTOS EM QUE SE EMBASOU A SENTENÇA RESCINDENDA – ERRO DE FATO ALEGADAMENTE CARACTERIZADO PELA SOBREPOSIÇÃO DE MATRÍCULAS – INOCORRÊNCIA – VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO LEGAL – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – INOCORRÊNCIA – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. 1. “Afasta-se o dolo ou a falsidade da prova se não houve impedimento ou dificuldade concreta para atuação da parte, sobretudo quando os elementos dos autos, em seu conjunto, denotam o acerto do julgado rescindendo” (STJ – 3ª Seção – AR 1.370/SP – Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR – DJe de 19.12.2013). 2. Descabe a pretensão de rescisão da sentença supostamente fundada em documento falso se não há alegação de falsidade documental propriamente dita, mas de mera incongruência entre o documento e o quadro fático. 3. A alegação de sobreposição de matrículas não é suficiente para justificar a rescisão de sentença de procedência de pedido reivindicatório deduzido pelo titular do domínio contra mero possuidor do imóvel litigioso. 4. Não há litisconsórcio passivo necessário entre a pessoa jurídica possuidora de imóvel reivindicado e seus sócios-proprietários, especialmente se a posse do imóvel é exercida pela empresa, posto que as personalidades física e jurídica não se confundem. (N.U 0053050-70.2014.8.11.0000, JOÃO FERREIRA FILHO, PRIMEIRA TURMA DE CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 01/12/2016, publicado no DJE 07/12/2016)
O Julgado do valoroso Estado do Mato Grosso, sem entramos no mérito da demanda, mas para entendermos os efeitos deletérios da fabricação de documentos falsos por todos esses ermos do Brasil, mostra que o debate no processo, como o leitor enxerga de pronto, é a duplicidade de documentos. Ora, se há duplicidade é porque dois foram feitos para o mesmo imóvel, inclusive há discussão de sobreposição na Ementa acima transcrita. Aí é que está o nó da questão, a total omissão do Estado para que isso tenha um fim, o que não é fácil para quem lida com o direito, pois desde 1.500 a fábrica de documentos tem trabalhado em turno dobrado, produzindo tudo que é tipo de mentiras, todas tendo que irem para discussão no Judiciário, para que este averígue em longo e fastidiosos processos qual documento deve prevalecer, e por incrível que possa parecer, nem sempre é o documento idôneo que prevalece, mas como diz minha mãe: – é duro mas é lei!
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MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário o Imobiliário. Também escreve para o Portal www.fazendasnaweb.com.br.
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