Sobre a função social da propriedade o artigo 1.228 do Código Civil lança luz nessas veredas sombreadas da falta de entendimento jurídico, diz que a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua ou detenha.
O comando exposto acima, obviamente que é o princípio geral que protege o direito de propriedade em toda sua amplitude, se estendendo aos imóveis urbanos e rurais, que fique bem claro.
Exemplificando, para compreensão fácil da expressão função social, as desapropriações, sobretudo as de terras rurais, vêm ao mundo não só pela necessidade ou utilidade, mas principalmente por interesse social, para que a propriedade possa utilizar sua função social.
Com o que fora dito acima se chega a uma conclusão simplória, elementar: – a de que a função social do imóvel é a pedra de toque de uma propriedade. Os fóruns estão abarrotados de demandas pelo não cumprimento da função social, fator primordial para que alguém possa dizer que realmente tem imóvel sem egoísmo. Ter imóvel sem satisfazer as necessidades humanas dentro do contexto social é especular, e quando isso ocorre, vem o Estado com sua mão de ferro e faz a desapropriação, dizendo que o imóvel estava manco, não estava fazendo justiça social. É, meus caros, é a lei, ela é fria, silenciosa, mas é sábia.
É fundamental dizer que desapropriação não é confisco, pois quando vem ao mundo o ato expropriatório, forma de aquisição de bem privado pelo ente estatal, vem sempre mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Não é confisco, pois o preço é pago pelo seu justo valor. Obviamente que não é valor de mercado como se fosse compra de terra produtiva, e se fosse assim, com certeza deixar a terra improdutiva, inculta, seria uma forma de vender por preço de mercado para o Estado sem cumprir a função social, e que na realidade não deixa de ter um fundo de verdade (os critério adotados pela legislação pertinente para se chegar ao preço justo são bons, é o que temos). Então, os proprietários de terras, sejam rurais ou urbanas, devem produzir, construir, devem fazer justiça social.
A expressão função social da propriedade , embora não como temos hoje, é muito antiga, acompanha o homem desde o início da sua relação com a terra, pois é a terra e seus produtos que fazem o homem viver. Sem a terra, sem o “agro”, o homem está fadado ao fracasso, literalmente. A função social, em nosso entender, é a função social econômica, pois o verdadeiro sentido da expressão função social é o de produzir para que possa satisfazer as necessidades presentes e futuras dos homens.
Dentro dessa temática, da conceituação de propriedade, tem-se que a finalidade do direito agrário não é proteger os fracos, tem condão principal incentivar a produtividade da terra, pois só assim alcança o topo da função social tão almejada pelos agricultores. O conjunto de normas ditadas pelo Estado, voltados para esse campo do direito, regulamenta o uso e gozo da propriedade rural.
Ficou explícito pelo que fora dito cima, que o Estado não quer fazer injustiças, muito menos obriga o proprietário cumprir a função social do imóvel, entretanto, por pragmática que é, a norma fica à espreita, se o proprietário não cultiva a terra, a intervenção do Estado é legítima e se impõe a desapropriação por interesse social para que condicione seu uso ao bem-estar da coletividade. Uma terra produtiva trás o bem-estar para o proprietário, para os trabalhadores que nela trabalham, para os familiares, além de produzir alimento, fortalecendo a cadeia produtiva. O Brasil já tem um dos melhores “agro”, falta estrada de ferros e portos para sair da condição de um país de segunda.
Jurisprudência selecionada – Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. BENS IMÓVEIS. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA RESIDENCIAL INDIVIDUAL. ART. 183, CF/88. REQUISITOS PREENCHIDOS. Usucapião especial urbano. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Requisitos preenchidos no presente caso. Função social. A característica principal desta modalidade de usucapião é ser sanção ao proprietário por não dar comprimento à função social da propriedade, beneficiando àquele que a atendeu. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível, Nº 70083227710, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em: 12-03-2020)
Vejam bem o que diz o Julgado: “a característica principal desta modalidade de usucapião é ser sanção ao proprietário por não dar comprimento à função social da propriedade, beneficiando àquele que a atendeu”. Em frias e duras palavras a ementa diz que o antigo proprietário, por não exercer a função social da propriedade dançou! Ora, a pessoa compra um lote, por exemplo, não constrói, não faz do prédio útil, vem outro e constrói, esse exerce a função social, em detrimento daquele. Essa desídia de não construir é que seria a função social. Se não constrói, não dar um fim útil ao prédio, deixa de exercer a função social, fica orbitando na especulação, o que não é permitido pela legislação, inclusive a constitucional. Exemplo emblemático do não cumprimento da função social, ocorre na capital de Tocantins, Palmas, onde existem vastas áreas particulares sem construir, deixando, portanto, de exercer a função social. Os entes nada fazem, no máximo uma notificação para se pagar tributos. A penalização para quem não exerce a função social não se limita à usucapião, pode também ser passível de desapropriação, como foi dito ao longo do texto. Mas “coragem política” não brota como catarro em tempos de pandemia.
___________________________________
MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário o Imobiliário. Também escreve para o portal www.fazendasnaweb.com.br.
advocaciammb@gmail.com