Infelizmente a regularização de posse em terras rurais em quase todos os Estados da Federação é uma miragem, sonho distante, principalmente se o posseiro não tem dinheiro para pagar cafezinho, e às vezes uma garrafa inteira, nos órgãos de regularização fundiária. Dói muito dizer isso, mas é uma dura realidade. Os processos ficam de mão em mão. Um agente corrupto pega, promete, nada faz, o outro, não menos corrupto, pega, nada faz. O político promete, discursa, puxa, encolhe, nada faz, ou seja, o posseiro só faz o protocolo com todos os documentos exigidos pela lei, o título, como dito, é uma miragem no deserto das ilusões, das mentiras e das ciladas. Esse Brasil é uma festa.
A posse rural, como outro bem qualquer, comparado com o bem maior, a vida, é tratado com descaso na mesma proporção e altura. Não é dado ao processo de regularização fundiária a devida importância, pois, assim como se exige na legitimação da posse, a regularização de posse rural envolve um ato de reconhecimento de parte do Poder Público.
Na legitimação da posse, o reconhecimento não requer pagamento. A regularização fundiária pelo Poder Público não tem outro fim senão a aquisição onerosa para quem exerce na posse culturas agrícolas e pastoris, cultiva, nela mora e assim por diante. Claro, não é só pelo pagamento em si, a regularização de imóveis rurais traz a paz social, abranda os corações, coloca a mulher sentada à frente do gerente do banco discutindo créditos, ou seja, fomenta a economia, gera divisas, empregos, faz a moeda circular, arrecada impostos, enfim, é uma avalanche de coisas boas para a economia e para o bravo brasileiro.
A regularização fundiária se dá mediante a instauração de um processo para definir a titularidade do domínio do imóvel. A regularização, se distingue da legitimação porque aquela tem caráter oneroso, pois quando o Poder Público emite o título, emite mediante contraprestação em dinheiro, por preço estabelecido oficialmente, variando de Estado para Estado, nesta não há qualquer tipo de contraprestação. Para regularizar terras no Piauí, por exemplo, com base em informação do último protocolo feito por este Articulista, o preço do hectare estava na ordem de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais).
Não vamos aqui flanar nas várias leis, normas e estatutos que orbitam o tema, mas o mais importante para a regularização fundiária é o exercício econômico da posse, o trabalho ou a morada habitual. E não há estabelecido na legislação situação abrangente, pois para cada caso específico há uma lei específica, seja no âmbito federal, estadual ou municipal. O objetivo aqui é dizer que o posseiro, seja o miúdo ou o graúdo, não importa, se de cinquenta ou cinco mil hectares, o importante é que a posse deve ser destacada do patrimônio público para o privado respeitando todos os comandos legais, sob pena de o sonho se transformar em pesadelo.
Semana passada falamos que para a discriminação de terras devolutas, o primeiro passo é a medição da terra, a demarcação. Igualmente, para o processo de regularização fundiária, o primeiro passo é discriminar a terra no globo terrestre, hoje tarefa muito fácil de ser feita com a tecnologia disponível para medir terras.
Para você que anda querendo trabalhar de verdade na terra, e não vender a mesma antes de pegar o título, como quase sempre acontece, existem outras formas de regularização fundiária, esta não se resume somente na emissão do título. Temos também a concessão de uso, a implantação de arrendamentos, a celebração de comodatos, a mera autorização para algum tipo de proveito econômico, a locação de uma fração de terra, dentre outras vertentes de explorar a terra de forma legal.
Na legitimação da posse pode haver um limite a ser legitimado, mas na regularização não há limite do tamanho da área, pois o que importa é se está preenchendo os requisitos legais, e se o pagamento é feito. Pagou, levou, como toda mercadoria exposta na prateleira, a diferença é que na regularização fundiária o processo deve começar e terminar, não só começar, pagar e não levar, como é por esse Brasil das fábulas.
Jurisprudência selecionada – EMENTA: 1. APELAÇÃO. NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. TÍTULOS EMITIDOS PELO IDAGO E ITERTINS SOBRE A MESMA ÁREA. SOBREPOSIÇÃO DE ÁREAS E MATRÍCULAS. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. EXTINÇÃO DA AÇÃO POR DECADÊNCIA. TÍTULO DOMINIAL MACULADO. ATOS ADMINISTRATIVOS NULOS NÃO SE CONVALIDAM COM O TEMPO. INEXISTÊNCIA DE PRAZO DECADENCIAL. SENTENÇA CASSADA. 1.1. O direito de postular a invalidade de ato administrativo alusivo à outorga de título definitivo, em razão de eventuais nulidades que suscitaram sobreposição de matrículas, não está alcançado pela decadência, haja vista que atos administrativos nulos não se convalidam, posto possuírem efeitos ex tunc. 1.2. A demanda que visa à nulidade de ato administrativo pode ser intentada a qualquer tempo, vez que não se admite a perda do direito de contestar ato revestido de vício em sua constituição, sobretudo, porque, ao que tudo indica, existiram vícios na outorga de título definitivo, posto as áreas terem sido registradas em sobreposição. 1.3. A ação seria cingida pela decadência apenas se seu objeto fosse, exclusivamente, a anulação do registro imobiliário, vez que, da data do registro (25/6/1992) até o ajuizamento da demanda (23/11/2015), já teria transcorrido 23 (vinte e três) anos, incidindo, portanto, o prazo de 4 (quatro) anos exigidos para anulação do negócio jurídico (artigo 178, inciso II, do Código Civil), o que não é o caso, posto tratar de ação que visa a nulidade do ato administrativo que ocasionou as matrículas em duplicidade.2. PLEITO DE ENVIO DOS AUTOS À COMARCA DE PALMAS-TO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO NA COMARCA DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL. 2.1. Não merece guarita o pedido de, por ser o domicílio do réu, enviar os autos à Comarca de Palmas-TO, sobretudo porque a área em litígio está localizada na Comarca de Goiatins-TO e o ITERTINS tem competência para atuar naquela localidade. 3. NÃO PROCESSAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO EQUIVOCADAMENTE NO PRIMEIRO GRAU. ALEGAÇÃO DE INDUÇÃO AO ERRO. PROCESSO ELETRÔNICO. DEVER DO PATRONO. CONHECER O SISTEMA E-PROC. 3.1. O questionamento pelo não processamento do agravo de instrumento interposto equivocadamente no primeiro grau não merece prosperar, vez que é dever do patrono da causa ter ciência dos procedimentos inerentes ao processo eletrônico, não podendo se valer da alegação de indução ao erro, pelo sistema e-proc. (AP 0010706-59.2016.827.0000, Rel. Des. MARCO VILLAS BOAS, 2ª Turma da 2ª Câmara Cível, julgado em 08/02/2017). (TJ-TO – APL: 00107065920168270000, Relator: MARCO ANTHONY STEVESON VILLAS BOAS)
Esse Julgado do Tribunal de Justiça do fulgurante Estado de Tocantins, onde a gente é alegre, onde brota o sorrido fácil, onde a menina tem cabelo solto ao vento quente, onde a vida corre de crina alta, mesmo nas adversidades da vida, mesmo com tanto horror, com tanto desvio de verba pública, mesmo com tanta notícia de corrupção em todas as esferas, de fio a pavio, diz uma coisa muito interessante, podendo fazer o cego enxergar, o surdo escutar, pois grita em som estridente que você que tem uma terra, uma posse, e o Estado, com suas mágicas e alquimias, emitiu um título com algum vício, por exemplo fraude na vistoria, não hesite em conversar baixinho com seu advogado, pois ato nulo não se convalida no tempo, mesmo que tenha sido o primeiro ato de Cabral aqui em terras tupiniquim, emitindo algum título vicioso para algum aventureiro especulador.
MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário o Imobiliário. Também escreve para o portal www.fazendasnaweb.com.br.
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