A correção monetária dos empréstimos rurais contraídos com as instituições financeiras originalmente surgiu com a Lei nº 8.880 de 27 maio de 1994. O parágrafo segundo do artigo 16 diz que “as operações referidas no inciso IV, a atualização monetária aplicada àqueles contratos será equivalente à dos preços mínimos em vigor para os produtores agrícolas”. Essas operações indicadas no inciso IV da Lei são as operações de crédito rural, destinadas a custeio, comercialização e investimento, qualquer que seja a fonte. Apesar do que estabelece a Lei nº 8.880 de 27 de maio de 1994, com o advento da Lei nº 11.524 de 24 de setembro de 2007, ficou suspenso a previsão nos empréstimos contraídos a partir da data da publicação da norma, o que pode ser notado no comando do artigo 12 onde está bem exposto que “para as operações de crédito rural contratas a partir de 01.08.2007 e até 31.07.2012, não se aplica o disposto no § 2º do art. 16 da Lei 8.880, de 27.05.1994”.
Para as dívidas securitizadas ou alongadas, nos termos da Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995, perdura a possibilidade da correção segundo a variação do preço dos produtos. Por conta do cipoal de leis, o tema se torna muito espinhoso, e por isso é bom lermos o que diz o artigo 5º da referida Lei onde diz: “são as instituições e os agentes financeiros do Sistema Nacional de Crédito Rural, instituído pela Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, autorizados a proceder ao alongamento de dívidas originárias de crédito rural, contraídas por produtores rurais, suas associações, cooperativas e condomínios, inclusive as já renegociadas, relativas às seguintes operações, realizadas até 20 de junho de 1995”. O § 5º aponta quais saldos devedores ficam sujeitos ao alongamento: “os saldos devedores apurados, que se enquadrem no limite de alongamento previsto no § 3º, terão seus vencimentos alongados pelo prazo mínimo de sete anos, observadas as seguintes condições”. Obviamente que aqui não há espaço para divagarmos sobre todas as condições impostas pelo digesto legal transcrito acima, entretanto, é bom transcrevermos o que diz o inciso III, e no que interessa, assegura a escolha da correção monetária pela equivalência em produto, pois diz que: “independentemente da atividade agropecuária desenvolvida pelo mutuário, os contratos terão cláusula de equivalência em produto, ficando a critério do mesmo a escolha de um dos produtos, a serem definidos pelo Conselho Monetário Nacional, cujos preços de referência constituirão a base de cálculo dessa equivalência”. Quanto a essa questão a jurisprudência tem admitido tal fator de correção, o que será detalhado mais abaixo para que o leitor, principalmente o produtor que está com a corda no pescoço tome tento.
Diante do que fora dito acima, e da disposição do artigo 12 da Lei nº 11.524 de 2007, e desde essa dada, com exceção das dívidas que se submeteram ao alongamento, encontra-se suspensa a equivalência da correção monetária ao preço do produto, entretanto, quando os contratos são firmados com instituições financeiras, há de ser aceita a equivalência, sem choro e lágrimas, e talvez até muita alegria para o sofrido agricultor. É o que entendeu o Superior Tribunal de Justiça em 2005 no Recurso Especial nº 503.612 oriundo do Rio Grande do Sul, dizendo que é assegurada a liberdade dos contratantes em decidirem sobre direitos disponíveis.
A jurisprudência tem dito que nos contratos de financiamento rural, é possível a adoção de índices de correção monetária pela variação do preço mínimo do produto, desde que o contrato tenha vindo ao mundo antes do advento da Lei nº 8.880 de 1994 e os contratantes tenham acordado expressamente sobre tal índice. Por isso que é bom o produtor, antes de assinar qualquer contrato bancário, levar para um advogado do ramo.
Mesmo com todos os conflitantes entendimentos, entrelaçados com a malha legal, o que tem que ser levado em conta é a questão do preço mínimo dos produtos, às vezes estabelecidos pelo Governo. Os preços mínimos estabelecidos por longo tempo, a nosso ver, é que causa o descompasso entre o preço e a correção, um anda muito além do outro, em suma, o que não pode haver é uma fenda intransponível entre os preços e os empréstimos, bem como outras concessões de créditos. A compatibilidade entre preço e correção é modalidade constitucional, pois na cabeça do artigo 187 está escrito que “a política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente.. ”, e arremata o comando dizendo no inciso II que “os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização”, ou seja, não é salutar preço mínimo congelado eternamente, pois estará criando disparidade entre custos de produção, sempre corrigidos, e preço mínimo congelado, o que afronta expressamente o princípio constitucional dito acima, colocando todo o peso de tudo que é problema nas costas do já esfolado agricultor. A correção de preço mínimo é realmente um instrumento capaz de fazer valer o princípio constitucional da compatibilidade. Para entendimento pensem na questão do arroz nos dias que estamos atravessando. Se o Governo estabelecesse preço mínimo congelado por várias safras, a coisa não ficaria nada bem, e isso, mesmo que possa causar espanto, é o que deve ser feito, ou seja, nada a ser feito, deixar a preço livre e/ou estabelecendo preço mínimo de safra a safra como a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB tem feito, amoldando os preços naquela velha fórmula entre demanda e procura.
Jurisprudência selecionada. Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS DO DEVEDOR. CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA. ALONGAMENTO DE DÍVIDA. INCIDÊNCIA DA LEI N. 9138/95. EQUIVALÊNCIA PELO PREÇO MÍNIMO DO PRODUTO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO ANUAL. DESMEMBRAMENTO DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO. 1. Manutenção da cláusula de equivalência ao preço mínimo do produto agrícola (in casu, milho), uma vez que a cédula rural hipotecária observou as disposições da Lei n. 9.138/95, aplicável à hipótese sub judice. Além disso, não há qualquer alegação de prejuízo ou onerosidade excessiva na adoção de tal cláusula no caso concreto. 2. Manutenção dos juros remuneratórios fixados em 03% ao ano, assim como da capitalização anual, visto que ambos em conformidade com o disposto no inciso II do §5° do art. 5º da Lei n. 9.138/95. 3. Existindo prova da viabilidade técnica, sem descaracterização do bem ou prejuízo na unidade residencial, mostra-se possível o desmembramento do imóvel rural hipotecado, conforme postulado pelo devedor, com averbação da garantia real nas duas áreas resultantes, resguardando, assim, o credor hipotecário na hipótese de o produto da hasta pública (referente à área em que não se encontra localizada a residência do devedor) revelar-se insuficiente para saldar o débito. Solução de equilíbrio, pois implica satisfação do direito do credor, além de resguardar o direito de moradia do devedor. APELO PROVIDO EM PARTE (Apelação Cível, Nº 70022983514, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado em: 05-06-2008)
O Julgado apenas chancela o que foi dito acima, pois o que deve ser levado em conta é o equilíbrio entre preço e correção, não deixando que um vá muito adiante do outro, para que o produtor não caia na esparrela de ter que arcar com correções em índices impraticáveis, inviabilizando o plantio, engessando qualquer ação para o aumento de produção, o que é uma lástima.
MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário o Imobiliário. Também escreve para o portal www.fazendasnaweb.com.br.
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