Amigo,
Me ajude!
O velho me chamou ao escritório agora há pouco. Olhando por cima dos óculos, jogou um papelinho dobrado em minha direção, mal eu havia sentado, e disse: “Taí o resultado… A tabulação é problema seu”.
Cara, quase caí da cadeira quando li o que ele rabiscou!
Irmão, o doutor enlouqueceu! Quer quinze pontos de frente para o Zé Alfredo!
Sei que vai dizer que eu deveria ter insistido que é impossível e também colocado à mesa seu bordão costumeiro (“estatística é ciência exata, não jogo de cartas para se blefar com os números”). Eu disse algo do tipo… Foi bem assim (claro, cauteloso, porque o temperamento dele você sabe como é): “Olha, doutor, na última pesquisa espichamos todas as margens para dar três pontos de frente para o Zé Alfredo, e ele ainda estava sete atrás do Ricardo do João Calo. Agora a diferença subiu para dez! Os levantamentos internos mostram isso… Como vou fazer para dar quinze de vantagem?” A resposta do velho veio com aquela ignorância de sempre: “Se seu jornal e seu instituto chinfrins quiserem receber o dinheirão que me cobram para inventar uns números e enfiar goela abaixo dos incautos, você vai achar uma fórmula nessa pseudociência para dar ao estrume do meu filho quinze pontos de liderança”.
Irmão, tô lascado se não usar toda a artilharia disponível. Por isso, preciso muito que assine esta pesquisa como responsável técnico. Sei que sairei desta eleição com meu instituto e meu jornal ainda mais desacreditados… Tá bom, tá bom! Não dou a mínima pra isso! O que importa é a grana, e preciso dela, companheiro… É meu período de safra, e esta será das gordas. O velho quer gastar.
Veja, você assina não sei quantas pesquisas neste estado, dos mais variados institutos, cada um com demandas comerciais próprias (sabe bem o que quero dizer). Apresentam os resultados mais divergentes, muitos deles até opostos para os mesmos candidatos. Tá bem, tá bem! Sei que opera sempre nas extremidades seguras da margem de erro e reluta a qualquer extravagância… Mas, pelo amor de Deus, me ajude! Não posso perder esse contrato. É o maior de todos. E o velho paga direitinho. Nem barganha.
Além da margem, pretendo mexer na amostra. Nem precisa me dizer dos parâmetros da porra do IBGE… E agora tem aquele advogado enxerido que coordena o tal “comitê para o acompanhamento de pesquisas eleitorais”. (Esse mercado está ficando difícil, irmão… ninguém mais pode trabalhar. Inacreditável o que estamos passando!) Porém, consigo manejar bem esses, digamos, ajustes de amostragem, e você sabe disso.
Aumentarei estratosfericamente o número dos entrevistados do setor central, onde Zé Alfredo perde feio, para encontrar o máximo de votos dele, expurgar questionários desfavoráveis e lhe dar larga vantagem sobre o Ricardo do João Calo. Como já ocorre naturalmente no setor sul, em que o Zé tem distribuído cestas básicas e pagado contas de água, luz e gás para todo miserável que aparece. Lembra que, no último levantamento, foi o local onde ele venceu todo mundo muitíssimo à frente? Vou deixar o setor central do mesmo jeito.
Para compensar você por assinar a pesquisa com este meu olhar mais cuidadoso, elevo seu honorário. Não tem problema. Melhor ganhar um pouco menos, mas segurar o contrato com o velho, do que nada.
Estamos só no início da eleição, irmão! Já imaginou o tanto que vamos faturar?
Deve estar pensando que o velho exigirá mais malabarismos estatísticos nas próximas rodadas. Talvez nem seja necessário. Porque acho que a estratégia dele vai dar certo. Vem muitas ações por aí e grana demais para fazer a campanha do Zé Alfredo decolar. É um candidato fraco, no entanto, turbinado pela máquina, pelo dinheiro e com uns números fabricados por nós e outros institutos para a opinião pública engolir, pode pegar. No tranco, mas vai. De líderes de bairro a candidatos a vereador, todos estão sendo arregimentados a peso de ouro. Conheço o velho. Vai por mim, brother. Ele não perderá esta disputa! É grosso, incivilizado, totalmente deselegante. Verdade. No entanto, sabe o que faz.
E nós vamos faturar aos montes agora, no governo do moleque dele e na próxima eleição.
Se o Zé não reagir nas próximas rodadas, prometo a você que vou peitar o velho e avisar que começaremos a ajustar os números para a reta final e assim evitar um desgaste irreversível porque temos um nome a zelar… Tá bom, tá bom! Que porra de nome a zelar! Foda-se! Sabe que faço há dez anos esse serviço de criar cenários promissores irreais de campanha para aquele provecto ordinário, nunca o enfrentei e mantive resultados fictícios até mesmo em dia de votação. Porque é muita grana, irmão! Jornal, sozinho, não se paga mais. É preciso alternativa.
É claro, é claro… Entendo que isso tirou muito da minha credibilidade. Está certo. Mas, veja, o velho não se incomoda. Diz que quem não se convence fica confuso com os números contraditórios pululando nesta época. Fala bem assim: “Se os eleitores duvidarem de todas as pesquisas, já consegui a brecha que precisava para emplacar o imprestável do meu filho”.
E também, convenhamos, meu querido — me perdoe —, você é meu parceiro há um tempão e nunca deixei de honrar meus compromissos. Muito pelo contrário. Paguei no dia combinado, e não foi pouco o que o você tirou das nossas campanhas. E isso só é possível por causa da satisfação da clientela com a nossa flexibilidade, entende?
Vá lá… Estamos falando de quinze pontos de frente para um candidato que está dez atrás. Mas garanto a você que posso envernizar e lustrar esses números a ponto de torná-los praticamente irrefutáveis… Eu sei disso!
Pelo amor de Deus, irmão, me socorra mais uma vez! Assine esta pesquisa… Não me deixe na mão!
Só tenho você para conseguir alegrar aquele velho ignorante e garantir uma gorda bolada para nós dois.
Pense no dinheiro! No dinheiro! Só isso importa!
Por favor, reflita com carinho para este seu brother… Promete?
Abraços,
Eu
Este é um texto de ficção. A história é fruto da imaginação do seu autor. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações é mera coincidência.